OPINIÃO

O dia em que prenderam um tucano

Por Moisés Mendes / Publicado em 22 de novembro de 2016
O dia em que prenderam um tucano

Foto: Divulgação

Jornal Nacional: Manuel foi preso quando tentava fugir para o Peru no lombo de uma mula

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O Brasil parou hoje, como não parava desde a morte de Getúlio, para ver o primeiro tucano preso. Manuel Gumercindo Esponencial Abígeo foi conduzido à carceragem da Polícia Federal de Curitiba com as mãos às costas. A escolta foi feita por um policial robô em testes no Brasil.

A PF esclareceu que, depois do Japonês da Federal e do Lenhador da Federal, temos agora o Robô da Federal. O japonês e o lenhador eram de direita. A PF assegura que o robô, importado da China, é neutro e gasta pouca bateria.

Viu-se no Jornal Nacional a imagem de Manuel, com roupas surradas, caminhando com a cabeça abaixada e vestindo chinelos de dedos, com o robô de óculos de sol ao seu lado. Foi preso no Acre quando tentava fugir no lombo de uma mula para a cidade de Huancavelica, no Peru, onde tem parentes.

No momento em que foi flagrado, Manuel sesteava à sombra de uma andiroba com o chapéu no rosto, em Santa Rosa do Purus. A primeira visão que os homens da PF tiveram foi a da mula comendo flores numa clareira. Chegando na mula, chegaram até onde estava Manuel.

Manuel é perigoso. Foi prefeito de Pipiritibum Mirim, no Estado de Piraminápolis. Corrompeu-se pela primeira vez desviando recursos destinados à construção de poços artesianos. Nunca mais parou. Dizia que os poços iriam fazer jorrar água mineral com gás.

Ainda não há provas, mas há indícios. Os primeiros indícios são estes: Manuel foi do PT na juventude. E seus avós eram comunistas. Quando Delcídio do Amaral decidiu deixar o PSDB e entrar no PT, ele fez, por desilusão, o caminho inverso. Delcídio era seu padrinho político. E então Manuel, muito religioso, virou tucano para se purificar.

Quando a Lava-Jato saiu atrás de um tucano, para calar a boca de quem reclamava que não pegavam ninguém do PSDB, logo a força-tarefa lembrou-se de Manuel. Ele e a mula já estavam sob observação.

Na coletiva para anunciar a prisão, um procurador e um delegado disseram que Manuel não era o tucano mais corrompido que eles haviam encontrado. Era o único tucano corrompido.

Mostraram então um powerpoint com bolinhas azuis. Na rosácea das bolinhas da corrupção em Pipiritibum Mirim, um nome aparecia ao centro, o de Manuel, o comandante máximo. Dali se irradiava a corrupção.

As bolinhas representavam os corruptores e não os corruptos, porque não há nenhum outro tucano corrompido no país todo. Só Manuel, que era corrompido e corrompia os próprios corruptores, mas nunca ninguém do próprio partido.

Não julgamos quem foi Manuel, não queremos saber da sua ideologia, queremos apenas a justiça, disse o procurador. Mas eles sabiam, com convicção, que Manuel estava tentando levar os tentáculos da sua ideologia para o Peru.

Seu projeto dos sonhos era substituir o condor pelo tucano como ave símbolo dos Andes. A polícia e o MP chegaram antes. Agora, há um tucano preso no Brasil, líder político de uma cidadezinha, aparentemente singelo, mas potencialmente belicoso.

Queriam um tucano na cadeia, pois aí temos um belo exemplar, disse o procurador Erêndiro Marques. Foi Deus quem nos orientou e nos iluminou, afirmou ele com as mãos para cima. Ainda não há provas, repetiu, mas há sinais e muita intuição.

Manuel está envolvido em todos os casos tucanos não esclarecidos e que finalmente serão levados adiante na Justiça. Desde casos antigos, do tempo da privatização no governo FH (quando petistas se infiltravam no governo para corromper gente do PSDB), até casos recentes. Do metrô superfaturado e da merenda roubada das crianças em São Paulo, da lista de Furnas do Aécio, da propina da Perez Companc argentina para o pessoal da Petrobras no governo FH, dos R$ 23 milhões da Odebrecht para José Serra, do helicóptero com meia tonelada de cocaína…

Manuel assumiu que comandava tudo. Só ele, às vezes com a ajuda da mulher, Petronila Iguarian. Ele até tentou corromper tucanos graúdos pelo Brasil todo, mas nunca conseguiu. José Garabuendo, amigo de Manuel do tempo em que ele era de esquerda, se disse surpreso. Todos achavam que Manuel tivesse apenas uma mula.

Por tudo isso, compreende-se que o Jornal Nacional tenha dedicado 20 minutos à prisão de Manuel. Compreende-se até que Alexandre Garcia tenha sido chamado para comentar a prisão ao vivo.

A moral e a democracia estão vingadas, disse Garcia, embalando-se para a frente, como costuma fazer na bancada do JN, parecendo indicar que a qualquer momento pode saltar da TV para dentro da casa de quem o assiste, como se isso fosse uma ameaça.

Está decidido pela força-tarefa que Manuel não participará dos programas de delação premiada. Se agia sozinho e se afinal corrompia e era corrompido sem afetar o pessoal do próprio partido, não há tucanos que possam ser delatados.

Está tudo resolvido. Com a prisão do único tucano corrupto e sua mula, já podem sair à caça de Lula.

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