CULTURA

Os últimos guerrilheiros

Por Gilson Camargo / Publicado em 10 de novembro de 2016
Os últimos guerrilheiros

Memorial da Democracia

A Revolução Cubana, ocorrida em 1959, influenciou o surgimento de jovens guerrilheiros

Memorial da Democracia

A trajetória de guerrilheiros que lutaram contra a ditadura militar na América Latina durante quase três décadas no período pós-guerra fria – quando os Estados Unidos financiaram de forma sistemática golpes de Estado no continente para impedir a ascensão de governos socialistas – será reconstituída em livro-reportagem que o jornalista Carlos Alberto Jr., 47 anos, está produzindo desde meados deste ano. O combate às ditaduras no Cone Sul era organizado pela Junta Coordenadora Revolucionária (JCR), uma aliança entre grupos guerrilheiros de esquerda sul-americanos para financiar e organizar operações conjuntas do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR), do Chile; o Ejército Revolucionario del Pueblo (ERP), da Argentina; o Ejército de Liberación Nacional (ELN), da Bolívia; e o Movimiento de Liberación Nacional-Tupamaros (MLN-T), do Uruguai. Os grupos foram dizimados pelas ditaduras e seus integrantes presos, torturados e mortos.

Loyola Guzmán, ativista boliviana

Foto: Carlos Alberto Jr./Acervo pessoal

Loyola Guzmán, ativista boliviana

Foto: Carlos Alberto Jr./Acervo pessoal

Entre os que sobreviveram, o professor e advogado paraguaio, Martín Almada, a ativista boliviana Loyola Guzmán e o militante de esquerda venezuelano Douglas Bravo forneceram relatos que compõem o centro da narrativa do livro Os últimos guerrilheiros. Trata-se de um registro historiográfico inédito – e possivelmente o mais completo – sobre a trajetória da luta armada na América Latina durante as décadas de 1960, 1970 e 1980. A iniciativa conta com financiamento coletivo (crowdfounding) encerrado em julho deste ano com a participação de 207 investidores. O livro, ainda sem editora, terá 500 páginas de entrevistas com ex-guerrilheiros que sobreviveram ao cárcere e às torturas, pessoas envolvidas indiretamente com os movimentos e pesquisadores, além de documentos históricos sobre a organização dos grupos e o registro de atrocidades praticadas pelos governos no âmbito da Operação Condor. “O período das ditaduras e das guerrilhas reúne todos os elementos dos épicos: há bandidos e mocinhos, histórias de amor, traição, assassinato, espionagem, interferência internacional, corrupção. Depois de 40, 50 anos, os ex-guerrilheiros relatam com paixão o que aconteceu naquele período e continuam querendo mudar o mundo”, revela o autor.

MULHERES – A investigação também resgata a participação das mulheres na luta armada no continente com um capítulo de entrevistas exclusivas. As histórias das ex-guerrilheiras serão mostradas também em um videodocumentário a ser lançado na segunda parte do projeto. “A opção pela luta armada é uma decisão muito difícil, pois implica o abandono da família, dos amigos e da vida normal. Várias delas estavam ou ficaram grávidas durante a guerrilha, tiveram filhos em condições precárias ou nas prisões, muitas perderam os bebês, ou porque eles morreram ou porque foram tirados pela repressão e dados para adoção por outras famílias”, relata.

Arquivos do terror e outras histórias

Martín Almada, hoje com 79 anos

Foto: Carlos Alberto Jr./Divulgação

Martín Almada, hoje com 79 anos

Foto: Carlos Alberto Jr./Divulgação

A ideia original era escrever o perfil de três personagens importantes na luta contra as ditaduras na América do Sul. Depois da primeira viagem, no entanto, o autor sentiu a necessidade de mudar o enfoque do livro para abranger a narrativa de um período, de 1960 a 1980. “Independentemente dessa opção, são as histórias das pessoas que tornam o tema tão interessante. O período das ditaduras e das guerrilhas reúne todos os elementos dos épicos: há bandidos e mocinhos (apesar das discordâncias sobre quem era quem), histórias de amor, traição, assassinato, espionagem, interferência internacional, corrupção. O que mais me chamou a atenção nos depoimentos foi o fato de, 40, 50 anos depois, os ex-guerrilheiros relatarem com paixão o que aconteceu naquele período, e continuam querendo mudar o mundo”, adianta o Carlos Alberto Jr., que desde julho vem realizando as entrevistas e a pesquisa documental em sete países: Paraguai, Bolívia, Venezuela, Uruguai, Argentina, Colômbia e Nicarágua. “O trabalho de apuração é basicamente o jornalístico. Além da leitura de jornais e revistas da época e de livros, estou realizando entrevistas com ex-guerrilheiros, historiadores, cientistas políticos e pessoas que, se não foram guerrilheiras, participaram de alguma forma daqueles movimentos, seja em apoio financeiro ou logístico”, revela.

