ECONOMIA

Participação das IES privadas cresceu 73% em uma década

Aumento da demanda por educação superior, mais renda e financiamento público estão entre os fatores
Por Flavia Bemfica / Publicado em 9 de abril de 2014
Políticas públicas de financiamento para estudantes promove crescimento de alunos na Educação Superior privada

Foto: Igor Sperotto

Políticas públicas de financiamento para estudantes promove crescimento de alunos na Educação Superior privada

Foto: Igor Sperotto

Excelente. Assim pode ser definido o momento atual da educação superior particular no Brasil. Embalado por políticas de governo, pelo aumento do financiamento, pela melhora geral no padrão econômico da população e pela deficiência no número de instituições públicas para atender a crescente demanda, o ensino superior oferecido por instituições de caráter privado, que vem passando por mudanças desde os anos 90, domina a oferta de cursos e vagas, para diferentes segmentos.

Os dados do Censo da Educação Superior de 2012 (os dados de 2013 só estarão consolidados no segundo semestre), elaborado pelo Ministério da Educação e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), deixam evidentes os tempos de bonança. Nos últimos 10 anos, o número total de matrículas em cursos de graduação no Brasil quase duplicou. Eram 3.936.933 em 2003, quando a fatia da rede privada, de 2.760.759 matrículas, chegava aos 70%. Em 2012, o total de matrículas saltou para 7.037.688. E a participação das instituições particulares (com 5.140.312 matrículas), subiu para 73%. Como a meta do Plano Nacional da Educação 2011-2020 é dobrar o tamanho do ensino superior no país até 2020, o futuro também se mostra promissor.

“Há um aumento da demanda por educação entre a população em idade ativa, há aumento de renda e há o financiamento público, ou seja, para quem não pode pagar por um curso superior hoje, o governo dá uma bolsa ou financia, o que diminui também a inadimplência. Apesar disso, os salários dos professores não crescem na mesma proporção. E o valor das mensalidades sobe acima da inflação. As instituições argumentam que a elevação da procura traz consigo a concorrência e a necessidade de investimentos maiores na expansão”, explica o supervisor técnico do escritório do Dieese no RS, Ricardo Franzoi.

LUCRO – O acompanhamento anual feito pelo Dieese junto às instituições aponta para um reajuste acumulado de 82,61% nas mensalidades das particulares gaúchas entre 2005 e 2014, enquanto que o INPC acumulado do período foi de 58,81%. Em 2014, as mensalidades subiram 8,15%. O INPC teve alta de 5,95%.

O ‘empurrão’ dado ao setor por meio do financiamento e das bolsas também está documentado em números. Conforme levantamento do MEC, em 2010 as bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni) e os contratos ativos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) respondiam por 11% das matrículas da rede privada no país. No ano passado este percentual havia subido para 31%.

Somente no Rio Grande do Sul, de acordo com dados da Caixa Econômica Federal (CEF), o Fies, que somava 38.907 contratos assinados até 2009, acumulou 78.384 contratos no ano passado, sendo 12.546 assinados em 2013.

“No nosso caso, do ponto de vista econômico, o cenário nunca esteve tão bom. O governo investiu milhões no Fies e, com isso, a inadimplência, que antes girava em torno dos 10%, 12%, hoje está na faixa do 1,2%. Na média, atualmente, entre 35% e 40% do total da receita das instituições depende dos financiamentos. No passado, isso ficava em, no máximo, 10%. É evidente que este cenário permite uma expansão qualitativa”, confirma o diretor geral da Faculdade Meridional (Imed) de Passo Fundo, Eduardo Capellari.

A divisão do mercado
A expansão do ensino superior privado no Brasil nos últimos anos acentuou divisões no que diz respeito a uma série de itens, como qualidade, público-alvo e investimentos, que também ajudam a entender o mercado. Entre 2001 e 2012, apontam os dados do Censo, o número de universidades particulares no país se manteve estável: são 85. Mas o número de faculdades subiu de 1.059 para 1.898 e o de centros universitários dobrou: eram 64 no início dos anos 2000. Passaram a 129 em 2012.

