OPINIÃO

Violência contra povos indígenas virou política de Estado?

Publicado em 11 de dezembro de 2017
Indígenas fazem manifestação na Esplanada dos Ministérios em Brasília

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Indígenas fazem manifestação na Esplanada dos Ministérios em Brasília

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Segundo lideranças das comunidades indígenas, a Polícia Federal tem sido acionada, mas pouco tem feito até aqui para identificar e prender os responsáveis por esses ataques

No dia 2 de novembro, Ivete de Souza, 59 anos, foi atacada por dois homens em sua própria casa, teve várias partes do corpo retalhadas e a mão esquerda decepada. Ivete é mãe de uma das lideranças do Território Indígena Morro dos Cavalos, situado em Palhoça, a 30 quilômetros de Florianópolis, área que vem sendo palco de crescentes conflitos. Moradores da região vêm sendo estimulados por políticos conservadores e fazendeiros a apoiar a remoção dos indígenas de suas terras para a duplicação da BR-101. A comunidade guarani do Morro dos Cavalos lançou um pedido de socorro para enfrentar sucessivos ataques. No dia 19 de novembro, o território sofreu um novo ataque, desta vez com armas de fato. A ofensiva contra os guaranis do Morro dos Cavalos é mais um capítulo da ação contra os povos indígenas que avança com força desde o golpe contra a presidente eleita em 2014, Dilma Rousseff.

Segundo lideranças das comunidades indígenas, a Polícia Federal tem sido acionada, mas pouco tem feito até aqui para identificar e prender os responsáveis por esses ataques. “Já recorremos a todos os meios legais de proteção e até agora não obtivemos respostas. Promessas e notas de apoio também não estão valendo de nada, os atentados estão cada dia mais dentro das nossas Tekoás em nossas casas, em nossas famílias”, disse Kerexu Yxapyry, professora e liderança indígena guarani, em carta aberta divulgada no dia 19 de novembro.

“Ataque ruralista estruturado”

No relatório Violência Contra os Povos Indígenas 2016, divulgado em outubro deste ano, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciou a implementação de um “ataque ruralista estruturado” contra os povos indígenas em todo o país. Segundo o relatório, só em 2016, foram 118 mortes, 106 suicídios e 735 casos de mortalidade infantil. Segundo o secretário executivo do Cimi, Cleber César Buzatto, a situação de violações e violências contra os povos indígenas foi profundamente agravada em 2016. O maior alvo da violência foi o povo Yanomami, na Região Norte, com 44 mortes violentas. Ainda segundo Cleber Buzatto, no Mato Grosso do Sul, particularmente no caso da população Guarani Kaiowá, os suicídios decorrem de uma falta da garantia de um futuro.

Além da violência direta, o documento apontou ainda um quadro caótico nas políticas de assistência e da proteção dos direitos das diferentes etnias em todo o país. Para o Cimi, esse cenário indica a consolidação da ideologia ruralista junto ao governo de Michel Temer, que disseminou as ameaças contra os povos indígenas em diferentes níveis e formas.

Dom Roque Paloschi, presidente do Cimi, afirmou que, além do racismo que segue existindo na sociedade brasileira, a intolerância estimulada publicamente por lideranças políticas tem provocado agressões cada vez mais brutais. Em setembro deste ano, o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ligados à Organização dos Estados Americanos (OEA), denunciaram um possível massacre de indígenas isolados na região do Vale do Javari, no Amazonas, e pediram providências urgentes para a apuração do caso. Cerca de dez indígenas em isolamento, incluindo mulheres e crianças, teriam sido assassinados.

A principal expressão institucional desse ataque é a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que tem como objetivo barrar novas demarcações, tentar rever demarcações já feitas e criminalizar antropólogos, procuradores e lideranças indígenas. Esse processo culminou, no governo Temer, no menor orçamento da Funai em dez anos.

Uma das lideranças dessa ofensiva contra os povos indígenas é o deputado federal Alceu Moreira (PMDB-RS), que presidiu a CPI que pediu o indiciamento de 88 pessoas, entre eles trabalhadores ligados ao Cimi, procuradores da República, antropólogos e 35 lideranças indígenas. Alceu Moreira já foi denunciado por racismo contra indígenas e quilombolas no Supremo Tribunal Federal (STF), junto ao deputado Luis Carlos Heinze (PP).  Integrantes do Cimi foram apontados pela CPI como “estrategistas, coniventes e instigadores de ações ilícitas, altamente perniciosas, criminosas, voltadas para invasões de imóveis rurais por indígenas”. Até hoje, as lideranças ruralistas envolvidas nesta CPI não se manifestaram sobre a violência contra os povos indígenas que se alastra pelo país.

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