SOBREVIVENTES – Preso e torturado pela ditadura do general Alfredo Stroessner, em 1992, um dos últimos guerrilheiros, Martín Almada, hoje com 79 anos, descobriu em uma delegacia na periferia de Assunção, os Arquivos do Terror, cerca de 700 mil documentos sobre as atividades da polícia secreta paraguaia ao longo de mais de três décadas. “É um material riquíssimo não apenas para historiadores, mas para as vítimas e familiares interessados em tentar descobrir, por exemplo, o que aconteceu com desaparecidos políticos”, define o autor. Professor e advogado no Paraguai, Almada é um dos três guerrilheiros entrevistados. Preso em 1974 pela ditadura de Stroessner, acusado de integrar um grupo que tinha intenção de derrubar o governo, foi torturado e passou três anos na prisão, até sair asilado por pressões da Igreja e de grupos internacionais de direitos humanos. Após o fim da ditadura, retornou ao Paraguai e continuou na luta pelos direitos humanos.

Douglas Bravo é o guerrilheiro mais conhecido da Venezuela

Foto: Carlos Alberto Jr./Acervo Pessoal

Douglas Bravo é o guerrilheiro mais conhecido da Venezuela

Foto: Carlos Alberto Jr./Acervo Pessoal

Loyola Guzmán, hoje com 74 anos, era estudante em La Paz. Integrante da Juventude Comunista militante do Exército de Libertação Nacional, Loyola lutou contra o golpe militar que derrubou o governo de Víctor Paz Estenssoro, em 1964.Quando Che Guevara chegou ao país para iniciar a guerrilha de Ñacahuazú (1966/1967), ela se integrou ao grupo, que contava com guerrilheiros de diversas nacionalidades, e operava nas cidades, com informações e logística. Ao apreender documentos dos guerrilheiros numa fazenda, o exército encontrou fotos de Loyola com Che. Foi o suficiente para ela ser identificada, presa e torturada. Para não entregar companheiros, tentou suicídio atirando-se pela janela do terceiro andar do prédio em que estava presa. Sobreviveu porque caiu sobre uma árvore, que absorveu o impacto da queda. Terminada a ditadura, ela se dedica à luta pelos direitos humanos.

Douglas Bravo é o guerrilheiro mais conhecido da Venezuela. Viveu nas montanhas durante vários anos. Em 1965 foi expulso do Partido Comunista e lançou seu próprio movimento, o Partido Revolucionário Venezuelano. Conseguiu infiltrar simpatizantes nas Forças Armadas e atrair vários militares para sua causa, entre eles o futuro presidente Hugo Chávez, de quem divergiu e se afastou anos depois. Aos 84 anos, Bravo continua na luta política e no movimento de oposição ao presidente Nicolás Maduro.

Guerrilhas foram consequência das ditaduras

Os últimos guerrilheiros

Foto: Acervo Pessoal/Divulgação

Carlos Alberto Jr. colheu relatos dos sobreviventes

Foto: Acervo Pessoal/Divulgação

Nascido em Campos dos Goytacazes (RJ), onde iniciou como repórter do jornal A Cidade, Carlos Alberto Jr. trabalhou em veículos de comunicação de São Paulo e Brasília, como Gazeta MercantilAgência O Globo, revista Época e Correio Braziliense. Foi o primeiro correspondente da TV brasileira no continente africano. Baseado em Angola entre 2008 e 2010, produziu reportagens em 18 países para a TV Brasil. Desde o retorno ao Brasil, em 2012, depois de uma temporada de dois anos nos Estados Unidos, passou a atuar na realização de documentários para televisão, como as séries Presidentes Africanos, BRICS – a nova classe média, e Brasil: DNA África. Na entrevista a seguir, o jornalista fala sobre Os últimos guerrilheiros, seu primeiro livro.

Extra Classe –Como surgiu a proposta do livro sobre a guerrilha sul-americana?

