GERAL

Redução da jornada de trabalho – em busca da flexibilidade

Yeda Crusius / Publicado em 9 de junho de 1997

O novo ciclo tecnológico trazido na onda das comunicações nos coloca frente a dois grandes desafios. Independentemente de qualquer ideologia, o primeiro desafio é produzir ao menor custo e com a qualidade certificada, que exige eficiência de quem produz. Já o segundo desafio é ter ganhos de produtividade sem que os resultados negativos dos ganhos de tecnologia (concentração de renda ou desemprego industrial, por exemplo) superem os resultados positivos (acesso ao bem-estar resultante do próprio ciclo tecnológico, por exemplo na saúde, na democratização do conhecimento, via comunicação, e do consumo, via baixa de preços generalizada). O primeiro desafio é o da eficiência. O segundo é o da distribuição – e neste caso é que a escolha política se manifesta.

O primeiro desafio é produzir competitivamente, dentro do novo padrão que exige ir buscar onde for – e onde for mais barato, cada parte que compõe o produto. Na busca do menor custo, cria-se uma complexa teia de interrelações que é a marca da globalização: a interdependência completa em todo o mundo. Partes do produto são feitas onde a mão-de-obra é mais especializada, parte onde é mais barata, parte onde estão as vantagens de matéria-prima, de transporte, de mercado, de infra-estrutura, ou de impostos.

O aumento de produtividade pode advir da utilização disseminada de produtos desenvolvidos no ciclo tecnológico – como automação; ou da aplicação de novos processos – como os de qualidade total. Quando esse aumento é fruto de um processo sistêmico, os ganhos se repartem de modo mais harmonioso entre os agentes de produção: governo, o trabalho e o capital. Este é o caso, por exemplo, da Dinamarca, país com a menor jornada de trabalho do mundo (31 horas/semana). Nesse país, a característica é de ganhos sistêmicos de produtividade: ganhos em infra-estrutura como energia, comunicações e transportes; educação formal, saúde, fruto de décadas de aplicação de políticas de bem-estar social; fundeadas em impostos, são parte da história de décadas de sincronia entre ganhos de produtividade e distribuição de renda.

No enfrentar a questão da competitividade, passa a ser requerida a harmonização, nos países que comercializam entre si, das principais políticas relativas aos ítens que formam os custos de produção. Daí que as reformas tributária, fiscal, administrativa, previdenciária, da ordem econômica, trabalhista, financeira, todas lidam com custos e formam a moldura do quadro no qual cada país realiza sua dinâmica,sua inserção, no mundo globalizado.

Nos países mais estáveis e desenvolvidos, com história de políticas de bem-estar social como os da Europa, o desafio se concentra na busca de novas políticas de emprego. Nos países mais novos e estáveis, com ganhos sistêmicos de produtividade, como os Estados Unidos, a criação de empregos permanece muito ativa. Dados da OIT informam que, depois dos EUA, o Brasil é o segundo país em criação de empregos em todo o mundo desde 1992. Só que não somos nem um país estável, nem de ganhos sistêmicos de produtividade, nem nossos códigos, por serem extremamente detalhistas, possibilitam a flexibilidade de contratos, fator principal do espantoso crescimento de empregos nos EUA. Se com todos os antipredicados fomos capazes de gerar mais empregos que qualquer outro país que não os EUA, o que poderemos fazer quando completarmos as reformas estruturais que permitirão tornar sistêmico nossos avanços em produtividade – com educação formal, infra-estrutura, impostos dedicados à saúde, ao saneamento, à melhoria da vida urbana!

Mas até lá, deve-se discutir se a redução da jornada de trabalho pode se constituir em fator gerador de emprego. Vista como um item isolado da política de aumento de eficiência com distribuição, se aplicável hoje e para todos os setores, provavelmente não conduzirá a um aumento do nível de emprego. Reduzir jornada sem reduzir salários, impostos, lucros, resultará em custo maior e, portanto, redução de competitividade. Ou seja, de emprego. Entretanto, mesmo hoje algumas empresas podem fazê-lo, assim como alguns setores.

A redução de jornada deve ser um dos ítens de flexibilização das relações trabalhistas. Em alguns casos, a redução poderá ser rápida, repartindo-se os ganhos entre lucros e salários, como é o caso de indústrias ligadas à montadoras de automóveis, onde os ganhos de produtividade são evidentes. Ou em setores que passam por crise temporária de demanda. Ou podem repartir-se os ganhos entre impostos e lucros, como em setores de fomento. Ou entre os três agentes, empresário, trabalhador e governo, através do exercício extremamente positivo de pacto nas câmaras setoriais. Ou mesmo quando o aumento de custos resultante da redução de jornada sem redução de salários resultar em aumento de qualidade e for pactuado com o usuário do serviço.

A redução da jornada pactuada de trabalho deve ser vista, no Brasil, como uma parte da política de distribuição dos frutos da produtividade, em alguns setores, ou de aumento de emprego, em outros. Avançar sobre todo o conjunto de setores representaria apenas, e mais uma vez, buscar generalizar o que só alguns setores formais e modernos podem assumir. E quanto mais se estender regras formais a uma economia que facilmente escapa para a informalidade, menos avançaremos na política de emprego que todos buscamos.

* Yeda Crusius é economista e deputada federal (PSDB/RS)

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