“As particulares com fins mercantis são administradas como empresas, se concentram na graduação e trabalham com um público alvo que integra classes sociais menos favorecidas. Por isso, do ponto de vista quantitativo, é um mercado em expansão mesmo”, assegura o professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Passo Fundo (UPF) e avaliador institucional e de cursos do Inep, Julio Cesar Godoy Bertolin. Ele ressalva, contudo, que, quando tem condições de pagar, o aluno se volta para instituições mais tradicionais em termos acadêmicos. De acordo com o diretor geral da Imed, Eduardo Capellari, o negócio da educação superior é rentável, mas quem não investe e se profissionaliza corre o risco de ser “engolido”. Para enfrentar o avanço das instituições ‘comerciais’, as ‘tradicionais’ buscam reforçar sua identidade de universidade como centro de conhecimento e excelência. “Quando o processo começou, diversas instituições tradicionais, de perfil acadêmico, investiram com força em profissionalização. No Rio Grande do Sul o maior exemplo disso talvez seja a PUCRS”, afirma Capellari.

A pró-reitora Acadêmica da PUCRS, Mágda Cunha, confirma que o diferencial buscado pela universidade é mesmo o investimento pesado em ensino, pesquisa e extensão, de forma a
que a instituição atinja patamares internacionais de qualidade. A diferenciação na oferta e a melhora nos números, contudo, ainda estão longe de uma realidade confortável em termos estatísticos. O mercado se expande, mas os indicadores deixam a desejar. O professor Bertolin apresenta dados comparativos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa de escolarização bruta no ensino superior é de 80%. Em outros países desenvolvidos, fica na faixa dos 50%. No Brasil, não chega aos 30%. “O fato é que o país precisa urgentemente rever as estruturas do sistema porque hoje quem determina como se movimenta o mercado é o setor privado e não o estado, apesar do esforço deste”, lamenta.

O cenário gaúcho
No Rio Grande do Sul o quadro atual aparenta ser ainda mais favorável para as instituições de ensino superior privado. Os dados da Sinopse da Educação Superior 2012 apontam que, das 442.046 matrículas, 349.072 (78,96%) estão na rede privada, onde há o predomínio das chamadas instituições comunitárias.

Na comparação com a rede pública, o domínio também fica evidente. Das 115 instituições existentes no Estado, 105 são privadas. O RS é o quarto no país com a maior relação entre matrículas na rede privada e pública, atrás de São Paulo, Distrito Federal e Rondônia, nesta ordem. Aqui, para cada aluno matriculado em instituições públicas, há 3,4
na rede particular.

Segundo o diretor-geral da Imed, Eduardo Capellari, entre as comunitárias, quem se organizou no momento certo vai crescer ainda mais. Mas quem não fez isso, vai enfrentar muitos problemas. Já entre as instituições de modo geral, é aguardada uma série de movimentos. “Vai haver ainda um processo muito forte de compra entre determinados tipos de instituições. Já vemos os desdobramentos da atuação de grandes grupos, como Anhanguera, Estácio e Laureate, no mercado gaúcho, e com estratégias diferentes entre si”, exemplifica.

Parte das instituições de pequeno porte reconhece seus temores em relação ao modo como o setor se movimenta. “Estamos no mercado há nove anos e sempre com foco na qualidade. Mas a chegada dos grandes conglomerados nos preocupa, assim como a evasão, o crescimento da Educação à Distância (EAD), e o futuro do financiamento estudantil”, enumera o diretor de Ingresso e Marketing do Complexo do Ensino Superior de Cachoeirinha (Cesuca – Faculdade Inedi), João Antônio da Silva Almeida.

Almeida explica que, ao mesmo tempo em que trabalha com projeções de crescimento, e encaminha pedido para em 2015 se transformar em centro universitário, a instituição mantém a cautela. “O Fies veio com tudo há dois anos. Isso é ótimo. Mas não temos certeza se os recursos do fundo vão ser suficientes para manter o sistema daqui a quatro ou
cinco anos, quando há grandes chances de que uma parte significativa dos formados se torne inadimplente, em um sistema no qual não há fiador e as instituições de ensino é que são os corresponsáveis”, destaca.

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