Carlos Alberto Jr. – A ideia surgiu durante pesquisa para outro projeto, um documentário relacionado ao período da ditadura no Brasil. Achei fascinante a história de alguns guerrilheiros sul-americanos e comecei a levantar mais informações.Acabei descobrindo remanescentes das guerrilhas entre as décadas de 1960 e 1980, boa parte deles com mais de 70 anos, outros com mais de 90. São histórias pouco conhecidas no Brasil, mas que guardam muito em comum com o que aconteceu no nosso país.Também me atraiu a possibilidade de entrevistar essas pessoas para saber o que acham, hoje, da luta armada contra as ditaduras, quais os erros, o que teriam feito diferente e como se posicionam em relação à situação política de seus países.

EC – Qual é a proposta do projeto?

Carlos – Contar a história das principais guerrilhas naquelas três décadas (1960, 1970 e 1980) por meio desses personagens. Dessa forma será possível não apenas recuperar parte da memória da região como registrar o que acontecia no continente que motivou o surgimento das guerrilhas.A ideia original era escrever o perfil de três personagens importantes na luta contra as ditaduras na América do Sul. Depois dessa primeira viagem, senti a necessidade de mudar um pouco o enfoque do livro, que estará mais centrado na narrativa de um período. Independentemente dessa opção, são as histórias das pessoas que tornam o tema tão interessante. O período das ditaduras e das guerrilhas reúne todos os elementos dos épicos: há bandidos e mocinhos (apesar das discordâncias sobre quem era quem), histórias de amor, traição, assassinato, espionagem, interferência internacional, corrupção. O que mais me chamou a atenção nos depoimentos foi o fato de, 40, 50 anos depois, os ex-guerrilheiros relatarem com paixão o que aconteceu naquele período, e continuam querendo mudar o mundo.

 EC – Como foi a participação das mulheres na luta armada?

Carlos – A opção pela luta armada é uma decisão muito difícil, pois implica o abandono da família, dos amigos e da vida normal. Várias delas estavam ou ficaram grávidas durante a guerrilha, tiveram filhos em condições precárias ou nas prisões, muitas perderam os bebês, ou porque eles morreram ou porque foram tirados pela repressão e dados para adoção por outras famílias. O caso da Loyola Guzmán é um exemplo, pois ela estava grávida quando foi presa pela segunda vez em La Paz. A casa em que seu grupo estava foi cercada pelo Exército. Uma parte, inclusive o marido dela, conseguiu escapar pelo telhado, e foi a última vez que ela o viu. Ainda hoje ele é considerado desaparecido político. Provavelmente foi preso durante a fuga, torturado e assassinado. Também há momentos curiosos, como o vivido pela ex-guerrilheira Myriam Pérez, integrante da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN). Ela saiu de casa e integrou a guerrilha ainda adolescente. Na entrevista comigo, ela contou que não pediu permissão aos pais para entrar para a luta armada, mas fez questão de pedir autorização deles para casar com um companheiro de guerrilha. Acho importante humanizar essas pessoas, mostrar que, apesar da luta, são seres humanos que amam, sentem medo e têm uma história fascinante para contar.

 EC – Você afirma que suas leituras foram fundamentais para a pesquisa sobre o contexto da luta armada nas décadas de 1960 e 1970. A que livros e autores se refere?

Carlos – Existe uma vasta literatura sobre ditaduras no Brasil e no exterior. Houve muitos lançamentos nos últimos anos e vejo cada vez mais gente produzindo livros, o que é ótimo para o resgate da nossa história. Destacaria os cinco livros do ElioGaspari sobre a ditadura, mas há relatos de ex-guerrilheiros, ex-militares, cientistas políticos, historiadores. É uma lista enorme. E também existe a produção dos outros países. Acabei de voltar da primeira viagem de entrevistas no Paraguai, Bolívia e Venezuela. Devo ter trazido uns 50 livros sobre o período das ditaduras. Seria injusto mencionar alguns e deixar outros de fora (apesar de eu já ter mencionado o Gaspari), mas me disponho a compartilhar a bibliografia com quem tiver interesse.

EC – Qual era o contexto político enfrentado pelos grupos de guerrilha na AL nessas duas décadas?

