POLÍTICA

Supremo questiona farra do Senado com empresas de telefonia

Articulação para entregar patrimônio público e perdoar dívidas bilionárias às teles foi denunciada pela oposição e bloqueada pelo STF
Por Gilson Camargo / Publicado em 26 de dezembro de 2016
Projeto que transfere patrimônio e perdoa dívidas das empresas, inclusive relativas a multas, foi aprovado na Comissão de Desenvolvimento Nacional (CEDN) sem votação no plenário do Senado

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Projeto que transfere patrimônio e perdoa dívidas das empresas, inclusive relativas a multas, foi aprovado na Comissão de Desenvolvimento Nacional (CEDN) sem votação no plenário do Senado

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu prazo de dez dias, a contar de 22 de dezembro, à advogada-geral da União, ministra Grace Maria Fernandes Mendonça, e ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), para que expliquem a tramitação do projeto que, ao propor a alteração da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), beneficia empresas privadas de telefonia com a transferência de patrimônio e a anistia de dívidas e multas em valores que podem totalizar mais de R$ 105 bilhões – mas que, avaliado todo o patrimônio e infraestrutura fornecidos pela União a essas empresas poderia superar R$ 200 bilhões.

O Projeto de Lei da Câmara 79/2016 dá posse definitiva às empresas Oi, Vivo, Claro, Algar e Sercomtel de bens pelo governo federal. Uma das principais alterações na LGT é a que permite a adaptação da modalidade de outorga do serviço de telefonia fixa de concessão para autorização, mediante solicitação da concessionária. Segundo a proposta aprovada rapidamente na Câmara e submetida a uma comissão especial do Senado sem passar pelo plenário, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vai deliberar sobre o pedido mediante o cumprimento de requisitos específicos, como a garantia da prestação de serviços em áreas sem concorrência e a continuidade dos contratos já assumidos.

Senadores Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM) e Paulo Rocha (PT/PA) denunciaram caso das teles ao STF

Foto: Beto Barata/ Agência Senado

Senadores Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM) e Paulo Rocha (PT/PA) denunciaram caso das teles ao STF

Foto: Beto Barata/ Agência Senado

As manobras da presidência do Senado para impedir que a proposta fosse submetida ao plenário foram denunciadas pelo senador Roberto Requião (PMDB/PR) e levaram os senadores Paulo Rocha (PT-PA) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) ao STF, onde foram recebidos pela presidente, ministra Carmen Lúcia. Os dois parlamentares reforçaram diante dela o pedido formulado na ação que busca reverter a decisão tomada pela Comissão de Desenvolvimento Nacional (CEDN) do Senado de transferir patrimônio e perdoar dívidas das empresas, inclusive relativas a multas.

As autuações aplicadas pela Anatel, estimadas em R$ 20 bilhões, referem-se ao não cumprimento de metas e à má prestação de serviços. O PLC 79/2016 passou pela Câmara sem alterações. No Senado, foi discutido e votado em uma única sessão na CEDN, depois de tramitar por menos de dez dias. Os senadores ingressaram no Supremo com um mandado de segurança para que o projeto da nova Lei Geral das Telecomunicações volte à discussão no Plenário do Senado. No recurso, os senadores Vanessa Grazziotin e Paulo Rocha argumentaram que a Mesa do Senado agiu “de forma deliberada a beneficiar as empresas de telefonia”.

No dia 19, a Secretaria-Geral rejeitou todos os recursos apresentados para levar ao plenário a decisão final sobre o projeto que altera as normas do setor de telecomunicações. Os recursos, que adiariam a sanção da proposta ao exigir que fosse votada em plenário na reabertura dos trabalhos legislativos em 2017, foram rejeitados por “irregularidades regimentais”, já que tinham assinaturas de três senadores e não nove como prevê o regimento.

Dois dias depois, Vanessa Grazziotin enviou um memorando à Secretaria Geral, apontando o que considerou irregularidade na tramitação do PLC 79. Argumentou que a Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional pautou a votação da matéria, que ocorreu em 6 de dezembro, antes de vencido o prazo regimental para apresentação de emendas. A matéria havia sido recebida na comissão no dia 30 de novembro. Assim, o prazo de cinco dias úteis para a apresentação de emendas terminaria dia 7 de dezembro. A senadora do PCdoB classificou a votação no dia 6 de “uma grave violação ao Regimento Interno da Casa”.

