MOVIMENTO

Mansos tigres asiáticos

Luiz Carlos Barbosa(*) e Angelo Dal Cin(**) / Publicado em 6 de novembro de 1997

A televisão mostrou ao mundo inteiro cidadãos coreanos doando dinheiro ao Estado, na tentativa desesperada de ajudar o governo a reorganizar as finanças do país e a evitar o pior. A cena não revela generosidade, mas um desespero que evidencia os danos que o capital especulativo pode causar numa nação.

O efeito dominó que se alastrou pelo mundo em decorrência do colapso na bolsa de valores de Hong Kong, descortina uma tragédia anunciada, mas veementemente refutada pela retórica neoliberal. A verdade é simples e sintética: o capital especulativo pode até trazer alguns avanços econômicos e provocar surtos modernizadores, mas o preço é alto exatamente porque o compromisso do capital, particularmente do especulativo, tem o limite da taxa de lucro.

A queda nas bolsas demonstrou de maneira eloqüente o grau de estupidez de bobagens como o fim da história. A idéia de estabilidade universal e eterna do capitalismo, sob a égide das relações de mercado, não é apenas uma utopia perversa, mas uma perversão que a própria farsa desta concepção encerra em si mesma.

Definitivamente, o Estado é um instrumento imprescindível para viabilizar a economia, tenha ela um caráter nacional ou globalizado. É por isso que as grandes corporações, representadas pelo capital internacional, investem contra o chamado Estado de Bem-Estar Social. Na verdade, o que está em jogo é uma disputa pelo Estado, por um perfil de Estado. Os grandes grupos econômicos precisam de um Estado que patrocine seus lucros, a sociedade civil, o cidadão, precisa de um Estado que assegure políticas sociais como saúde, educação, previdência, emprego.

A conduta do governo brasileiro no episódio das bolsas é exemplar de que o discurso neo-liberal sobre o recolhimento do Estado em relação à economia não passa de embromação. Como se poderia classificar a retirada de R$ 20 bilhões de reais da população brasileira para tapar o rombo do governo senão intervenção do Estado na economia. Alguém poderia pensar que estamos fazendo o mesmo que o povo coreano. O valor do “Pacote 51” – que depois ficou em 53 medidas -, aliás, é emblemático. É o mesmo com que o governo FHC brindou com o PROER os bancos quebrados. É o mesmo também que se arrecadou de todos os cidadãos que têm conta bancária com a CPMF, teoricamente destinada aos serviços de saúde.

Não é novidade alguma dizer que o Estado é o instrumento pelo qual quem detém a riqueza exerce o poder sobre a sociedade. O que se pode depreender de inédito é que a reviravolta na economia asiática realça a contradição neoliberal entre o discurso de desprezo do Estado e a prática de assalto ao Estado.

Evidente, portanto, que a livre concorrência não regula tudo. Para espanto de alguns, até mesmo o presidente Fernando Henrique Cardoso começa a admitir o óbvio. Chegou à Inglaterra com um olhar grave, declarando-se preocupado em criar mecanismos de prevenção aos capitais voláteis – o eufemismo com que os neoliberais se referem ao capital especulativo internacional, que transforma as economias nacionais, como a brasileira e a coreana, em mesas de cassino.

A ação dos chamados capitais voláteis ficou muito mais clara depois da queda nas bolsas. Os grandes especuladores internacionais fazem das economias periféricas uma maquininha do tipo caça níquel de proporções monumentais. Apostam, ganham o máximo e vão embora. Para onde? Para os seus países ricos, aumentando ainda mais a miséria dos países pobres. Essa jogatina fortalece os gigantes e exaure os pequenos.

O tombo na cotação das bolsas não deixa dúvida de quem paga a conta das estripulias do capital. Em 27 de outubro, o dia do pânico, enquanto a bolsa de Nova Iorque fechou com 7,18 pontos negativos, a bolsa de São Paulo fechou com menos 14,97, a de Buenos Aires com menos 13,73 e a da Cidade do México com menos 13,34. Os mercados de ações do Brasil, da Argentina e do México registraram as maiores quedas. Os pobres dos países pobres hipotecam a vida.

