OPINIÃO

Ana Aurora do Amaral Lisboa

Barbosa Lessa / Publicado em 6 de abril de 1998

Nasceu em Rio Pardo em 1860 e, desde a adolescência, apaixonou-se pelo sonho de vir a ser professora. Seu pai, comerciante relativamente rico, teve condições de encaminhá-la a Porto Alegre, onde cursou os vários anos da Escola Normal e realizou a proeza de ter obtido nota dez em todas as disciplinas do último exame.

Mas não conseguiu ser nomeada, sob a alegação de que em Rio Pardo não havia nenhuma vaga no magistério público.

Insistiu o quanto pôde. E terminou estreando no distante povoado de João Rodrigues (hoje Ramiz Galvão), porém com o inconveniente dos diários deslocamentos a cavalo, de tílburi ou de carrocinha.

No período que se seguiu à proclamação da República, os seus irmãos mais velhos se envolveram em manifestações políticas contra o presidente Júlio de Castilhos e, numa espécie de punição por tabela, o governo pretendeu transferi-la para ainda mais longe, no povoado de Vila Rica. Pediu demissão do ensino público.

Com ajuda da irmã Zamira, fundou na vila de Rio Pardo o “Colégio Amaral Lisboa”. E passou a encarar sua missão como um verdadeiro apostolado, a ponto de optar por permanecer solteira: uma forma de dedicação exclusiva às suas obrigações de educadora.

Pelo alto padrão de ensino oferecido, desde logo o Colégio atraiu a piazada pertencente às classes mais abastadas da região. Mas, com o passar do tempo, Ana Aurora foi inventando certas novidades perturbadoras. O filho do fazendeiro, que pagava matrícula e mensalidades, era tratado com a mesma consideração dispensada ao negrinho filho de ex-escravos, que nada podia pagar. Deliberadamente, eram assentados, lado a lado, no mesmo banco, o filho de um “chimango” e o filho de um “maragato”.

E ao longo do ano letivo a turma ia encenando pequenas peças teatrais, compostas pela professora, com títulos incomodativos: “Não saber ler!”, “A culpa dos pais”, “As vítimas do jogo”, “Quem tudo quer…”

Gradativamente abandonada pelos alunos pagadores, ela foi entrando em processo de crescente empobrecimento, mas sem desistir de sua paixão. E ainda em 1915 trouxe mais uma escandalosa novidade: a abertura de aulas noturnas, gratuitas, para adultos que quisessem aprender a ler e escrever – vale dizer, o primeiro “curso supletivo” no Brasil.

“Que maluca!”, hão de pronunciar muitos dos que agora lêem esta resumidíssima biografia. “Que santa mulher!”, poderão dizer outros, achando que, sob certos aspectos, nossa sociedade atual bem que estaria precisando de muitos exemplos tais como o de Ana Terra, imaginada por Érico Veríssimo, ou Ana Aurora, em carne e osso.

*Luiz Carlos Barbosa Lessa é historiador, folclorista e escritor

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