AMBIENTE

Jardim Botânico pode ser reduzido a mero parque

A extinção de fundações públicas que o governo do estado pretende concluir em abril compromete atividades de uma das maiores reservas de biodiversidade do país
Por Cleber Dioni Tentardini / Publicado em 5 de março de 2018
Demissão de pessoal por conta do processo de extinção da Fundação Zoobotânica ameaça função original do Jardim Botânico, que é a garantia da integridade do patrimônio genético e a conservação da biodiversidade

Foto: Sergio Bavaresco/ FZB Divulgação

Demissão de pessoal por conta do processo de extinção da Fundação Zoobotânica ameaça função original do Jardim Botânico, que é a garantia da integridade do patrimônio genético e a conservação da biodiversidade

Foto: Sergio Bavaresco/ FZB Divulgação

Uma das cinco mais diversificadas e bem geridas reservas de biodiversidade da flora brasileira está ameaçada. Na lista de oito fundações públicas incluídas no pacote de extinção que o governo do estado pretende concluir até meados de abril, quase um ano após o projeto ter sido sancionado pelos deputados, o Jardim Botânico de Porto Alegre já está com suas atividades comprometidas por conta do esvaziamento do quadro de servidores.

Sem explicar como seria mantido o trabalho em setores estratégicos como laboratório e banco de sementes, nem atividades vitais como a educação ambiental e o manejo e pesquisa nas coleções científicas de árvores e plantas, o governo está demitindo e transferindo servidores no Jardim Botânico e no Museu de Ciências Naturais, vinculados à Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul.

Os funcionários mais antigos, que ingressaram na Fundação Zoobotânica sem concurso já foram afastados. Os demais, que têm seus empregos assegurados por ações na Justiça do Trabalho, estão sendo transferidos para a Secretaria do Meio Ambiente (Sema) com a ressalva de “exercício provisório do empregado até 17 de abril de 2018”. Caso a Procuradoria-Geral do Estado derrube as liminares, a maioria dos servidores, que o governo considera não-estável, será demitida.

Sem estrutura para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa, o Jardim Botânico pode estar condenado a se transformar em mero parque, sem cumprir sua função original estabelecida na Constituição, que é a garantia da integridade do patrimônio genético e a conservação da biodiversidade.

Patrimônio genético pode desaparecer, alerta o engenheiro florestal Leandro Dal Ri

Foto: Cleber Dioni Tentardini

Patrimônio genético pode desaparecer, alerta o engenheiro florestal Leandro Dal Ri

Foto: Cleber Dioni Tentardini

“Aqui realizamos análise fisiológica e morfológica de sementes de espécies arbóreas e arbustivas nativas do estado. Colocamos toda a coleção científica de sementes em planilhas, organizamos a lista das espécies que estão reservadas para troca com outras instituições de pesquisa e para fins educacionais. Começamos a catalogar, organizar, está em pleno funcionamento. Agora, sem pesquisadores, perderemos a possibilidade de análise dos dados acumulados e estaremos sem um dos critérios estruturais básicos para manter a categoria A de Jardim Botânico no Brasil: possuir um banco de sementes ativo”, alerta o engenheiro florestal Leandro Dal Ri, servidor de carreira da FZB e pesquisador do Jardim Botânico desde 2014.

“Em tempos de domínio do agronegócio e de avanço do cultivo de espécies transgênicas, quem detém a produção de sementes, detém poder”, adverte Dal Ri. “Quem tem o domínio da produção de sementes hoje? A Monsanto. Os agricultores estão atrelados à compra das sementes e a sua tecnologia”, constata.

“Os prejuízos serão irreparáveis para a conservação da biodiversidade no estado”, projeta Andréia Carneiro, uma das quatro biólogas responsáveis pela curadoria das coleções de plantas da reserva. Segundo ela, sem especialistas, técnicos e jardineiros suficientes, não há como fazer a manutenção do Jardim Botânico.