Depois aparece o pessoal do FMI para dar uma força e emprestar dinheiro, porque o negócio é manter a subsistência dos pequenos sem acabar com a galinha dos ovos de ouro. Claro, o padrão de subsistência é dramático e a receita inclui inevitavelmente desemprego, recessão, aumentos de impostos, de combustíveis, tarifas públicas e taxas, precarização dos serviços públicos e uma legião cada vez maior de excluídos. Como o Brasil é bom aluno, antes que o FMI recomendasse, fez a lição. O diretor-gerente do FMI, Michel Camdessus só teve o trabalho de dar “as boas-vindas ao pacote, que atesta a determinação do governo”, mais ocupado que está com a economia dos agora mansos tigres asiáticos.

Neste, como em qualquer outro jogo, os riscos são permanentes e o equilíbrio é sempre instável. A quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929, e a Segunda Guerra Mundial, em 1945, decorreram da adoção dos então princípios liberais, hoje neoliberais, como única forma de conduzir a política e a economia. O estrago foi tão grande que nos anos 50, para administrar a crise mundial, emerge o chamado Estado de Bem-Estar Social. Os governos nacionais assumem o planejamento da economia e os organismos internacionais executam planos para desenvolver as economias mais pobres. Em boa parte, o processo de industrialização do Brasil resultou deste quadro internacional. Mas agora que o discurso da qualidade total substituiu o da qualidade de vida, que o incremento da economia nacional e do mercado interno deu lugar à globalização, nada disso será mais possível. Aliás, nossas possibilidades, por enquanto, não ultrapassam a condição de exclusão social.

* Luiz Carlos Barbosa é jornalista, editor-executivo do Jornal Extra Classe

** Angelo Dal Cin é sociólogo e professor, especialista em Ecologia Humana, dirigente do Sinpro/RS

Marcha dos Sem unifica protestos contra o governo

Renato Hoffmann
A sem-terra Julieta Zang, 46 anos, descansa sob a sombra das árvores da Praça da Matriz. Repousa seu corpo franzino, depois da longa caminhada, cuja última etapa foi iniciada em Canoas, a 20 quilômetros dali. Explica que decidiu participar da Marcha dos Sem, que reuniu cerca de seis mil manifestantes em Porto Alegre, dia 28 deste mês, “porque os assentamentos que o governo federal vem fazendo não mexem com o latifúndio”, e “porque falta saúde, educação e crédito para quem trabalha no campo.”

Natural de Iraí, há dez meses Julieta espera pelo assentamento definitivo, morando com o marido e um filho debaixo de uma lona preta, no acampamento do Movimento dos Sem-Terra (MST) em Santo Antônio das Missões. Ela veio a Porto Alegre, junto com outros 130 acampados, engrossar a marcha convocada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e MST. O protesto reuniu desempregados, pequenos produtores, funcionários públicos, aposentados e estudantes num coro contra os governos do presidente Fernando Henrique e do governador Antônio Britto.

“Nós acreditamos que a luta é de todos, por isso estamos apoiando os trabalhadores de outras categorias”, disse Julieta. “Esse ato é uma demonstração de descontentamento e de unidade da classe trabalhadora”, afirmou Adão Nunes da Silva, 65 anos, de Caxias do Sul. “Esses governos já mostraram que são insensíveis e o povo não aguenta mais a miséria, o desemprego e a quebradeira de empresas.” Torneiro-mecânico aposentado, com uma renda de R$ 350,00 mensais, Silva lembrou os 15 mil desempregados de sua cidade. Segundo ele, “a globalização é a mesma coisa que no passado se chamava de imperialismo, ou seja, são os países ricos se apossando das nossas riquezas.”

“Tem que caminhar muito pra se conquistar o que se quer”, receitou o pequeno agricultor Renato Inácio Majolo, 46 anos, de Três Passos. “Pequeno agricultor falido”, corrigiu. Esta foi a primeira vez que Majolo participou de uma manifestação política em Porto Alegre. Calçando chinelos que deixavam à mostra um par de pés inchados pela caminhada, o trabalhador rural observava atentamente os pronunciamentos das lideranças do movimento em frente ao Palácio Piratini.