Requião: "Transformam uma concessão numa autorização e entregam R$ 100 bilhões de presente em patrimônio público. Perdoam multas… é um escândalo sem limite”

Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado

Requião: “Transformam uma concessão numa autorização e entregam R$ 100 bilhões de presente em patrimônio público. Perdoam multas… é um escândalo sem limite”

Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado

ESCÂNDALO – Ainda no dia 21 de dezembro, o senador Roberto Requião (PMDB-PR), um dos parlamentares que assinaram o mandado de segurança enviado ao Supremo, decidiu tornar público o escândalo e divulgou um vídeo em seu site. Na gravação, ele afirma que a matéria que entrega patrimônio público e perdoa dívidas bilionárias às teles “é uma coisa escandalosa” e que “passou de forma muito rápida na Câmara e para o Senado foi para uma comissão especial sem que os senadores sequer no plenário soubessem o que estava acontecendo”. “São R$ 100 bilhões doados para empresas que tinham a obrigação de prestar um bom serviço de telecomunicações e que por má-gestão, não sei por quê, estão praticamente falidas. Transformam uma concessão numa autorização e entregam R$ 100 bilhões de presente em patrimônio público. Perdoam multas… é um escândalo sem limite”. Requião registrou ainda a pressão que os senadores que assinaram os recursos no Senado sofreram para retirar suas assinaturas para que o projeto não fosse para plenário. “Me informam que a Casa Civil está ligando para senadores para retirar as assinaturas. Parece que tem uma quadrilha tentando roubar o Brasil. Temos que reagir e fica aqui a denúncia: é um caso de lesa-pátria. É uma coisa absolutamente incrível essa doação. É intolerável”.

Na quinta-feira, 22, os senadores de oposição se reuniram com a presidente do Supremo para pedir urgência no julgamento da ação liminar na qual os parlamentares pretendem suspender a tramitação do projeto que muda a Lei Geral de Telecomunicações. A matéria foi aprovada no dia 6 de dezembro na Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado. Antes de recorrer ao STF, os parlamentares protocolaram o mesmo recurso na Mesa Diretora do Senado. De acordo com Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), o texto deveria tramitar em pelos menos três comissões que envolvem a matéria e passar por votação no plenário. Para a senadora, o projeto de lei não foi levado ao plenário porque os defensores do texto “tiveram receio do debate para favorecer interesse de alguma empresa”.

O PROJETO – O PLC 79/2016 de autoria do deputado Daniel Vilela (PMDB-GO) tem o objetivo de estimular os investimentos em redes de suporte à banda larga, eliminar possíveis prejuízos à medida que se aproxima o término dos contratos e aumentar a segurança jurídica dos envolvidos no processo de prestação de serviços de telecomunicação. Os senadores, entretanto, pediam que a proposta passasse por mais debates antes de se tornar lei. A principal crítica é a entrega de boa parte da infraestrutura de telecomunicações do país ao setor privado, já que, ao fim das concessões, em 2025, as teles estarão dispensadas de devolver à União parte do patrimônio físico que vinham usando e administrando desde a privatização, incluindo cabos subterrâneos, fiações, torres, antenas. Outra crítica é à anistia de multas aplicadas às empresas do setor, ainda que elas estejam assumindo compromissos com novos investimentos. O Tribunal de Contas da União estima em mais de R$ 100 bilhões o rombo do projeto para os cofres públicos em valores referentes aos “bens reversíveis” que estão sob a gestão das empresas privadas e pertencem ao Estado, além das multas aplicadas às empresas do setor.

REPÚDIO – O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Associação Brasileira de Procons (Procons Brasil) e outras 18 organizações civis divulgaram nota de repúdio contra ato da Mesa Diretora do Senado, que rejeitou recursos parlamentares que exigiam votação do PLC 79/2016 em plenário, e denunciando as manobras da Casa para aprovação da matéria “sem o necessário debate público e sem a consideração de quem defende os direitos dos consumidores e a ampliação do acesso às telecomunicações no Brasil”. “Objetivamente, o risco mais grave para o consumidor é de ficar sem acesso às redes de internet fixa. Se as teles forem autorizadas a vender livremente o bem que hoje é do cidadão milhões de lares ficarão desconectados e a mercê de preço e qualidade ditados e manipulados pela iniciativa privada”, afirmou Elici Bueno, coordenadora executiva do Idec.

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