MOVIMENTO

Catadores não foram ouvidos

Contra ações de higienização da cidade, projeto adia por mais três anos a proibição dos carrinheiros que recolhem lixo reciclável das ruas da capital
Por Paola Oliveira / Publicado em 12 de maio de 2017

Eles não foram ouvidos

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

A Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou na quinta-feira, dia 11 de maio, o projeto de lei que amplia o direito de circulação dos catadores de materiais reciclados que usam carrinhos. O prazo vai até 2020. O projeto de lei do parlamentar Marcelo Sgarbossa (PT) que previa a prorrogação até 2022, porém, emenda proposta pelo vereador Reginaldo Pujol (DEM) reduziu em dois anos o texto original. A votação aconteceu em sessão ordinária e a emenda foi aprovada por unanimidade.

Apesar da vitória, Sgarbossa lembra que estes trabalhadores ainda não foram ouvidos e o tema não foi tratado com profundidade. “Nos próximos três anos, pode-se respirar, pensar em outras formas de execução e inclusão e, até mesmo, revogar parte da lei 10531 que proibe a circulação dos veículos de tração humana”.

Eles não foram ouvidos

Foto: Igor Sperotto

Sgarbossa é autor da Lei que dá mais três anos aos carrinheiros

Foto: Igor Sperotto

A Lei das Carroças, que impede a coleta de lixo reciclado pelos carrinheiros, quando foi redigida, não dialogou com estes trabalhadores e vai contra a Política Nacional de Resíduos Sólidos. No mês de abril, o tema retornou à Câmara de Vereadores de Porto Alegre e a comissão deu parecer favorável ao projeto de lei de Marcelo Sgarbossa (PT) que amplia o prazo do trabalho dos catadores para mais cinco anos. O resultado da votação ainda não é definitivo.

Em Porto Alegre uso de carrinhos na coleta de lixo seco está proibido desde 10 de março de 2017. Porém um dia antes de começar a vigorar a Lei, aconteceu uma marcha com mais de 500 pessoas que incluiu catadores, carrinheiros e galponeiros comunitários e foi feito um acordo, apenas na palavra, no qual a Prefeitura de Porto Alegre e a Câmara de Vereadores, não tomaria nenhuma atitude drástica, como a apreensão dos carrinhos.

Apesar do compromisso em não intervir, na quinta-feira, dia 13 de abril, um trabalhador credenciado em um condomínio foi multado e teve a carga apreendida. A ocorrência determinou uma reunião junto à Defensoria Pública que promoveu uma ação de anulação da multa, mas não conseguiu devolver a mercadoria ao catador.

Já no dia 20 de abril, aconteceu uma sessão conjunta na Câmara de Vereadores, na qual a comissão foi favorável ao novo parecer do Projeto de Lei do vereador Sgarbossa que propõe a prorrogação deste prazo por mais cinco anos. A proposta ainda não é definitiva e deve passar por várias sessões até que o projeto de lei seja aprovado.

A Lei das Carroças 10531 de Porto Alegre foi promulgada em setembro de 2008, dois anos antes da Política Nacional de Resíduos Sólidos que é de 2010. De autoria de Sebastião Mello (PMDB), a Lei 10531 começou a valer em 2016 e impõe a vedação à circulação de veículos com animais (VTAs) e de tração humana (VTHs). No ano passado, o vereador Sgarbossa já havia entrado com outro Projeto de Lei pedindo o adiamento por mais um ano. “O governo não aceitou a proposta, mas conseguimos um prazo de mais seis meses devido ao interesse social. Ela começou a vigorar em março de 2017”.

A discussão atual se restringe apenas à coleta com tração humana. A política nacional reconhece o trabalho no catador como um bem econômico de valor social e a geração de renda dos excluídos. Já a Lei das Carroças proíbe e terceiriza a coleta além de vedar a profissão de catadores. Porém, o ofício de catador foi reconhecido na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) em 09 de outubro de 2002, pelo código 5192-05 e defende a organização de forma autônoma em cooperativas ou/e associações.