Por várias vezes ele precisou procurar uma melhor posição para enxergar a apresentação do grupo Oi Nós Aqui Traveíz por entre os corpos dos soldados do Batalhão de Choque da Brigada Militar enfileirados à sua frente. O comando do policiamento da capital informou que foram recrutados 400 homens e mulheres para a segurança da manifestação.

O encontro das seis caravanas vindas de vários pontos do interior do estado aconteceu a partir das 8 horas da manhã, na entrada de Porto Alegre, junto ao monumento do Laçador. Às duas da tarde, a fila no corredor central da avenida Farrapos tinha mais de dois quilômetros de extensão. Naquele momento, os organizadores calculavam em 15 mil o número de manifestantes, enquanto as rádios falavam em “pouco mais de mil pessoas”.

A guerra não era só de números. Havia uma batalha para vencer o calor de 30 graus centígrados, que não deu trégua um só minuto. Um caminhão pipa do Departamento de Água e Esgoto (DMAE) da Prefeitura de Porto Alegre, misturado à passeata, ajudou a aliviar o sacrifício.

Uma chuva caiu sobre as cabeças dos participantes da marcha na avenida Mauá. Em vez de água, era papel picado, lançado do alto dos edifícios. Na chegada à Praça da Matriz, a sombra do arvoredo ficou tão convidativa que a maioria dos manifestantes não resistiu e se espichou sobre o calçamento. Muitos aproveitaram para repor as energias, comendo merendas trazidas nas sacolas.

Enquanto “enganava o estômago”, a sem terra Julieta ia lembrando que no acampamento – para onde retornou após a marcha – a comida é à base “de arroz tipo 5, feijão que não cozinha e farinha de trigo”, doados pelo Incra. “O resto a gente mesmo compra com o dinheiro dos que conseguem algum trabalho.

Há 15 dias, um incêndio destruiu todo o estoque de suprimentos do acampamento. Por isso, os acampados que vieram a Porto Alegre aproveitaram para fazer uma visita à sede do Incra e reivindicar um novo lote de alimentos.

REIVINDICAÇÕES – Durante a Marcha dos Sem, uma comissão de lideranças do movimento conseguiu entregar ao chefe da Casa Civil, Mendes Ribeiro Filho, um documento contendo reivindicações emergenciais. Eles pediram 20 mil lotes urbanizados e 10 mil casas polulares para os sem-teto, reajuste de 34% para o funcionalismo público estadual, isenção de taxas de luz e água para os desempregados, seguro agrícola e recursos para os assentados.

O Movimento da Cidadania em Defesa das Estatais, por sua vez, protocolou na Assembléria Legislativa uma emenda popular, com mais de 60 mil assinaturas, contra a privatização da CRT. Foi a primeira emenda deste tipo apresentada no Legislativo gaúcho após a promulgação da Constituição Estadual.

Apaepers quer cumprimento de legislação especial

Da Redação

A Associação dos Professores Aposentados do Ensino Particular do Rio Grande do Sul (Apaepers) está decidida a fazer com que a Lei Municipal de Porto Alegre 7076, de 1992, seja respeitada. A legislação garante o atendimento prioritário a idosos, gestantes e deficientes, sem que precisem esperar em filas em estabelecimentos comerciais, instituições bancárias e órgãos de atendimento ao público. O presidente da Apaepers, Bartolo Perez, adverte que muito dos pontos comerciais e, principalmente, bancários não estão seguindo o que a lei determina.

Em setembro passado, dirigentes da Apaepers denunciaram à Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic) o não cumprimento da lei. Na época, o secretário José Carlos Vianna Moraes, prometeu a fiscalização nos estabelecimentos. Também garantiu o envio de um ofício às entidades das empresas e órgãos, exigindo o cumprimento da legislação. Para reclamações sobre o não cumprimento do direito, a Smic colocou ainda à disposição o telefone 214-1700, ramal 1760.

