JUSTIÇA

Execução de Marielle Franco: medo e indignação

O assassinato a tiros da vereadora e ativista de direitos humanos e do movimento negro Marielle Franco confronta a intervenção militar no Rio
Por Gilson Camargo* / Publicado em 15 de março de 2018
Vereadora e ativista de direitos humanos e do movimento negro, Marielle foi executada a tiros em uma emboscada no Rio, após denunciar ações violentas da PM contra moradores das favelas

Vereadora e ativista de direitos humanos e do movimento negro, Marielle foi executada a tiros em uma emboscada no Rio, após denunciar ações violentas da PM contra moradores das favelas

Foto: Mídia Ninja

Os assassinatos a tiros da vereadora Marielle Franco (PSol/RS), 38 anos, e do motorista da parlamentar Anderson Pedro Gomes, 39 anos, na noite de quarta-feira, 14, no Rio de Janeiro, disseminaram medo e indignação pelo seu contexto de crime político contra uma ativista de direitos humanos em um momento de flagrantes violações das garantias individuais e de afronta à Constituição no país. E elevaram a pressão sobre o interventor federal no estado, general Walter Souza Braga Netto.

As execuções desencadearam protestos desde o início da manhã no Rio de Janeiro e são organizados atos e manifestações a partir do final da tarde desta quinta-feira no Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Brasília, Salvador, Belém, Curitiba e Florianópolis. Pelas redes sociais, estão confirmadas mobilizações no Chile, Argentina, EUA, França e Portugal. O movimento exige investigação rigorosa por sua forte conotação política e por ter ocorrido em plena intervenção, colocando em xeque a ideia de que os militares seriam capazes de fazer funcionar as instituições policiais e enfrentar a impunidade do crime organizado, das milícias e de setores corrompidos das próprias polícias.

Uma imagem com a frase “não foi assalto” se disseminou rapidamente nas redes sociais momentos após o crime. “Não há dúvidas de que esse crime mostra que o circuito da violência no Rio de Janeiro está convicto de sua impunidade”, afirma Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Eles acreditam que haverá impunidade mesmo assassinando uma pessoa de tanta visibilidade como a Marielle”, alerta. “O tráfico não opera da forma como Marielle foi executada”, afirmou o delegado Orlando Zaccone, membro do coletivo “Policiais Antifascismo”, em entrevistas durante o Fórum Social Mundial, na Bahia.

Em Porto Alegre, a manifestação começou no final da tarde na Esquina Democrática. Em torno das  19h já eram mais de 2 mil pessoas. A comoção era geral e o grito único: Marielle, presente! O ato foi seguido de caminhada até o Largo Zumbi dos Palmares, no bairro Cidade Baixa.

Denúncia e execução

Quatro dias antes de ser assassinada, a parlamentar denunciou em uma rede social ações violentas da polícia militar contra moradores das periferias. “Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari nesse momento. O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. Nessa semana dois jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior”. Em 28 de fevereiro, ela havia sido designada relatora da comissão da Câmara de Vereadores do Rio destinada a acompanhar a intervenção federal.

O crime ocorreu por volta das 21h30min de quarta-feira, na rua Joaquim Palhares, no Estácio, centro do Rio. O carro da vereadora – ela ia para casa no bairro da Tijuca, zona norte, após mediar o debate Jovens Negras Movendo as Estruturas, na Lapa – foi abalroado pelos criminosos que dispararam ao menos nove tiros contra os ocupantes – a vereadora, que estava no banco de trás, o motorista e uma assessora que sobreviveu.

Socióloga pela PUC-Rio, Marielle fez mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com foco nas UPPs. Coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), ao lado do deputado Marcelo Freixo. Conforme lembrou durante o evento com outras mulheres negras na noite em que foi assassinada, ela abraçou a militância em direitos humanos após ingressar no pré-vestibular comunitário.

Imprensa internacional destaca evidências de crime político

A cobertura do assassinato da vereadora e ativista de direitos humanos Marielle Franco por veículos estrangeiros procura dissociar o crime da onda de violência do Rio, apontando para as características de execução relacionada ao seu ativismo político.

“A onda de violência que sacode o Rio de Janeiro subiu mais um degrau”, destacou o periódico espanhol El País ao abordar a comoção no Brasil pela morte da vereadora. Tanto os companheiros de Marielle quanto a polícia não duvidam de que o crime se trata de uma execução, afirmou o jornal. “Inclusive em uma cidade tão acostumada com a violência, como o Rio, o crime provocou uma forte comoção, já que apresentou características inéditas até agora. Apesar de os mortos serem contados diariamente, são na maioria das vezes produto de enfrentamentos entre a polícia ou entre grupos de traficantes que disputam territórios, e que muitas vezes acabam com a vida de vizinhos como vítimas colaterais. O caso de Marielle foi diferente”.

O também espanhol El Mundo refere-se a Marielle como uma das vozes mais críticas contra a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, que ocorre desde meados de fevereiro e reproduziu uma mensagem premonitória que a parlamentar publicou no twitter na terça-feira: “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”

Em sua manchete on-line, o inglês The Guardian reafirma as características de crime político: “Marielle Franco, vereadora e crítica política, executada em assassinato encomendado no Rio”. Ao destacar os protestos organizados em todo o Brasil, o jornal anotou que “Marielle Franco foi uma política inovadora, que se tornou uma voz para as pessoas desfavorecidas nas pequenas favelas, que são o lar de quase um quarto da população do Rio de Janeiro, onde a pobreza, a brutalidade policial e os tiroteios com traficantes de drogas são rotineiros”.

“O assassinato de uma vereadora de esquerda suscitou grande comoção no Brasil”, destacou o francês Le Figaro, lembrando que Marielle “se opôs à decisão do presidente brasileiro Michel Temer de confiar a segurança do Rio ao Exército para tentar conter a escalada de violência que vem aumentando desde o final das Olimpíadas de 2016”. Em Portugal, o jornal Público abordou mostrou a repercussão do crime que foi levado ao Parlamento Europeu pelo eurodeputado português Francisco Assis, do Partido Socialista. Em nota, ele questiona a alta representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Federica Mogherini, sobre “como pretende a União Europeia influenciar as autoridades brasileiras para que este chocante assassínio seja investigado até às últimas consequências”, e “para que seja garantida a segurança das populações e dos ativistas que pugnam pelos direitos humanos”.

ONU – A Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil manifestou consternação com o assassinato da vereadora. Em nota, a entidade afirma que aguarda rigor na investigação do caso e breve elucidação, com responsabilização pela autoria do crime. “Quinta vereadora mais votada nas eleições municipais de 2016, Marielle era um dos marcos da renovação da participação política das mulheres, diferenciando-se pelo caráter progressista em assuntos sociais no contexto da responsabilidade do Poder Legislativo local”, ressalta a mensagem da ONU.

A Universidade Federal do Rio de Janeiro manifestou em nota que “o brutal e covarde assassinato de Marielle Franco e Anderson Pedro Gomes nos provoca profunda consternação, tristeza e indignação” e alertou que a vereadora vinha denunciando a violência das operações policiais contra moradores pobres, negros e expropriados nas favelas e era relatora da comissão responsável, na Câmara de Vereadores, por acompanhar a intervenção federal e militar no Rio. “O teor político desses brutais extermínios é parte obrigatória das circunstâncias, exigindo que a apuração alcance os reais mandantes do crime”.

*Com agências.

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