MOVIMENTO

Ufrgs termina a semana com mais de 30 cursos e 11 prédios ocupados contra a PEC da Morte

Universitários aderem à primavera das ocupações, somando-se a outros 122 campi e 1.071 unidades de ensino médio ocupadas em todo país, além de 14 institutos federais no estado
Por Flávio Ilha (textos) e Álvaro Andrade (fotos e vídeo) / Publicado em 4 de novembro de 2016

No final da tarde da quinta-feira, 3, diante de um campus da Ufrgs cada vez mais controlado por estudantes contrários à PEC 55, que congela os investimentos em saúde e educação no país por pelo menos 20 anos, três militantes do Movimento Brasil Livre (MBL) ameaçaram os manifestantes com uma pistola. Liderado por Felipe Diehl, conhecido por suas pregações militaristas e estudante do curso de Engenharia, o grupo foi cercado por dezenas de estudantes e intimado a deixar o campus do Vale aos gritos de “fascistas não passarão”. Um conflito de dimensões trágicas, entretanto, esteve perto de ocorrer.

Longe de ser um episódio isolado, a tensão que cerca as ocupações da Ufrgs – que se alastraram durante a semana – mostra que a determinação em barrar a PEC da Morte, como ficou conhecida a proposta de emenda constitucional quando tramitou na Câmara dos Deputados, não será uma tarefa fácil. Além da pressa com que o Parlamento pretende votar a matéria, há a ação de grupos fascistas interessados em criar conflitos violentos. E há a mídia, que esconde o quanto pode as ocupações.

Mesmo assim, o movimento se alastrou de forma avassaladora em menos de uma semana. A partir da ocupação do curso de Letras da Ufrgs na quarta-feira (26), já a partir do final da manhã, outros departamentos seguiram a mesma estratégia e a primeira semana de novembro termina com pelo menos 30 cursos e 11 prédios ocupados. A pauta de reivindicações segue o movimento nacional, com destaque para a rejeição da PEC 55 (que foi aprovada na Câmara dos Deputados com o número 241), dos projetos que legalizam a Escola Sem Partido e contra a medida provisória (MP) 746, que altera o ensino médio. Já há assembleias marcadas em outros cursos a partir da próxima segunda-feira (7).

LEGALIDADE – As ocupações têm cumprido rigorosamente os regimentos internos de cada curso e estão sendo aprovadas por assembleias convocadas dentro de critérios legais. Na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico), que reúne seis graduações diferentes, houve registro em ata dos participantes da assembleia, realizada na segunda-feira (31) à noite, e observado o quórum mínimo de 10% da comunidade universitária da unidade para aprovar a medida. A votação foi unânime.

“É assustadora a velocidade com que a PEC que congela os gastos sociais do governo está avançando no Congresso. Diante disso, é urgente a mobilização para defendermos a educação pública”, diz um dos porta-vozes da Fabico, Lucas Pitta. E por que a ocupação, e não outras formas e luta? “Porque a luta nas ruas, apesar de forte, não surtiu resultados além da repressão violenta das forças de segurança. Diante disso, foi preciso radicalizar”, completa o estudante de jornalismo.

Por dentro das ocupações
A equipe do Extra Classe foi autorizada a entrar na ocupação para verificar como os estudantes estão se organizando. A segurança é a principal preocupação. Ninguém de fora da Universidade, por exemplo, está autorizado a entrar no prédio da Fabico e mesmo alunos regulares, de outras unidades, passam por uma checagem para verificar seu posicionamento ideológico. A medida tem suas razões: logo após a ocupação, um integrante do MBL tentou ingressar no prédio para registrar em vídeo a movimentação dos alunos, mas foi barrado pela equipe de segurança.

UFRGS termina a semana com mais de 30 cursos e 11 prédios ocupados contra a PEC da Morte

Foto: Álvaro Andrade

Foto: Álvaro Andrade

Os manifestantes têm acesso a quatro salas de aula, no térreo da Fabico, onde passam as noites. Os laboratórios estão fechados e não há risco ao patrimônio da Universidade. As refeições são feitas nos Restaurantes Universitários – no feriado do dia 2, os estudantes improvisaram alimentação em um fogareiro elétrico porque não é possível lidar com fogo nas dependências da Ufrgs. O grupo, que não revela a quantidade de manifestantes dentro do prédio por questões estratégicas, está dividido em comissões que incluem segurança, alimentação, limpeza, programação, organização e articulação. As aulas estão suspensas e há atividades diárias, como aulas públicas, debates, assembleias e sessões de yoga. O clima é de tranquilidade. A permanência dos estudantes foi negociada com a direção da unidade, que “reconhece e respeita” a ocupação.