 Sem carrinho, sem trabalho

Eles não foram ouvidos

Foto: Igor Sperotto

Paulo Guarnieri, assessor parlamentar

Foto: Igor Sperotto

Para Sgarbossa há um plano de higienização da cidade. “A ideia é tirar as pessoas pobres das ruas da cidade, principalmente na região central. Também uma parte da opinião pública reclama que eles atrapalham o trânsito, mas eles prestam um serviço essencial que nenhuma empresa consegue fazer com tanto know-how. Há catadores conhecidos em prédios comerciais e residências que recolhem o lixo seco diretamente. A prefeitura em vez de proibir, deveria apoiar a contratação deste trabalho conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos”, lembra.

Segundo o assessor parlamentar de Sgarbossa, Paulo Guarnieri, a Lei retira a principal fonte destes catadores. “Sem o carrinho, ele não consegue catar e transportar o volume necessário para sustento da família. Obriga a todos que querem trabalhar com resíduos à atividade que menos remunera que é a triagem, a coleta paga bem”, relata. É preciso evoluir esta Lei, conforme a realidade destes trabalhadores, pois muitos cresceram nesta atividade, envolve famílias inteiras e a mudança drástica na cultura destas pessoas pode excluir os que já estão incluídos e organizados gerando um caos social.

Programa atinge menos de 10% dos trabalhadores

Programa atinge menos de 10% dos trabalhadores Conforme o Estudo e Perfil Socioeducacional da População de Catadores de 2009, estima-se que haja sete mil trabalhadores em Porto Alegre. A Fundação Solidariedade apresentou um relatório final, em dezembro de 2016, na qual foi realizada uma pesquisa conduzida pela equipe do Busca Ativa. Foram e tem três objetivos: a inserção produtiva de catadores e seus familiares, o fortalecimento das unidades de triagem e a educação ambiental. No Busca Ativa foram encaminhadas 1.033 pessoas e apenas 632 conseguiram concluir cursos e direcionados a novos trabalhos. O programa atingiu menos de 10% destes trabalhadores na nova atividade e não identificou nem a metade em oito anos do projeto de lei. Busca Ativa é realizado pelas prefeituras e incentivada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), já o programa Todos Somos Porto Alegre é uma iniciativa da Prefeitura de Porto Alegre. Guarnierri lembra que o perfil deles resiste ao método proposto. “Eles não se adéquam à autoridade. Eles fazem seus horários, muitos são analfabetos que apenas assinam o nome, idosos estão inseridos e há a parcela mais problemática, alcoólatras, dependentes químicos e egressos do sistema prisional”. A proibição do trânsito de carrinheiros não analisou de forma mais ampla a questão sociológica destes trabalhadores. Para a Promotora de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre, Annelise Monteiro Steigleder a política é bem errática nesta matéria. “O plano municipal não conseguiu contabilizar essa população e não aferiu como ela participa da coleta de resíduos. A lei de 2008 não foi precedida de um dado empírico e de um estudo idôneo. A premissa foi a proibição, não se conhece o público alvo e suas características socioeconômicas. A população continua desassistida e desconhecida mesmo com a capacitação do programa Todos Somos Porto Alegre”, relata. Para Scarbossa o grande erro da lei é que os trabalhadores não foram ouvidos e por isso não funcionou. “Há um atraso no plano pois não conseguiu nem cadastrar as pessoas. É muito complexa a realidade social destes trabalhadores. Por exemplo, o projeto tem uma bolsa auxílio que é menor do que eles ganham na rua, há curso de recepção em hotel, mas a pessoa tem problema de dentição e é analfabeta. Ela faz o curso, mas quem garante que vai entrar para o mercado de trabalho? ” Por uma legislação mais justa Durante o mês de abril aconteceram reuniões com os principais representantes dos catadores e entidades que apoiam a atividade. Eles redigiram uma carta ao Ministério Público, Ministério do Trabalho e Defensoria Pública que foi entregue no dia 11. Nela pedem que Porto Alegre acate a Política Nacional de Resíduos Sólidos e que os catadores sejam respeitados como uma categoria profissional. Para assessora programática da Fundação Luterana de Diaconia, Angelique Van Zeeland, que acompanha as ações de 24 cooperativas catadoras, a perspectiva é que a lei seja prorrogada ou revogada e que os catadores possam realizar seu trabalho. É preciso que se implemente a coleta seletiva solidária conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Segundo a promotora Annelise, a proibição imediata desta atividade laboral pode tornar essas pessoas mais vulneráveis. “A posição do Ministério Público é que a Prefeitura permita a atividade deste trabalho e reformule amplamente uma política para essa população”. O primeiro passo para uma legislação é ouvi-los e identificá-los, para que assim se possa interferir e incentivar essas pessoas. “A proibição me parece inadequada. É injusta, míope e não percebe a questão global. É preciso olhar o todo e as suas peculiaridades”, conclui Annelise. Vozes das lideranças Alex faz parte da Cooperativa dos Catadores da Cavalhada e do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. Oriundo da Vila Cai Cai, começou a trabalhar ainda criança com sua mãe e avó. Ele é um dos líderes desta luta. Conta que os catadores são organizados, têm roteiros definidos, falam com a comunidade e destinam de forma adequada os resíduos. “A melhor tecnologia é a humana. Se o catador estiver uniformizado, com equipamentos adequados e credenciado a solução para este empasse está resolvida. Lixo não é o mal da sociedade, o problema é que muitas pessoas apenas querem que tirem o lixo da sua frente e não importa a forma. Estamos gastando muito com isso e excluindo cada vez mais as pessoas deste processo”. José Pedro Soares não faz parte de numa associação, se denomina independente, mas sempre participa das reuniões. Tem cinco filhos, quatro trabalham com material reciclado. Para ele, se a lei for aprovada muita gente vai passar fome e são famílias inteiras. “Não existe uma pessoa perder um emprego e logo achar outro”. Ele relata como exemplo as ilhas do Pavão e Marinheiros nas quais os catadores estão nesta situação. “Eles se mantêm através de doações, pois não podem mais atravessar a ponte e ficaram isolados. Estão na mão de um atravessador que distribui o lixo para eles. A resposta a essa proibição são os assaltos sobre a ponte do Guaíba”. Ele lembra ainda que nos containers há muito lixo misturado e está tudo indo para os aterros sanitários. “Falta consciência de quem produz o lixo e de quem faz a política pública do município”, conclui.

