OPINIÃO

Holiday, o novo pupilo dos neoliberais

Por Moisés Mendes / Publicado em 10 de abril de 2017

Holiday, o novo pupilo dos neoliberais

Foto: André Bueno / CMSP

Foto: André Bueno / CMSP

O vereador paulistano Fernando Holiday é tudo que os neoliberais brasileiros sempre pediram, mas só ganharam há pouco tempo. Um pobre, negro e gay que pensa como os brancos conservadores que se consideram pregadores do liberalismo.

Holiday é o coordenador nacional do Movimento Brasil Livre, o temido MBL, que ajudou a mobilizar a direita nas ruas e atuou com intensidade nas eleições municipais (inclusive em Porto Alegre), e se elegeu para a Câmara de São Paulo pelo Democratas.

Tem apenas 20 anos e será a estrela do Fórum da Liberdade, o grande espetáculo dos ‘liberais’, que reúne em Porto Alegre a elite dos que pensam que não precisamos de Estado, de impostos, de Bolsa Família, de pré-sal, de FGTS (que agora será em grande parte dos bancos), de creches, de Previdência pública e de leis e justiça trabalhistas.

O mundo todo deveria ser privatizado, é o que eles pensam. Holiday pensa quase a mesma coisa. Mas se vê, olhando a página dele no Facebook, que o pensamento do vereador é o mais básico possível, até porque ainda é muito moço.

O Fórum da Liberdade vai ouvir um rapaz que fala mal das esquerdas, de Lula, dos professores, do PT, das cotas para negros na universidade, das políticas de afirmação das minorias, de secretarias dedicadas a estas minorias, de datas como o Dia da Consciência Negra, de qualquer gesto que, diz ele, possa significar excesso de proteção a negros e gays.

Foi contra a ocupação de escolas pelos estudantes. Há algumas semanas, deu batidas em colégios da periferia de São Paulo. Diz que foi saber o que os professores ensinam aos alunos. Holiday quer evitar que eles falem aos estudantes sobre comunismo, Cuba, Che Guevara.

O secretário de Educação, Alexandre Schneider, denunciou o vereador por invadir colégios e tentar intimidar os professores. O MBL de Holiday pediu ao tucano João Doria que demitisse Schneider. A direita mais atrevida, essa que se acha no direito de amedrontar professores, tem em Holiday um de seus grandes nomes.

Holiday é filho de um garçom e de uma auxiliar de enfermagem. Na sua cabeça neoliberal, negros, índios e pobres podem compartilhar espaços, demandas e sonhos em igualdade de condições com os brancos bem-nascidos. A família dele e a família de João Doria devem se orientar pelo que manda a meritocracia. Todos estariam sob as mesmas condições para conviver e competir.

Parece estranho, mas isso não é novo, mesmo que as perguntas se repitam: por que um negro pobre adota a retórica reacionária branca ‘liberal’ e passa a se comportar como se fosse um deles? Por que um gay rejeita políticas de afirmação e de respeito da diversidade?

Por que um sujeito como Holiday contraria tudo o que dizem os cientistas políticos, os sociólogos, os estudiosos da condição humana e se junta a um contingente com posições políticas que distorce a ideia de liberdade do liberalismo clássico e a submete aos seus interesses econômicos?

O primeiro escritor negro da América branca chamava-se Jupiter Hammon. Viveu nos Estados Unidos, de 1711 até o início do século 19. Sua obra foi marcada pela resignação ao escravismo. O céu, dizia ele, estava à espera dos escravos. Hammon só discordava dos seus algozes quando pregava que os mais jovens não deveriam ser escravos.

O Rio Grande do Sul teve, nos anos 70, um cacique kaingang chamado Alfaiate, da reserva da Guarita, em Tenente Portela, que se considerava pronto para competir de igual para igual no mundo capitalista. Eu o entrevistei certa vez para a Folha da Manhã, num Dia do Índio, quando cometi o erro de perguntar qual era o apelo que tinha a fazer ao governo.

Alfaiate rebateu, me olhando com cara de brabo da cabeça aos pés: “Se há aqui alguém que precisa fazer apelos e pedir algo é tu mesmo, olha bem pra ti e pras tuas roupas”.

Alfaiate morreu sem ouvir falar do liberalismo da Avenida Paulista que Holiday defende. Holiday, se ler o que escrevi, vai me definir como discriminador de um negro que subiu na vida sem ajudas. Ele condena vitimizações, mas já disse que críticos de suas ideias são apenas racistas.

Holiday é um aprendiz de populista (cortou em 50% os gastos de gabinete e dispensou o carro oficial) e pode ser também igual aos outros políticos (foi denunciado pelo Ministério Público por suspeita de caixa dois nas eleições, para pagamento de militantes de rua).

Fernando Silva Bispo, seu nome de registro, será mais adiante um Bolsonaro ou o nosso Trump negro? Por enquanto, ele é o queridinho dos liberais. É o pupilo da direita egoísta e altruísta do Fórum da Liberdade, que debate hoje e amanhã O Futuro da Democracia. Pobre democracia. Que século 21.

Moisés Mendes | Jornalista, autor do livro Todos querem ser Mujica – Crônica da Crise (Diadorim Editora, 154 páginas).

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