CULTURA

Espanha dá 15 dias para família de Franco indicar destino para corpo

"É urgente porque estamos atrasados. Um ditador não pode ter um túmulo estatal em uma democracia consolidada como a espanhola, é incompatível", disse a vice-primeira-ministra da Espanha, Carmen Calvo
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 31 de agosto de 2018

Foto: Pinterest

Valle de Los Caídos: milhares de prisioneiros republicanos foram obrigados a trabalhar na obra faraônica de Franco

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Enquanto no Brasil ainda dói nos ouvidos de democratas das mais variadas matizes ideológicas a homenagem feita há dois anos na Câmara dos Deputados ao coronel Brilhante Ustra em plena votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, a Espanha dá um passo para literalmente desenterrar uma de suas fases mais obscuras do século 20. No último dia 24, o gabinete do governo do socialista Pedro Sánchez (PSOE) emitiu decreto real que acrescenta um parágrafo ao artigo 16 da Lei da Memória Histórica para a exumação e translado do corpo do ditador fascista Francisco Franco do Valle de los Caídos – monumento idealizado pelo próprio Franco para comemorar sua vitória na guerra civil espanhola.

O governo da Espanha tem pressa em agilizar a saída de Franco do Valle de los Caídos. A polêmica da iniciativa, que envolveu a oposição da família e inicialmente de parte da igreja conservadora da Espanha, que tem fortes laços com o franquismo, atrasaram a data. Nesta sexta-feira, 31, no entanto o primeiro passo do processo foi dado com a notificação da família que tem até 15 dias para informar o destino que deverá ser dado ao corpo de Franco. “É urgente porque estamos atrasados. Um ditador não pode ter um túmulo estatal em uma democracia consolidada como a espanhola, é incompatível”, disse a vice-primeira-ministra da Espanha, Carmen Calvo.

A ofensiva contra os fascistas, que promovem fortemente o culto ao Generalíssimo, como Franco também se tornou conhecido, promete não parar por aí. Na esteira dos principais países europeus que dispõem de leis específicas condenando apologias ao nazismo e fascismo, a negação do holocausto ou condutas similares, o governo da Espanha também estuda uma forma de tornar ilegal a Fundação Nacional Francisco Franco (FNFF) que defende o legado do caudilho, negando a ditadura, a repressão que vitimou milhares de espanhóis e difunde ideias como “os partidos políticos são construções artificiais que só servem para dividir e enfrentar a sociedade”. A FNFF tem atuado ainda oferecendo suporte jurídico para combater as denúncias de descumprimento da lei de memória histórica, que estabeleceu a retirada de placas, escudos ou menções comemorativas e exaltação da Guerra Civil e da ditadura. Explicitamente, a fundação diz em sua página web que uma de suas principais atividades é “a luta contra a malfadada Lei da Memória Histórica”.

De acordo com a ministra da Justiça espanhola, Dolores Delgado, um dos mecanismos para encerrar os trabalhos da FNFF seria a introdução no código penal do país do delito de “apologia ao franquismo”. Um forte argumento internacional, o governo socialista tem em sua manga. Em 1998, a Alemanha deteve e fez regressar à Espanha um grupo de 70 membro da Ultra Sur, uma das torcidas organizadas do Real Madrid, que ao pisar no aeroporto para ir a uma partida da Liga dos Campeões se manifestaram com a saudação nazista. A Ultra Sur é conhecida por ter entre seus membros extremistas de direita que carregam bandeiras da era Franco, suásticas e cruzes celtas, adotadas por grupos radicais na Europa. Jose Luis Ochaíta, líder histórico da torcida costuma participar de eventos da FNFF.

COMISSÃO DA VERDADE – Outra frente é proposta pela principal base de sustentação do governo, a coligação de esquerda Unidos Podemos: a revisão da Lei de Anistia aprovada para a transição do governo de Franco para a atual monarquia parlamentarista que rege o país ibérico. Ivone Belarra, porta voz da frente declarou recentemente: “Não é possível que não se tenha julgado os crimes do franquismo e que a Lei de Anistia se tenha convertido em uma lei de ponto final”.

O primeiro-ministro Sánchez endossa a ideia de pôr em andamento uma Comissão da Verdade que seja “a mais plural possível”, assinalou em coletiva de imprensa realizada quarta-feira, 29, no início de sua visita oficial à Bolívia, em um roteiro na América Latina que excluiu o Brasil. O premiê espanhol ainda declarou que na revisão que pretende fazer deve coexistir “todas as perspectivas históricas sobre a guerra civil e a ditadura e a partir daí que de uma vez por todas se fechem as feridas”.

TRATAMENTO DIFERENCIADO – Vendido como um lugar de reconciliação, o monumento do Valle de los Caídos, uma cruz de 150 metros de altura e uma basílica encravada na montanha por cerca de 20 mil prisioneiros políticos de Franco entre os anos de 1940 e 1959, é, na opinião de seus opositores, um símbolo excludente.

Tendo em evidência de um lado o túmulo do fundador do partido fascista Falange Española, José Antonio Primo de Rivera, fuzilado pelos Republicanos em 1936, e de outro o de Franco, na montanha encontram-se ainda os restos mortais de cerca de 27 mil combatentes franquistas e cerca de dez mil republicanos. Segundo o historiador Julián Casanova, para os franquistas que lá foram sepultados existe um registro de saída do cemitério original e um “check-in do Vale dos Caídos”. Já os republicanos, apontou Casanova, foram retirados de valas comuns e cemitérios sem aviso prévio às famílias. “Esse é o problema “, frizou.

José Antonio Primo de Rivera, que está sepultado ao lado de Franco, inicialmente não será removido. Segundo Carmen Calvo “ele é uma vítima da Guerra Civil, então ele será enterrado com os outros, provavelmente na área dos ossários e não em um lugar proeminente como agora”, explica ao ressaltar que o processo será feito após a conclusão da exumação de Franco, que é a prioridade do governo.

Ao completar 43 anos, o Valle de los Caídos permanece um monumento que divide a Espanha. Durante a polêmica dos últimos meses cartazes foram afixados em algumas ruas de Madri com o slogan “O Vale não será tocado”. Iniciativas à parte, tudo indica que daqui há sete anos a celebração do cinquentenário da morte de Francisco Franco terá que ser feita muito provavelmente no cemitério de El Pardo, na região de Madri, no túmulo onde estão a esposa do caudilho, Carmen Polo e a filha Carmen.

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