CULTURA

A professora, a socióloga e o sequestro do embaixador

por Gilson Camargo / Publicado em 11 de agosto de 2017
Lucia Silva e Silva

Foto: acervo

Lucia Silva e Silva

Foto: acervo

No recém-lançado livro Elbrick: Sequestradores e Banidos (Ed. Uergs), a professora Lucia Silva e Silva reconstitui os acontecimentos em torno do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick por militantes da Dissidência da Guanabara (Di-GB, grupo dissidente do MR8) e da Ação Libertadora Nacional (ALN), no Rio de Janeiro, em setembro de 1969 – um dos episódios mais marcantes da resistência à ditadura militar.

Por meio de crônicas, a autora investiga a ação e seus desdobramentos e também desvenda a biografia dos militantes que se envolveram diretamente no sequestro, como os jornalistas Franklin Martins e Fernando Gabeira. No desfecho, Elbrick foi trocado por 15 presos políticos, entre os quais o ex-deputado José Dirceu e o jornalista gaúcho Flávio Tavares. “Faço pequenas biografias, porque algumas pessoas permanecem, outras voltam e poucas se retiram do cenário político”, resume.

O livro integra a série de crônicas Memória Política em Doses nas quais a autora busca uma compreensão sobre a vida política do país. O primeiro livro abordou a Guerrilha do Araguaia, entre outros temas. E vem mais por aí: o próximo livro aborda o sequestro do cônsul japonês Nobuo Okuchi, ocorrido em São Paulo, no dia 11 de março de 1970. “Comecei com crônicas sobre personagens e episódios num livro-caleidoscópio anterior e me apaixonei pela pesquisa de todos os sequestros. Quero divulgar meus estudos sobre os quatro diplomatas trocados por 130 presos políticos: embaixador americano; cônsul japonês; embaixadores alemão e suíço. Quero escrever ainda sobre os sequestros de avião, corriqueiros no período, a ponto de ter uma aeronave apelidada de ‘Expresso Cubano’, por ter sido desviada três vezes para Cuba”, revela.

Formada em Ciências Sociais pela Ufrgs, Lucia é especialista em Saúde Pública, Planejamento Governamental e Ciência Política e possui mestrado em Sociologia (Ufrgs) e doutorado em História do Brasil (PUCRS). Atualmente é professora adjunta da Uergs em Santana do Livramento. “Para que as pessoas compreendam meu contexto, gosto de começar dizendo que tenho 65 anos. Minha formação se deu em ambiente conservador, mas de grande curiosidade histórico-política, que cultivei desde criança”, esclarece. Natural de Uruguaiana, estudou na Escola do Horto. “Não gostava de lecionar, naquele tempo me parecia um ofício de adestramento nada fascinante”. Atraída pelo currículo, optou pela Ciências Sociais da Ufrgs, fez bacharelado de 1971 a 1974, auge da ditadura militar, depois se especializou em Saúde Pública e atuou como socióloga sanitarista. Depois, mestrado em Sociologia, especialização em Planejamento Governamental e novo mestrado, em Ciência Política, na Ufrgs, onde, em 1995, ingressou como professora concursada; e o doutorado em História na PUCRS. “O gosto por estudar as ditaduras, getulista e militar, nasce de uma angústia profunda que sentia diante da falta de liberdade. Do tempo do Getúlio, me apavoravam as histórias das prisões e das torturas, da ditadura militar, senti um invólucro de dor e náusea durante toda a adolescência e a época de jovem adulta”, revela.

A escrita foi precedida de muita leitura, especialmente de livros sobre a luta armada. “Percebi que até os militantes têm dificuldades de informar sobre os companheiros, porque eram levados ao desconhecimento de suas identidades, endereços e referências, por questões de segurança”. Na sua opinião, a luta armada “não foi estratégica para o fim da ditadura” tanto que “hoje, a maioria revisou suas referências e questionou as próprias ações, tornando-se apoiadores da democracia”, polemiza a professora, que costuma abordar o tema quando fala sobre as lutas camponesas para seus alunos da Agronomia e Desenvolvimento Rural. “É bem delicado discutir questões que poucos conhecem”.

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