OPINIÃO

A promessa do piá

Barbosa Lessa / Publicado em 8 de setembro de 1997

Feita a independência do Brasil, foi um caro custo implantar um governo com jeito de Governo, pois D. Pedro I preferia levar tudo à moda Miguelão, ao sabor de sua vontade absoluta.

Os seis ministros, determinados pela Constituição, deviam ser escolhidos dentre membros do Legislativo, mas o imperador selecionava-os mais pelo espírito de subserviência do que por qualquer outra virtude.

Somente em 1827 houve uma reação, com o líder Araújo Lima sendo incumbido de organizar um novo gabinete ministerial e entregando-o à chefia de Barbacena.

Mas este durou pouco, com a autoritária destituição dos legalmente nomeados e sua substituição por ministros que nem sequer pertenciam à Câmara.

Daí a crise foi evoluindo até 1831, quando D. Pedro I preferiu se mandar de volta a Portugal e deixou o trono entregue a seu filho de apenas 5 anos de idade. Regência Trina. Ganha prestígio o Ministro da Justiça, Pe. Diogo Feijó. Regência Una. Primeiros indícios de progresso. Criação do Banco do Brasil, fundação do modelar Colégio D. Pedro II.

Quando, em 1840, é declarada a maioridade de D. Pedro II, a Corte do Rio de Janeiro está com jeito de Corte de verdade, apesar do monarca contar só 14 anos de idade. Ora, um fedelho mandando em todo o Império!… Mas não foi bem assim, não: logo em seguida, em 1841, era criado o Conselho de Estado.

Sob a influência do Colégio D. Pedro II, outros estabelecimentos de ensino, particulares, ganharam prestígio, como o Colégio Vitório, do mestre de humanidades Vitório da Costa. Ali o aluno não era conside-rado simples máquina de aprender e, desde o momento da matrícula, abria-se-lhe uma ficha com detalhadas observações sobre o temperamento, psicologia, vocação, etc.

Mas eis que um dia, em 1847, apresentou-se ao professor Vitório, desacompanhado de adultos, um gurizote aparentando não mais que 13 anos. Nome? “Gaspar”. Nascido aonde? “Na Fazenda Aceguá, na Cisplatina”. Então, és uruguaio? “Não: brasileiro. Meu pai tem estância em Bagé.” Já estudaste? Onde? “Comecei a estudar com o professor Antônio José Domingos, em Pelotas, mas não quis dar a mão à palmatória; interrompi e fui ser caixeiro numa ferragem; aí meu pai insistiu para eu continuar estudando e eu disse que só se fosse aqui na Corte. E me vim”. E o que desejas ser quando fores grande? “Quero ser ministro de Sua Majestade o Imperador”.

Vitório sorriu, nunca tinha se deparado com uma vocação tão esdrúxula. E então o que farás deste teu professor? “Farei Conselheiro de Sua Majestade”. Para resumir: trinta anos depois, em janeiro de 1878, o Visconde de Sininbu organizou um novo ministério e trouxe para a pasta da Fazenda o respeitável Gaspar Silveira Martins. Na primeira reunião do gabinete ele propôs e, em seguida, foi levar pessoalmente o título ao velho professor Vitório da Costa. Guri da fronteira – ao menos naquela época… – não empenhava sua palavra em vão.

*Luiz Carlos Barbosa Lessa é historiador, folclorista e escritor

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