Um mês depois, a Apaepers também remeteu uma correspondência ao presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), desembargador Celeste Vicente Rovani, solicitando que a lei 7076 fosse estendida às eleições, concedendo o direito dos idosos votarem sem a necessidade de esperar em filas. A oficial de gabinete da presidência do TRE, Ana Maria Potthoff, garantiu à entidade que já existe orientação do TRE no sentido de priorizar a pessoa idosa durante o ato de votar. Basta para isso que seja solicitado ao presidente de mesa tal atendimento.

A Apaepers está enviando comunicação a outras entidades representativas de trabalhadores aposentados para que trabalhem juntos na fiscalização e aplicação também desta lei.

Confira a lei
– Terão atendimento prioritário em todos os órgãos e entidades da administração municipal de Porto Alegre, estabelecimentos bancários e comerciais as pessoas idosas, as portadoras de deficiência física e as gestantes;

– Entende-se por atendimento prioritário a não obrigatoriedade das pessoas protegidas pela Lei 7076/92 a esperarem em filas;

– Considera-se pessoa idosa aquela que comprovar idade superior a sessenta (60) anos;

– Consideram-se gestantes aquelas mulheres cujo aspecto físico permite identificação visual;

– Os estabelecimentos bancários, comerciais e órgãos de atendimento ao público deverão criar as condições necessárias ao pleno cumprimento da legislação e deverão afixar, em local visível, cartazes que dêem ciência aos usuários da prioridade no atendimento.

Notas 

Golpe nos sindicatos
Dos 1,3 bilhão de trabalhadores que formam a mão-de-obra mundial, 233 milhões (17,9%) estão sindicalizados, de acordo com o relatório anual O trabalho no mundo – 1997/1998, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado no início deste mês. A OIT explica essa situação pela redução do emprego no setor público, pela intensificação da concorrência e pela diminuição da parte de emprego no setor de manufatura. Também, por mudanças políticas ou legislativas adotadas por vários países e a globalização. Em dez anos, a baixa nos sindicatos foi de 10% em 64 países, tendo passado de 182 milhões de sócios para 164 milhões.

Influência sindical
Segundo o diretor-geral da OIT, o belga Michel Hansenne, há mudança radical nas relações profissionais, mas não uma perda de poder dos sindicatos em escala mundial. Na maioria dos países, de acordo com Hansenne, os sindicatos teriam conseguido manter sua influência, consolidando efetivos em setores-chave, recrutando membros em áreas novas e elaborando estratégias inovadoras de negociação.

Novas estratégias
Entre as propostas da OIT para recuperar o quadro, está a oferta de serviços de um novo tipo, como vantagens sociais complementares, ajuda na busca de emprego, etc., recrutamento de novos membros (mulheres, jovens, trabalhadores do setor informal), desenvolvimento de cooperação internacional e montagem de novas alianças com ONGs e grupos de consumidores.

Trabalho infantil
O Brasil é um dos poucos países que não ratificaram a convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que proíbe o trabalho para menores de 15 anos de idade. O governo explica o motivo: um artigo da Constituição de 1988 que permite o trabalho a crianças de 12 a 14 anos. No final de outubro, FHC enviou ao Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional que torna ilegal o trabalho para crianças de até 14 anos.

Os poupados
Médicos, professores e orientadores educacionais poderão ser poupados pelo governo na demissão de 33 mil servidores públicos sem estabilidade, prevista para janeiro como parte do pacote fiscal. A secretária-executiva do Ministério da Administração, Claudia Costin, disse que o governo pretende preservar servidores de áreas como educação, saúde e reforma agrária, consideradas prioritárias.

Restrição à mulher
As mulheres trabalhadoras do Brasil ainda enfrentam restrições. Entre as dificuldades, remuneração mais baixa em relação à do homem, independentemente do preparo acadêmico ou experiência profissional, discriminação para o acesso aos postos de trabalho, para a ascensão profissional e até para o próprio exercício do trabalho. São algumas das conclusões do 13º estudo elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Diesse), com apoio do Fundo para a Eqüidade de Gênero, do Canadá.

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