OPINIÃO

O MEC piora a educação e culpa professores

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 6 de novembro de 2017

Brasília- DF 16-06-2016 Presidente interino, Michel Temer e o ministro da educação, Mendonça filho anunciando prorrogação do FIES. Foto Lula Marques/Agência PT

Foto: Lula Marques/Agência PT

Foto: Lula Marques/Agência PT

A política de formação de professores anunciada pelo MEC em 18 de outubro passado parte de uma velha e falsa premissa: o problema da educação brasileira é a má formação de professores. Ela ignora o déficit histórico educacional brasileiro, a falta de investimentos em educação, de condições adequadas de trabalho e de estudo dos docentes e discentes, de plano de carreira, de salários compatíveis com a complexidade da função e a desvalorização social da profissão docente.

Na história brasileira, os sucessivos (des)governos, ao invés de pensar o Brasil e propor um projeto de educação correspondente (enquanto projeto de Estado e de Sociedade), deslocam o foco com propostas de reformar instituições, cursos, currículos e modelos de formação de professores. A atual gestão do MEC consegue fazer mais do mesmo e, ainda, piorar. Incapaz de dar prosseguimento as metas do PNE em vigor, destrói as políticas vigentes – ao invés de aperfeiçoá-las -, e propõe promessas de reformas, tanto para o ensino médio como para a formação de professores, que dependem da BNCC, que sequer possui texto básico para discussão. São propostas que só poderão entrar em vigor, na melhor das hipóteses, a partir de 2019, capitaneadas por um governo que acaba em 2018. Na verdade, este governo já acabou de fato.

A política de formação de professores proposta começa sua formulação com outro grave equívoco de método e de conteúdo: não dialoga e nem escuta os professores. Essa ausência de diálogo, inadmissível na educação, não apenas deslegitima a proposta junto aos professores, pesquisadores e suas entidades representativas, como determinou uma reação imediata de respeitadas instituições acadêmicas. Elas manifestaram-se fortemente contra a proposta, a ponto de denunciarem que “tal política tem como propósito subjacente escamotear a ausência de ações concretas do Executivo Federal para assegurar as condições materiais necessárias à formação desses profissionais, sobretudo desviar a atenção da sociedade sobre o contingenciamento dos recursos públicos destinados à educação pública, o que prejudica quaisquer políticas de formação, favorecendo a ação dos poderosos grupos privatistas nacionais e internacionais que aumentam seus lucros no mercado educacional” (ANFOPE, ANPAE, ANPEd, CEDES, FINEDUCA< FORUMDIR, ABdC).

Quanto ao conteúdo, a Política Nacional de Formação de Professores estabelece como fundamento uma Base Nacional de Formação Docente ainda em construção, que norteará o currículo de formação de professores. Como linhas de ação para a Formação Inicial, o MEC apresenta: a criação do Programa de Residência Pedagógica, com previsão de 80.000 bolsas; a oferta de 250 mil vagas na Universidade Aberta do Brasil; e, a oferta de 20 mil vagas ociosas do Prouni para cursos de primeira e segunda Licenciatura. Quanto à Formação Continuada, mantém a oferta de programas no âmbito do Ministério, propõe a criação de uma plataforma de formação continuada bem como enfatiza a abertura de novos mestrados profissionais e cursos de especialização para atender aos estados e municípios. Ou seja, estratégias e ações tímidas, aquém do que está planejado no PNE atual e que é lei.

Para especialistas em educação, como Antonio Nóvoa, a agenda de formação de professores incorre em um erro central: muito se diz sobre o que os professores têm que ter ou fazer e quase nada “como que eu me formo como profissional, encontrando a minha própria maneira de ser professor, em conjunto com outros profissionais, pesquisando e agindo no campo institucional da escola, sem nunca exercer o exercício público da minha profissão?”.

A formação de professores deve garantir, segundo o ex-reitor da Universidade de Lisboa: 1) espaços e tempos para um trabalho de autoconhecimento, de autorreflexão, de maneira que os professores partam de suas histórias pessoais, de vida, de sua subjetividade para, então, formatar a sua identidade profissional; 2) processos de composição pedagógica, que permitam aos professores fazerem diferentes elaborações e encontrarem seus próprios modos docentes, com autonomia e conhecimento profissional; 3) socialização e  colaboração entre os pares, através de comunidades práticas de aprendizagem; 4) espaço na escola, firmando  a sua posição profissional e participando do projeto educativo da instituição, a partir de uma postura ativa, criadora e transformadora e, 5) reconhecimento da importância da atuação  dos professores em espaços além da escola, como na  comunidade e nos espaços públicos da educação. Atualmente, escuta-se mais administradores, jornalistas, economistas e formadores de opinião encomendados do que os próprios professores formados nas suas respectivas áreas de conhecimento.

Na presente proposta do MEC, os professores, destinatários da proposta de formação, foram ignorados. Entidades científicas e educacionais manifestaram repúdio veemente e contrariedade na forma e no mérito. Docentes e representantes de universidades públicas e comunitárias, participantes do evento da AESUFOPE, no dia 30 outubro na PUC/RS, manifestaram profunda preocupação com extinção de programas vigentes e insegurança com a “nova” política de formação anunciada. Sequer a continuidade do PIBID está assegurada. A “Residência Pedagógica”, a partir do segundo ano da graduação, é uma porta aberta para estados em crise financeira utilizarem estudantes como professores, como já o fazem com contratos emergenciais e temporários.

Uma política nacional de formação de professores que não se pronuncia sobre a precária infraestrutura de trabalho nas escolas, a dupla ou tripla jornada de trabalho com o exercício da docência em duas ou três instituições, a violência nas escolas, o não pagamento do Piso Salarial Profissional Nacional em vários Estados, o atraso e parcelamento de salários dos educadores, não merece consideração, crédito e nem apoio da sociedade.

As atitudes da professora Herley Abreu Batista, em Janaúba (MG), que perdeu sua vida salvando seus alunos, bem como da coordenadora Simone Maulaz Elteto, de Goiânia, que arriscou-se para desarmar o adolescente com a arma em mãos, demonstram que ser professor não é apenas uma questão de competência e habilidades em mobilizar conhecimentos, mas compromisso, sensibilidade e sabedoria em situações de relação humana. Para ser professor não basta conhecer as disciplinas, mais pedagogia ou metodologias ativas. É preciso desenvolver e trabalhar um saber que se encontra no patrimônio da profissão e que deve ser valorizado pelas políticas de formação de professores.

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