Carlos – Acho importante destacar que as guerrilhas foram consequência das ditaduras que se impuseram na região. A revolução cubana, com a ascensão de Fidel Castro e Che Guevara ao poder, em 1959, teve um impacto muito forte nos partidos de esquerda e nos jovens, nos universitários de todo o continente. Pela primeira vez ficou provado que era possível derrubar uma ditadura por meio da luta armada. Aqueles ideais acabaram se espalhando com muita força e serviram de combustível para o surgimento de grupos guerrilheiros que queriam repetir em seus países o que havia acontecido em Cuba. Mas para responder à pergunta, o cenário na região era um pouco parecido. Além da polarização causada pela guerra fria, vários países passavam por problemas econômicos, com desemprego, inflação, baixo nível de escolaridade, ausência de direitos sociais e trabalhistas. Além, claro, da falta de liberdade imposta pelas ditaduras. Junte-se a esses fatores o exemplo vitorioso de Cuba e está criado o ambiente para o início da luta armada.

EC – Tens encontrado alguma resistência na apuração?

Carlos – O trabalho de apuração é basicamente o jornalístico. Além da leitura de jornais e revistas da época e de livros, estou realizando entrevistas com ex-guerrilheiros, historiadores, cientistas políticos e pessoas que, se não foram guerrilheiras, participaram de alguma forma daqueles movimentos, seja em apoio financeiro ou logístico. Cada pessoa que entrevista me abre uma série de novas possibilidades, e o risco é que o trabalho se torne inviável pela quantidade de informações. Por isso decidi estabelecer o período entre os anos 60 e final dos 80 como principal e contar a história a partir dos personagens. Até agora não tive nenhum problema para realizar o trabalho. No Paraguai, estive nos Arquivos do Terror, que reúne milhares de documentos da ditadura de Alfredo Stroessner. O material está todo catalogado e à disposição do público. Fui muito bem recebido pela Rosa Palau, que administra os arquivos, e pelo juiz que conduziu as investigações realizadas a partir do descobrimento dos documentos, pelo advogado Martín Almada, em 1992. Provavelmente enfrentarei dificuldades em algum momento, afinal o tema é muito sensível e muitas das pessoas que participaram das ditaduras, inclusive ex-torturadores, estão na ativa e não têm interesse que alguns documentos venham a público. Mas isso só a apuração dirá.

EC – O que são e o que contêm Arquivos do terror?

Carlos – São o conjunto de documentos encontrados pelo advogado paraguaio Martín Almada, ex-preso político da ditadura Stroessner, num prédio da polícia na periferia de Assunção. São documentos referentes ao período da ditadura e são compostos por fichas criminais dos presos políticos, gravações de programas de rádio, relatórios de reuniões de sindicatos, relatos da rotina de pessoas consideradas inimigas do regime, com descrição de encontros, tipo de conversa, depoimentos obtidos sob tortura, fotografias, relatórios de embarque e desembarque nos aeroportos, registros de estrangeiros nos hotéis do país, a carta enviada pelo governo chileno para o Paraguai integrar a Operação Condor. É um material riquíssimo não apenas para historiadores, mas para as vítimas e familiares interessados em tentar descobrir, por exemplo, o que aconteceu com desaparecidos políticos. Apesar de o governo ter negado conhecimento sobre determinada pessoa, nos arquivos havia o registro de que ela havia sido detida e estava sob a guarda do Estado. Esses documentos estão sendo usados pelas vítimas para obter reparação do governo.

EC – Por que a história e a realidade da América Latina são tão pouco abordadas pela imprensa brasileira?

Carlos – É uma boa pergunta e não tenho uma resposta exata para ela. Acho que, historicamente, o Brasil esteve – e está – de costas para a América Latina. Talvez tenha a ver com a questão cultural, de sermos o único país a falar português no continente, e daquela sensação de acharmos tudo o que vem de fora melhor, da mania de falar mal do país. Mas não é só isso. Acho que isso passa também pelos currículos escolares. Não sei como está agora, mas na minha época, e estou com 46 anos, não estudávamos América Latina e nem África, cujo ensino agora é obrigatório nas escolas. Havia aquela parte do Tratado de Tordesilhas, aGuerra do Paraguai, muito rápido, mas não me lembro de muito mais do que isso. É uma carência que nos acompanha desde a escola e vai se refletir depois na vida adulta. Se a América Latina nunca fez parte do nosso cotidiano, também não estará nos jornais, a não ser nos momentos de crise, o que é uma pena, pois considero impossível entender o Brasil sem conhecermos a história dos nossos vizinhos, que é também a nossa história.

EC – Como se organizava a Junta Coordenadora Revolucionária?