Em outros cursos a tensão é maior. Logo em frente à Fabico, o acesso ao prédio da Psicologia – que congrega também as graduações de Fonoaudiologia e Serviço Social – é negado por razões de segurança. Os estudantes não querem se identificar e atribuem as informações ao Grupo de Comunicação. A assembleia dos cursos, realizada no final da tarde de terça-feira, 1º, também respeitou o quórum mínimo regimental e teve duas abstenções. Os manifestantes estão utilizando o saguão do prédio e mais quatro salas de aula. Os equipamentos e laboratórios também estão fechados e só entra quem tiver documento com foto – isso se passar na checagem da equipe de segurança. “Temos receio de violação dos nossos direitos devido à falta de diálogo demonstrada até agora pelo governo e com a truculência da polícia. Mas não temos prazo para sair daqui”, avisa um dos integrantes do grupo.

Estudantes da Educação fazem rodízio
Na Faculdade de Educação, a informação é de que há um rodízio entre os ocupantes para garantir pelo menos 50 pessoas a cada noite no prédio, que reúne os cursos de Pedagogia, Pedagogia a Distância e Educação no Campo, além das pós-graduações. Os porta-vozes do grupo de comunicação, que também não quiseram se identificar, dizem que a ocupação – iniciada na segunda-feira, 31 de outubro, tem como prazo os 20 anos de vigência da PEC 55. “A medida, assim como as propostas de Escola Sem Partido e a reforma do ensino médio, atinge diretamente nosso campo de pesquisa e de trabalho. Por isso a radicalização”, diz um dos estudantes. Assim como nas outras ocupações, as aulas estão suspensas e o funcionamento administrativo da unidade está limitado a tarefas urgentes. “Estamos dispostos a resistir durante muito tempo”, afirma outra porta-voz. Na Educação, os estudantes que participam da ocupação são identificados por uma pintura vermelha do lado esquerdo do rosto.

UFRGS termina a semana com mais de 30 cursos e 11 prédios ocupados contra a PEC da Morte

Foto: Álvaro Andrade

Foto: Álvaro Andrade

No Direito, a ocupação foi decidida na noite de quinta-feira, 3 por uma assembleia que reuniu mais de 500 estudantes e que teve uma aprovação expressiva da proposta por 252 votos contra 159. A assembleia foi precedida de uma aula pública na terça-feira, 1º, em que foram debatidos os impactos da PEC 55. Os estudantes que ocupam o prédio do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade publicaram um manifesto em que classificam como “a maior onda de ocupações estudantis” do país – dados do grupo Ocupa Tudo apontam que há mais de mil registros em escolas secundaristas e dezenas de universidades e institutos federais. Os números mudam a todo momento.

“Sabemos que a depender do Congresso, do Senado, do STF e do governo, o conjunto dos ataques que vai precarizar as condições de vida da população será implementado. A resistência é urgente. Mas se não ganharmos a unidade das trabalhadoras e trabalhadores para a nossa luta, dificilmente conseguiremos avançar contra a retirada de direitos”, escrevem no manifesto. No Rio Grande do Sul, segundo informações colhidas junto à União Brasileira dos Estudantes secundaristas (Ubes), há 14 institutos federais ocupados desde o início de outubro, entre eles Charqueadas, Sapucaia do Sul, Pelotas e Camaquã (alguns institutos negociaram a desocupação temporária para realização do Enem) . Não há registro de escolas secundárias estaduais com ocupações.

Em Brasília, o governo do Distrito Federal desocupou duas escolas secundaristas na tarde de quinta-feira (3) usando técnicas de repressão que incluem violência física e tortura, como privação do sono e da alimentação. A utilização da força foi autorizada pelo juiz Alex Costa de Oliveira, da Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça. As escolas foram desocupadas pela Polícia, que foi aos locais armada de fuzis e escopetas. O ultimato deu prazo de uma hora para os estudantes saíssem das unidades, sob pena de invasão.

O Ministério da Educação informou que há 1.071 unidades de ensino médio ocupadas em todo o país, além de 122 campi universitários, total ou parcialmente. A União Nacional dos Estudantes (UNE) fala em mais de 1.200 escolas e institutos federais ocupados e 139 universidades. O governo tentou forçar a desocupação com ameaças de cancelamento do Enem, que se realiza neste final de semana em todo o país, mas desistiu ao perceber que a estratégia não surtiu efeito. Diante disso, decidiu adiar para dezembro as provas de 191 mil inscritos que prestariam exames em 304 unidades ocupadas. A UNE e a Ubes criticaram o adiamento e afirmaram que é possível realizar as provas mesmo com as escolas ocupadas.

