POLÍTICA

Acordo comercial entrega Base de Alcântara aos EUA

Estação de lançamento de satélites na Amazônia será tema de encontro entre o vice de Trump, Mike Pence, que está em visita oficial ao Brasil, e o governo brasileiro
Por Gilson Camargo* / Publicado em 26 de junho de 2018
O primeiro foguete brasileiro com propulsor a etanol foi lançado em 2014 no Centro de Lançamento de Alcântara

Foto: Aeronáutica/ Divulgação

O primeiro foguete brasileiro com propulsor a etanol foi lançado em 2014 no Centro de Lançamento de Alcântara

Foto: Aeronáutica/ Divulgação

As negociações para um acordo comercial entre os governos brasileiro e norte-americano, para a construção de estruturas de lançamento de foguetes espaciais dos EUA na Base de Alcântara, no Maranhão, devem ter pouca visibilidade na agenda de Michel Temer (MDB) com o vice de Trump, Mike Pence, que está em visita oficial ao Brasil nesta terça-feira, 26. Alcântara desperta interesse em razão da localização, na linha do Equador, que permite lançar satélites com economia de carga.

O acordo aparece na agenda do Itamaraty e até prevê uma “visita estratégica” de Pence à Amazônia, mas perde visibilidade diante da questão da violação de direitos humanos de imigrantes pelo governo norte-americano, o apoio do governo brasileiro à posição dos EUA de combate ao governo de Nicolás Maduro, da Venezuela, entre outros assuntos; e pode até ser tratado a portas fechadas devido à polêmica envolvendo a perda de soberania brasileira sobre a estação – que tem caráter estratégico para as áreas de defesa e tecnologia e é fundamental para o desenvolvimento tecnológico espacial no lançamento de foguetes.

Temer recebe o vice-presidente dos EUA, Mike Pence no Palácio do Planalto. Encontro prevê "visita estratégica" a Alcântara

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Temer recebe o vice-presidente dos EUA, Mike Pence no Palácio do Planalto. Encontro prevê “visita estratégica” a Alcântara

Foto: José Cruz/Agência Brasil

As tratativas sobre o acordo, que entrega da Base de Alcântara para os EUA, serão conduzidas pelo chanceler Aloysio Nunes (PSDB), que enfrenta a pressão de parlamentares de oposição. Membro do Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) admite que o país deve avançar nas tratativas comerciais, mas alerta que é preciso aprofundar o debate sobre a garantia de preservação da soberania. “A utilização comercial da Base de Alcântara é um projeto que o Brasil deve estudar, analisar e desenvolver. Tem potencial para nos dar retorno econômico muito grande”, pondera. Mas ressalta que considera um “crime contra a soberania brasileira” a forma como Aloysio Nunes conduz as negociações.

SUBSERVIÊNCIA – O ministro das relações exteriores foi aos EUA para tratar do assunto e anunciou um cronograma de negociações com o governo norte-americano sem consultar o Congresso. “A própria justificativa utilizada por ele é uma expressão de absoluta subserviência. Como todo o satélite no mundo tem equipamentos produzidos pelos americanos, a gente só pode tratar desse assunto se conseguir autorização dos Estados Unidos?”, questiona a parlamentar.

Nunes justifica que o acordo deve garantir a propriedade intelectual dos equipamentos produzidos em território brasileiro. Para ele, o acordo atual não viola a soberania brasileira. “Se você não tiver um acordo que garanta a propriedade intelectual dos foguetes e dos satélites que serão lançados, nenhum satélite e nenhum foguete poderá ser lançado, pois a grande maioria dos lançamentos carregam tecnologia americana”, argumenta. O governo norte-americano, diz o diplomata, quer “a defesa dos seus segredos comerciais, o que é legítimo”.

O ministro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes, e o vice de Trump, no Itamaraty

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

O ministro de Relações Exteriores, Aloysio Nunes, e o vice de Trump, no Itamaraty

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

A proposta apresentada pelo Brasil a Washington modifica a forma de proteção da tecnologia americana. Segundo o ministério da Relações Exteriores, está prevista a livre circulação de brasileiros, mas a restrição de acesso e manuseio de contêineres com equipamentos de tecnologia sensível ficam mais rígidas. “Os resultados incluem ampliação da frequência de voos com o Acordo de Céus Abertos, negociação de um acordo de salvaguardas que viabilize a base de Alcântara e participação do Brasil no mercado de lançamento de satélites e o lançamento do Fórum de Segurança Pública para uma maior coordenação no combate ao crime transnacional”, afirma o ministro das relações exteriores de Temer.

Para o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, que foi secretário-geral do Itamaraty nos governos Lula e Dilma os EUA possuem bases de lançamento de foguetes em seu território nacional, entre as quais Cabo Canaveral. “Os Estados Unidos não necessitam, portanto, de instalações a serem construídas em Alcântara para o lançamento de seus foguetes”, criticou em artigo publicado pela revista Carta Capital. Guimarães destaca que o governo Temer tem como objetivo central de sua política internacional “atender a todas as reivindicações históricas dos Estados Unidos feitas ao Brasil não só em termos de política econômica interna (abertura comercial, liberdade para investimentos e capitais, desregulamentação, fim das empresas estatais, em especial da Petrobras) como em termos de política externa”.

CONTROLE AÉREO –  Em maio deste ano, o vice-secretário de Estado norte-americano, John J. Sullivan, fez uma visita técnica a Brasília na companhia da secretária-adjunta de Assuntos Econômicos e Empresariais, Manisha Singh, e do secretário-adjunto interino para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Francisco Palmieri. A delegação foi recepcionada pelo interino das Relações Exteriores, embaixador Marcos Galvão, e participou do Foro Permanente de Segurança Brasil-EUA. O evento tratou do combate a ilícitos transnacionais e fortalecimento da colaboração entre os órgãos e agências de segurança pública dos dois países e também do comércio e investimento, cooperação espacial e defesa – no âmbito da “Agenda de 10 pontos Brasil-EUA”.

Desde que a parceria foi intensificada pelo governo brasileiro, empresas locais viram seus negócios devastados pelo caráter invasivo das investigações. Após interferências do Departamento de Justiça dos EUA, a empresa brasileira do setor aéreo Embraer, terceira maior exportadora do Brasil e fabricante de jatos comerciais do mundo, teve parte de seus interesses comerciais ameaçados pela americana Boeing. No início deste mês, a Câmara dos Deputados instalou a Subcomissão Especial destinada a acompanhar e fiscalizar assuntos relacionados à implementação plena dos “Acordos de Céus Abertos”. Firmada pelo Brasil com diversos países, a iniciativa inclui parcerias comerciais com os Estados Unidos. O foco do colegiado: aperfeiçoamento do mercado dos serviços aéreos. Coincidentemente, a ampliação da oferta de voos, o aumento dos serviços e novos mercados atendidos por serviços aéreos, expansão e fortalecimento do transporte de carga são a pauta da Subcomissão da Câmara.

 *Com agências.

Comentários