CULTURA

Beatriz, a radialista que incomoda o poder

Publicado em 8 de julho de 1997

Ao longo dos anos, Beatriz Fagundes construiu seu próprio estilo de fazer rádio. Ela conquistou a simpatia do público que se manifesta em uma audiência fiel, capaz de acompanha-lá de emissora em emissora. Acostumada com a pressão sobre o seu trabalho, ela questiona o fato jornalístico para além das aparências e não perde a oportunidade de comprar brigas. Direta, provocativa e hábil na condução de temas polêmicos, não se deixa constranger pelas investidas de seus desafetos, entre eles, o governador do estado Antônio Britto. É, com certeza, uma palavra que destoa da maior parte da mídia gaúcha, sempre disposta a endossar a unanimidade em torno de quem detém o poder.

Num dia qualquer de 1994, logo depois de ganhar as eleições, o então candidato a governador Antônio Britto foi à TV Pampa participar de um programa de entrevistas. Lá, encontrou a radialista Beatriz Fagundes que, ao lhe estender a mão, comentou: “Parabéns. O senhor não se ele-geu com o meu voto, mas espero que faça um bom governo”. A resposta de Britto foi imediata e Beatriz jamais esquecerá. “Ele virou as costas para mim”.

Na época à frente de um programa alimentado por informações e entrevistas na Rádio Pampa, a radialista percebeu que, daquele dia em diante, as portas do Palácio Piratini estariam fechadas para ela. Agüentou mais um ano na emissora. Foi demitida em outubro de 1995, com oito anos de casa. O fim trágico de mais uma das tantas pressões sofridas ao longo de 13 anos de carreira.

Beatriz, aos 41 anos, é conhecida por falar o que pensa e abrir o microfone para seus ouvintes se manifestarem sobre temas polêmicos. Ela compra brigas grandes e, enquanto a maioria da imprensa bate palmas para as decisões dos governos federal e estadual, a radialista faz o inverso, questionando cada ponto.

“Parabéns. O senhor (Antonio Britto) não se elegeu com o meu voto,
mas espero que faça um bom governo”.

Assim fez com a privatização da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), por exemplo. Enquanto a RBS – grande monopólio da comunicação do extremo sul do Brasil, interessada no negócio – fazia festa para a venda da Companhia, Beatriz utilizava seu programa para explicar as contradições embutidas no fato. De sua defesa sistemática das empresas públicas estaduais e nacionais que estão sendo colocadas à venda, nasceu o Movimento Sete de Setembro, integrado por ela, sindicalistas, militares da reserva, entre outros. “É um movimento nacionalista, que defende o patrimônio público. Nosso lema é ‘o Brasil para os brasileiros’”, diz Beatriz.

Ela começou no rádio em 1984, como produtora de Lasier Martins, então na Rádio Guaíba. Mais tarde, passou a apresentar o programa Guaíba Mulher. Em 1986, transferiu-se para a Rádio Gazeta (hoje Record). “Foi ali o meu laboratório, quando comecei a elaborar a minha própria fórmula de fazer rádio. Não queria fazer nada igual ao que já estava sendo feito”.

E a fórmula foi justamente esta. Temas polêmicos, com a participação do ouvinte, doa a quem doer. A briga com o recém eleito governador Britto não foi o primeiro percalço a enfrentar. Ela já tinha sofrido um bocado com o seu antecessor. “Tive brigas seriíssimas com o Collares. Um dia, o vice-presidente da empresa (Pampa) me mostrou um fax do Palácio. Eles tinham gravado todo o meu programa e estavam mostrando seu desagrado”.

“Tive brigas seriíssimas com o Collares.
Um dia, o vice-presidente da empresa (Pampa)
me mostrou um fax do Palácio.
Eles tinham gravado todo o meu programa
e estavam mostrando seu desagrado”.

Ao sair da Rádio Pampa, Beatriz ficou uns cinco meses no ostracismo até comprar um espaço na Rádio Bandeirantes, onde implementou a mesma fórmula que a fez conhecida. Mas o programa só durou sete meses. As críticas à política de privatização dos governos Britto e Fernando Henrique inquietaram a direção da Band regional. “Eles queriam que eu entrevistasse o empresário tal, o político tal. A minha linha editorial bateu de frente com a deles. Quando chegou a época de renovar o contrato, não interesseva mais nem a mim nem a eles”.

Em setembro de 1996, ao sair da Band, Beatriz foi para casa. Os defensores das políticas implementadas pelos governos Britto e FHC respiraram aliviados. Ela aproveitou o tempo para desenvolver um outro lado que a faz feliz: escrever. No dia 7 de maio deste ano, ela lançou um livro de ficção – Armadilhas – estilo realismo fantástico.

Mas os ouvintes cativos de Beatriz não ficaram sem porta-voz por muito tempo. Em novembro de 1996, a radialista surgiu na Rádio Visão, de Canoas, com seu programa Beatriz Fagundes, que vai ao ar de segunda à sexta-feira, das 9h às 11h. Do mesmo jeito que sempre foi: temas polêmicos com a participação dos ouvintes.

Naquele espaço diário, ela não perdoa a doação de R$ 253 milhões dos cofres públicos estaduais para a implantação da fábrica da GM no Estado, desmascara as empresas que estão no páreo para abocanhar a Vale do Rio Doce e, para suavizar, dá dicas para as pessoas levarem a vida mais leve.

Afinal, onde é que fica essa tal de Rádio Visão? “Está no cantinho do rádio, 540 no dial. A Rádio Gaúcha diz que é a primeira do dial, mas é a nossa. Somos uma rádio tão profissional quanto as outras”, defende o operador de áudio, Delmar Machado. A julgar pela quantidade de telefonemas que Beatriz recebe durante o programa e o número de visitas ao estúdio, seu público cativo já achou o caminho da Rádio Visão.

No dia 23 de abril deste ano, a cabeleireira Nilza Rodrigues chegou à rádio canoense com um objetivo: conhecer Beatriz Fagundes. “Eu acompanho o programa dela há muitos anos. Perdi o contato na Rádio Pampa e logo imaginei que ela tinha sido demitida. Depois, eu a achei na Bandeirantes e ela sumiu de novo. Esses dias, meu marido estava ouvindo rádio e me ligou, dizendo que era para eu procurar a Beatriz no cantinho do rádio”. Parece que para felicidade de uns, e infelicidade de outros, o programa de Beatriz Fagundes continua um sucesso.

* Márcia Camarano é jornalista profissional e autorizou esta reedição de seu trabalho pelo Extra Classe.

Matéria publicada originalmente no Versão dos Jornalistas, jornal do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Rio Grande do Sul.

Comentários