CULTURA

Vestígios dos ancestrais

Dóris Fialcoff / Publicado em 8 de agosto de 1997

O confronto com a morte é o aspecto que mais impressiona o visitante do Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul. Segundo a diretora do Marsul, Berenice Gonçalves Hackmann, alguns se deparam com um esqueleto pela primeira vez. A presença da morte e da passagem do tempo é inevitável em uma instituição que se dedica ao estudo dos povos que desapareceram nos períodos pré-histórico e histórico.

O acervo do Marsul e seus projetos sistematizam e divulgam a arqueologia do Rio Grande do Sul. Conforme André Luiz Jacobus, biólogo, arqueólogo e pesquisador do Marsul, a primeira região habitada no estado foi a Fronteira Oeste, há cerca de 11 mil anos. Essas informações são obtidas pela análise de vestígios da cultura material dos povos – utensílios, artefatos e estruturas -, além de restos humanos e até de alimentação.

A investigação arqueológica permite identificar desde as características morfológicas das pessoas (idade, sexo, estatura) até a vida cotidiana. “Determinadas doenças ficam marcadas no esqueleto, como por exemplo carências ou excessos nutricionais”, esclarece Jacobus, citando o costume dos índios de ficar de cócoras, de usar o arco e flecha, remo. “O estudo de uma população permite inferir como era o sistema de parentesco, de casamento, pela própria disposição dos túmulos”. Pelas ossadas, pode-se saber até o número de partos das mulheres, pois cada um deixa marcas nos ossos da bacia, que sustentam a musculatura que se movimenta durante o trabalho de parto.

PROJETOS – O Museu Arqueológico possui no seu acervo vestígios arqueológicos provenientes do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Rondônia, Amazonas, Peru e México. Do Amazonas, fragmentos de cerâmica Marajoara e de Santarém. Do Mato Grosso, artefatos dos índios Nhambikuára. Através destes vestígios é possível descobrir preferências gastronômicas e tendências artísticas. As vasilhas de cerâmica produzidas pelos povos pré-históricos exibem cuidados estéticos – talhes feitos com os dedos, unhas, fibras vegetais, pedras. No acervo do Marsul estão peças que eram usadas para compor adornos.

Povos pré-históricos do Rio Grande do Sul é uma exposição itinerante que está percorrendo vários municípios do estado, dentro do projeto O Marsul vai à escola. Ana Maria Teixeira Assunção, que desenvolve um trabalho didático-pedagógico na instituição, explica que a iniciativa buscou reverter o baixo índice de visitação ao Museu. “A idéia foi tão bem aceita que agora o Museu tem três exposições itinerantes”, relata. O início do projeto de itinerância foi em 1996, ano em que o Marsul recebeu 5.053 visitantes em Taquara e 15.669 visitantes ao Museu Arqueológico Caldas Júnior, de Santo Antônio da Patrulha – onde o Marsul desenvolve um projeto. O público das exposições itinerantes e das palestras externas somou 20.722 pessoas. Levantamento até maio mostra que só neste período de 1997 o público chega à 16.547 pessoas.

POVOS – O Povo das Grutas, que viveu no estado entre 11.500 e 2.000 anos atrás, morava em grutas na Encosta do Planalto das Araucárias ou em pequenos acampamentos, alimentando-se de caça e coleta de frutas, raízes e sementes. Caçavam com armas feitas de pedra – ponta-de-flecha e bola-de-boleadeira. Ossos, dentes e chifres viravam adornos. Nas paredes das grutas faziam gravações (petroglifos), com motivos geométricos ou pegadas de animais – a arte rupestre.

O Povo das Florestas habitou a região entre 6.500 e 2.000 anos e sobrevivia da caça e da coleta. Entre 4.000 e 2.000 anos, o Povo dos Sambaquis vivia no litoral do estado. Segundo dados do Marsul, “amontoavam, ao longo dos anos, os restos que sobravam da alimentação. Formavam grandes montes que podiam atingir até 30 metros de altura e 100 metros de diâmetro. Sambaqui, na língua Tupi, significa monte de conchas. Em cima desses montes construíam suas casas. A alimentação era muito rica, baseada em animais marinhos, embora praticassem a caça. Este povo fazia belas esculturas de pedra, na forma de animais e, mais raramente, na forma humana. São os chamadas zoolitos.

O Povo dos Aterros viveu no Rio Grande do Sul de 2.500 anos atrás até antes da chegada dos europeus. Assim são chamados porque faziam montes de terra (aterro) próximo de banhados e lagos. Sobre os aterros erguiam pequenas cabanas de couro ou esteira. Porém, ali só viviam durante a primavera e o verão, quando a caça e a pesca eram abundantes. Depois iam para os campos da Depressão Central.

O Povo das Casas Subterrâneas viveu na região de 2.000 anos até a chegada dos europeus. Eram “parentes” dos índios Kaingang, que ainda hoje moram no estado. Viviam, preferencialmente, no Planalto das Araucárias. Como o local era muito frio no inverno, construíam suas casas nas clareiras no meio dos pinheirais: eram buracos redondos sobre o qual colocavam um teto de palha. O alimento básico era o pinhão.

O Povo das Aldeias, que também viveu de 2.000 anos atrás até a chegada dos europeus, descende do povo Gua-rani, originário da Amazônia. Eles trouxeram para o estado os cultivos do milho, mandioca, batata-doce, feijão. Escolhiam matas ao longo dos rios para instalar suas aldeias: três a seis grandes casas comunitárias de palha e madeira, para várias famílias aparentadas. Plantavam algodão para fazer redes, cintos e roupas. Poucos descendentes são encontrados em Maquiné, Viamão, Camaquã, Tapes, Bagé, Jaguarão e Uruguaiana.

Cada povo encontrava seu jeito de enterrar os mortos, de acordo com preceitos e tabus. O Povo das Aldeias era sepultado com o corpo estendido e as mãos sobre o ventre em covas e vasilhas, cobertos de cacos de cerâmica. Os caciques e pajés, e suas famílias, eram enterrados em grandes vasilhas de cerâmica. “Normalmente a urna funerária era uma talha grande e os mortos eram colocados em posição de cócoras e depois tapava-se. A idéia é voltar para a origem.”, ensina Jacobus: “Se imagina que as vasilhas lembravam o útero e a posição de cócoras a posição fetal”. O Museu Arqueológico mostra algumas dessas talhas. Há também um esqueleto em posição fetal – com os joelhos encostados no peito e os braços encolhidos. Os povos das Grutas tinham essa tradição.

VISITAS – O Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul fica na Estrada RS 020 – Km 58, em Taquara. Visitação de terça a domingo, das 9 às 18 horas. Também oferece visitas guiadas para grupos ou turmas de escola, in-clusive à noite e em finais de semana. Contatos pelo fone (051) 542.1553.

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