Carlos – A Junta Coordenadora Revolucionária (JCR)teve vida curta. Foi formalizada em 1975, no Chile, e reunia o MIR chileno, o ELN boliviano, os Montoneros argentinos e os Tupamaros uruguaios. O objetivo era realizar ações conjuntas contra as ditaduras, propaganda contra os governos militares em outros continentes, apoio logístico e de pessoal. Um ano depois, dois integrantes da JCR que viajavam de ônibus da Argentina para o Chile foram presos no Paraguai. Torturados, revelaram nomes, endereços, estratégias etc. e o fim da JCR foi questão de tempo. Como a Operação Condor, a aliança entre as ditaduras do continente já estava em funcionamento, em pouco tempo os guerrilheiros começaram a ser presos, torturados e mortos, resultando no fim da JCR.

EC – Quem são e como sobreviveram os últimos guerrilheiros da América Latina?

Carlos – Não tenho todos os nomes dos guerrilheiros que sobreviveram, mas muitos sobreviveram porque fugiram de seus países e se asilaram na Europa ou em países simpáticos à luta armada; outros sobreviveram à tortura e passaram anos presos até a democracia ser restabelecida em seus países e eles serem libertados, como foi o caso do José Mujica, guerrilheiro Tupamaro e ex-presidente do Uruguai.Muitos continuam na vida política, seja exercendo mandatos, em entidades que lutam pelos direitos humanos, em partidos políticos ou organizações não-governamentais. Outros retomaram suas profissões para ganhar a vida.

EC – Como chegou até eles?

Carlos – Como muitos têm uma vida pública, não foi difícil localizá-los. É sempre possível encontrar o telefone ou o e-mail de um, que indica outro e por aí vai. Os jornalistas nos outros países também ajudam, passam os contatos. A receptividade tem sido muito boa, e todos continuam antenados ao que acontece no mundo e querendo fazer a revolução.

EC – Até que ponto a reconstituição da trajetória de três personagens é suficiente para um recorte histórico abrangente sobre a luta armada na América Latina, em que muitos ex-guerrilheiros ainda estão vivos?

Carlos – A ideia original era escrever o perfil de três personagens, mas depois que iniciei as entrevistas vi que seria impossível. O projeto cresceu e agora farei esse recorte histórico mais amplo, de 30 anos de guerrilha em vários países latino-americanos.

EC – Quais são as referências sobre a atuação de brasileiros no combate às ditaduras no Cone Sul?

Carlos – Os brasileiros atuaram mais no Brasil. Houve o caso de Luiz Renato Pires Almeida, que desapareceu nas montanhas de Teoponte, na Bolívia, numa tentativa de retomada da guerrilha por simpatizantes do grupo de Che Guevara, assassinado em 1967. Havia muitos brasileiros “banidos”, para usar uma figura criada pela ditadura, no Chile, na Argentina, em Cuba. Muitos viviam clandestinamente, pois as ditaduras locais também estavam de olho neles. Em geral eles se articulavam no exterior para tentar voltar ao Brasil e retomar a luta armada. Foi o que aconteceu com o Onofre Pinto, por exemplo. Líder da Vanguarda Popular Revolucionária, ele saiu do Chile para a Argentina e integrou um grupo que voltou ao Brasil supostamente para iniciar um foco guerrilheiro no Paraná. Ao que tudo indica, era uma emboscada. Um agente do governo estava infiltrado no grupo e atraiu Onofre e outras seis pessoas para uma armadilha em que teriam sido mortos. Teriam sido, pois os corpos nunca foram encontrados.

EC – Qual é a previsão de lançamento do livro?
Carlos – A previsão é de terminar de escrever no fim de 2017, com lançamento em 2018.

EC – Qual a sua leitura sobre o golpe de Estado que depôs a presidente Dilma Rousseff?

Carlos – Primeiramente, fora, Temer! É um tema muito complexo, que divide o país e terá um alto custo a médio e longo prazos. Acho que a esquerda brasileira não se preocupou como devia em formar quadros capazes de continuar o projeto do partido, no caso do PT. Houve uma inabilidade da presidente Dilma em lidar com o Congresso, talvez por não estar disposta a entrar no jogo sujo que envolve as relações Executivo-Legislativo. Outro fator foi o péssimo gerenciamento da economia. Não diria que as democracias na América Latina estão ameaçadas, ainda, mas se a sociedade não se mantiver alerta, há um grande risco. O que houve nas Olimpíadas, de prender pessoas que se manifestavam contra o governo Temer, foi o maior exemplo do que está a caminho.

 

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