UFRGS termina a semana com mais de 30 cursos e 11 prédios ocupados contra a PEC da Morte

Foto: Álvaro Andrade

Foto: Álvaro Andrade

REITORIA – A Reitoria da Ufrgs, por meio de uma nota, afirma que reconhece, “com preocupação, os impactos decorrentes da aprovação da PEC 55 e a necessidade de discussão mais aprofundada sobre a MP 746”. Em referência às propostas que tentam legalizar a Escola Sem Partido, a Ufrgs diz se posicionar “em defesa da livre expressão como fundamento da autonomia universitária”. Mas ressalva que, “ainda que manifeste sua compreensão das pautas apresentadas pelos discentes que ocupam espaços da Universidade, alerta sobre potenciais prejuízos ao calendário acadêmico, restrições na segurança e possibilidade de risco ao patrimônio”. Segundo a assessoria de imprensa da Ufrgs, a Reitoria não cogita pedir reintegração de posse em relação às unidades ocupadas.

ENEM – O MEC (Ministério da Educação) divulgou nesta sexta-feira (4) uma lista atualizada com os locais de prova que terão o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2016 adiado por conta das ocupações de estudantes. Ao todo, 240.304 candidatos inscritos no Enem farão as provas nos dias 3 e 4 de dezembro. A lista atualizada tem 61 unidades mais do que a previsão divulgada no início da semana, quando o ministério afirmou que 191 mil candidatos seriam afetados. Os demais participantes farão as provas normalmente neste fim de semana – 5 e 6 de novembro.

Saiba mais sobre a PEC 55

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Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

No dia 25 de outubro a PEC 241 foi aprovada em segundo turno na Câmara sob protestos

Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

A PEC 241 aprovada no último dia 10 novembro na câmara dos deputados passa a tramitar como  PEC 55, no Senado. Foi aprovada na Câmara em segundo turno  por 366 votos a 111. A PEC da morte, como é nomeada pelos movimentos sociais, limita por 20 anos as despesas primárias da União aos recursos do ano anterior corrigidos apenas pela inflação do período, para aumentar o superávit primário e destinar recursos ao pagamento de juros e amortização da dívida pública. A PEC 55 altera o regime fiscal, propondo o congelamento dos recursos destinados às áreas sociais, infraestrutura e despesa com pessoal por duas décadas. Desde que a proposta foi apresentada, diversos materiais e estudos foram divulgados denunciando os riscos contidos e os impactos negativos para as políticas e direitos sociais, e consequentemente para a população brasileira, que tal medida terá caso aprovada e implantada.

DIEESE – A nota técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra as diferenças anuais entre as despesas realizadas em educação e saúde durante o período de 2002 a 2015, e as mesmas despesas calculadas caso a nova regra tivesse sido adotada durante o mesmo período. “Observa-se, por esta simulação, que os gastos com educação e saúde teriam sido significativamente menores se as regras propostas pelo governo tivessem sido implementadas desde 2003. No caso da educação, com a nova regra, a redução seria de 47%, no período. Já em relação às despesas com saúde, a redução seria de 27%11. Em relação ao montante de recursos, a perda na saúde, entre 2002 e 2015, teria sido de R$ 295,9 bilhões e, na educação, de R$ 377,7 bilhões”, aponta o estudo. De acordo com a Nota do Dieese, “o pacote de medidas anunciado, até o momento, pelo governo com o objetivo de promover um ajuste nas contas públicas, leva a uma redução relativa do papel do Estado como indutor do desenvolvimento no país. Caracterizam-se, portanto, como medidas de caráter neoliberal e trata-se, na verdade, de uma reforma do Estado”. Leia aqui.

A Auditoria Cidadã da Dívida também divulgou artigos apontando os ataques contidos na PEC 241/2016 e a sua relação com outros projetos em tramitação no Congresso Nacional, como o PLS 204/2016, o PLP 181/2015 e o PL 3337/2015. Denuncia, por exemplo, que a PEC garante recursos para “empresas estatais não dependentes”, enquanto ficarão congelados por até vinte anos o conjunto de gastos e investimentos primários em saúde, educação, segurança, assistência.

A nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada em setembro, aponta os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e para a efetivação do direito à saúde no Brasil. Leia aqui.

Se o Senado aprovar o texto como o recebeu da Câmara, a emenda é promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado. Se o texto for alterado, volta para a Câmara, para ser votado novamente. A proposta vai de uma Casa para outra (o chamado pingue-pongue) até que o mesmo texto seja aprovado pelas duas Casas.

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