Foto: Igor Sperotto

Unidade de triagem da Cooperativa dos Catadores da Cavalhada

Foto: Igor Sperotto

Conforme o Estudo e Perfil Socioeducacional da População de Catadores de 2009, estima-se que haja sete mil trabalhadores em Porto Alegre. A Fundação Solidariedade apresentou um relatório final, em dezembro de 2016, na qual foi realizada uma pesquisa conduzida pela equipe do Busca Ativa. Foram identificados 2352 trabalhadores até junho de 2016. O projeto tem três objetivos: a inserção produtiva de catadores e seus familiares, o fortalecimento das unidades de triagem e a educação ambiental.

No Busca Ativa foram encaminhadas 1.033 pessoas e apenas 632 conseguiram concluir cursos e direcionados a novos trabalhos. O programa atingiu menos de 10% destes trabalhadores na nova atividade e não identificou nem a metade em oito anos do projeto de lei. Busca Ativa é realizado pelas prefeituras e incentivada  pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), já o programa Todos Somos Porto Alegre é uma iniciativa da Prefeitura de Porto Alegre.

Guarnieri lembra que o perfil deles resiste ao método proposto. “Eles não se adéquam à autoridade. Eles fazem seus horários, muitos são analfabetos que apenas assinam o nome, idosos estão inseridos e há a parcela mais problemática, alcoólatras, dependentes químicos e egressos do sistema prisional”.

