OPINIÃO

Enfim, a glorificação do Correio Braziliense

Raul Quevedo / Publicado em 8 de agosto de 1997

Acompanhado de manifesto forte, com introdução e justificativa de méritos, a Associação Riograndense de Imprensa entregou em mãos do deputado federal (PSDB) Nelson Marchezan, exposição de motivos defen-dendo a transferência de data comemorativa ao Dia da Imprensa, de 10 de setembro para 1º de junho.

Incluso na proposição a seguinte sugestão de projeto a ser transformado em Lei:

“Art. 1º – Ficam estabelecidas em todo o país, as comemorações do Dia da Imprensa na data de 1º de junho.

Art. 2º – Revogadas disposições em contrário.

Art. 3º – Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.”

Como se vê, não poderia ser mais sintética, objetiva e direta a sugestão de texto para uma Lei que, se aprovada, revolucionará toda uma tradição. Tradição injusta e inconseqüente, mas que vem de décadas.

Na introdução à exposição de motivos a Associação questiona: “Qual a efeméride que se comemora a 10 de setembro de cada ano no Brasil? A história oficial e os livros de memória dizem que comemoramos a data consagrada à imprensa brasileira. É mesmo?”

E prossegue a ARI: “Há muito que a data vem sendo contestada por historiadores eméritos e jornalistas atentos à história do jornalismo. No entanto, por comodismo ou indiferença para com fatos marcantes da vida cultural do país, o 10 de setembro permanece intocado como o símbolo refletor de data consagradora para a nacionalidade”.

A entidade dos jornalistas gaúchos rebate: “A verdade é outra. O 10 de setembro nada mais representa que a imprensa oficial germinada na célula do poder alienígena. Seus princípios e sua ‘ética’ nasceram e reproduziram-se entre os brasileiros independente de suas vontades e indiferentes às aspirações de cidadania do povo.”

Segundo afirmação de Edward Gibbon, célebre historiador inglês do século XVIII, para conhecer detalhes de uma vida passada, deve-se aceitar tudo de bom que dela disseram os inimigos e tudo de mau que disseram os amigos.

Trata-se, sem dúvida, de conceito de valor, a ser reconhecido a quem, de fato tenha tal merecimento. A Associação Riograndense de Imprensa está consciente que tal merecimento é devido a Hipólito José da Costa, patrono do jornalismo brasileiro, por seu trabalho no jornal “Correio Braziliense”, o enciclopédico “Armazém Literário”, que o emérito brasileiro editou na Inglaterra, de 1808 a 1822, preparando os caminhos de nossa independência.

Hipólito José da Costa teve inimigos poderosos na mesma proporção que gozou de amizades de igual poder. Seu inimigo maior foi sempre a Igreja, então detentora de juízo de vida e morte através da Inquisição, o terrível tribunal do Santo Ofício, onde esteve prisioneiro por três anos, no Limoeiro, em Lisboa. Não fora amigos poderosos que conquistara em Portugal e Inglaterra, e que encaminharam a espetacular fuga da prisão, muito provavelmente teria sido executado num auto de fé, destino dos condenados à fogueira.

Ao exilar-se na Inglaterra livrou-se da perseguição religiosa. Porém, aos fundar o “Correio Braziliense” e passar a divulgar mazelas do reino Português, somou outra parcela de inimigos igualmente poderosos. Não fora a solidez das amizades inglesas, inclusive com vinculação à própria realeza britânica, teria sido alcançado pelo braço vingador português. E foi para livrar-se definitivamente do poder desse braço rancoroso que aceitou naturalizar-se cidadão inglês.

A Igreja, que queria vê-lo devorado pelas chamas, num auto de fé, não o perdoou nem nunca o perdoará. Mas do Portugal laico, mesmo do lado de autoridades contrariadas por seu jornalismo denunciador dos maus políticos e burocratas sem escrúpulos, ele teve adesistas. O próprio Dom João VI, leitor assíduo do “Correio” (que recebia às escondidas), era admirador do jornalista, em quem via um homem de valor e intelectual de méritos inegáveis.

Na Inglaterra, durante os 17 anos que lá viveu, foi estrela flamígera a brilhar num universo de eleitos no Olimpo da cultura. No Brasil, infelizmente, ainda é mal enxergado. É visto através de espécie de névoa a encobrir os olhos da nação, que persiste em valorizar o alienígena. Talvez agora, com o trabalho do deputado Nelson Marchezan, possamos comemorar o Dia da Imprensa numa data digna da nacionalidade: 1º de junho.

* Raul Quevedo é jornalista e integra a Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/RS.

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