O presidente da Zoobotânica, Luiz Fernando Branco, não quis se manifestar. A secretária de Meio Ambiente Ana Pellini e sua adjunta, Patrícia Mollmann, de acordo com a assessoria, estão em viagem a Maceió e à Holanda, e devem retornar em 17 de março. Segundo informações da Sema, com o processo de extinção, ao todo serão transferidos 136 servidores da Fundação Zoobotânica e também será criado o Departamento de Projetos e Pesquisas para gerir o Museu de Ciências Naturais e o Jardim Botânico.

A última manifestação da titular da Sema sobre a extinção da Fundação  Zoobotânica ocorreu durante protesto de ambientalistas e estudantes universitários, na frente do prédio da Secretaria, em 19 de fevereiro. Ela declarou a uma comissão de manifestantes que o governo não iria voltar atrás com a extinção da FZB, assim como a de outras fundações estaduais. “Somente a Justiça pode reverter a situação”, advertiu.

Foto: Cleber Dioni Tentardini

Muda de árvore Pau Ferro, ameaçada de extinção. Muito usada para fazer dormentes para trilhos.

Foto: Cleber Dioni Tentardini

As 27 coleções que compõem o acervo somam 4.344 exemplares, incluindo espécies ameaçadas, raras e endêmicas (que ocorrem somente no estado), além de coleções especiais, representativas da flora nativa. Há 2.250 espécimes arbóreas, mais de 750 espécimes de orquídeas e mais de 620 de bromélias. Dentre essas variedades, estão preservadas 97 espécies ameaçadas de extinção entre bromélias, cactos, orquídeas, espinilhos, araucárias, entre outras.

LIMINAR – A precarização do trabalho no Jardim Botânico pode ser uma afronta à decisão em caráter liminar proferida pelo juiz Eugênio Couto Terra, que no ano passado julgou favorável uma ação do Ministério Público Estadual. Em seu despacho, Terra determinou ao governo “manter todas as atividades e serviços de relevância ambiental, paisagística, cultural e científica, detentores de proteção legal decorrentes de sua caracterização como bens coletivos típicos e que são de interesse público; e manter a classificação A do Jardim Botânico de Porto Alegre… ”.

A liminar foi solicitada em Ação Civil Pública da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre a fim de impedir que o governo se desfaça de qualquer bem, móvel, imóvel e de animais que constituem o patrimônio material e imaterial do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais. Proíbe ainda a rescisão de acordos ou contratos que impliquem as atividades de educação ambiental, preservação dos acervos ou pesquisa científica, e impede o desmembramento ou fracionamento da matrícula do imóvel do Jardim Botânico.

A promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Ana Maria Marchesan, lembra que a liminar, aceita em parte pelo juiz, requer que o estado apresente em juízo um plano para a extinção da FZB que garanta a continuidade e a mesma qualificação de todos os serviços e atividades do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais. “Esse museu vivo, com um patrimônio público inalienável, não privatizável, indivisível, exige o máximo zelo dos gestores públicos na sua preservação para as gerações presentes e futuras”, destacou a promotora.

SEMENTES – Com o esvaziamento do quadro de servidores, o Banco de Sementes do Jardim Botânico conta atualmente com três profissionais. Eles são responsáveis pela coleta, pesquisa, germinação e conservação de sementes e a produção de mudas de dezenas de espécies arbóreas e palmeiras nativas, inclusive as ameaçadas de extinção, banco de sementes. Ali, são realizados diversos experimentos, como os que determinam a capacidade de germinação em diferentes condições de temperatura e umidade. Todas as mudas aproveitáveis, resultantes dos experimentos, são colocadas à venda. De acordo com balanço de dezembro de 2017, havia 99 lotes de sementes, de 69 espécies armazenadas, sendo que nove espécies estão na lista “vermelha”, de 2014, das ameaçadas.

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