Eles não foram ouvidos

Foto: Igor Sperotto

Annelise Monteiro Steigleder, promotora de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre

Foto: Igor Sperotto

A proibição do trânsito de carrinheiros não analisou de forma mais ampla a questão sociológica destes trabalhadores. Para a Promotora de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre, Annelise Monteiro Steigleder a política é bem errática nesta matéria. “O plano municipal não conseguiu contabilizar essa população e não aferiu como ela participa da coleta de resíduos. A lei de 2008 não foi precedida de um dado empírico e de um estudo idôneo. A premissa foi a proibição, não se conhece o público alvo e suas características socioeconômicas. A população continua desassistida e desconhecida mesmo com a capacitação do programa Todos Somos Porto Alegre”, relata.

Para Sgarbossa o grande erro da lei é que os trabalhadores não foram ouvidos e por isso não funcionou. “Há um atraso no plano pois não conseguiu nem cadastrar as pessoas. É muito complexa a realidade social destes trabalhadores. Por exemplo, o projeto tem uma bolsa auxílio que é menor do que eles ganham na rua, há curso de recepção em hotel, mas a pessoa tem problema de dentição e é analfabeta.  Ela faz o curso, mas quem garante que vai entrar para o mercado de trabalho? ”

Por uma legislação mais justa

Durante o mês de abril aconteceram reuniões com os principais representantes dos catadores e entidades que apoiam a atividade. Eles redigiram uma carta ao Ministério Público, Ministério do Trabalho e Defensoria Pública que foi entregue no dia 11. Nela pedem que Porto Alegre acate a Política Nacional de Resíduos Sólidos e que os catadores sejam respeitados como uma categoria profissional.

Para assessora programática da Fundação Luterana de Diaconia, Angelique Van Zeeland, que acompanha as ações de 24 cooperativas catadoras, a perspectiva é que a lei seja prorrogada ou revogada e que os catadores possam realizar seu trabalho. É preciso que se implemente a coleta seletiva solidária conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Segundo a promotora Annelise, a proibição imediata desta atividade laboral pode tornar essas pessoas mais vulneráveis. “A posição do Ministério Público é que a Prefeitura permita a atividade deste trabalho e reformule amplamente uma política para essa população”. O primeiro passo para uma legislação é ouvi-los e identificá-los, para que assim se possa interferir e incentivar essas pessoas. “A proibição me parece inadequada. É injusta, míope e não percebe a questão global. É preciso olhar o todo e as suas peculiaridades”, conclui Annelise.

Vozes das lideranças

Eles não foram ouvidos

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Alex faz parte da Cooperativa dos Catadores da Cavalhada e do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis

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Alex faz parte da Cooperativa dos Catadores da Cavalhada e do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. Oriundo da Vila Cai Cai, começou a trabalhar ainda criança com sua mãe e avó. Ele é um dos líderes desta luta. Conta que os catadores são organizados, têm roteiros definidos, falam com a comunidade e destinam de forma adequada os resíduos. “A melhor tecnologia é a humana. Se o catador estiver uniformizado, com equipamentos adequados e credenciado a solução para este empasse está resolvida. Lixo não é o mal da sociedade, o problema é que muitas pessoas apenas querem que tirem o lixo da sua frente e não importa a forma.  Estamos gastando muito com isso e excluindo cada vez mais as pessoas deste processo”.

José Pedro Soares não faz parte de nenhuma associação, se denomina independente, mas sempre participa das reuniões. Tem cinco filhos, quatro trabalham com material reciclado. Para ele, se a lei for aprovada muita gente vai passar fome e são famílias inteiras. “Não existe uma pessoa perder um emprego e logo achar outro”. Ele relata como exemplo as ilhas do Pavão e Marinheiros nas quais os catadores estão nesta situação. “Eles se mantêm através de doações, pois não podem mais atravessar a ponte e ficaram isolados. Estão na mão de um atravessador que distribui o lixo para eles. A resposta a essa proibição são os assaltos sobre a ponte do Guaíba”. Ele lembra ainda que nos containers há muito lixo misturado e está tudo indo para os aterros sanitários. “Falta consciência de quem produz o lixo e de quem faz a política pública do município”, conclui.

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