EDUCAÇÃO

Ação urgente pela Vida

Dóris Fialcoff / Publicado em 5 de maio de 1998

Talvez você já tenha encontrado com eles, em alguma dessas noites de sexta-feira. São jovens, bonitos, saudáveis, com bom nível de instrução, que andam em bando pelos bares da moda. De panfleto na mão e sorriso no rosto, a cada semana, um grupo de 60 voluntários — entre os 1.600 cadastrados — da Fundação Thiago Gonzaga sai pela cidade espalhando, com a linguagem deles, o que sua campanha tem a dizer: Vida Urgente. É um toque no sentimento de amor e preservação à vida. “Eu fui para a Fundação porque os jovens podem ter consciência sem que um desastre o faça”, justifica Luciano Fernandes Cazorla, 20, estudante de publicidade, um dos participantes dessas ações de sextas à noite, que chamam Madrugada Viva. “No Madrugada Viva a gente fala com os jovens, não é só um cartaz”, explica Luciano, dizendo que acredita obterem resultados positivos pela identificação entre eles – afinal são todos mais ou menos da mesma idade.

Mas, a Vida Urgente, tragicamente, começou com morte, e pior, com morte prematura. A perda do filho Thiago, de 18 anos, em um “acidente evitável”, há dois anos, fez a arquiteta Diza e o professor Régis Gonzaga pensarem nisso: vida, e Vida Urgente. Primeiro foi o livro, onde a mãe desabafou a perda do filho, publicou algumas coisas escritas por ele. “Eu até nem sabia que ele se preocupava com questões como a situação dos presos, racismo, menor abandonado”, se envaidece ela. Depois, do jeito que as coisas andaram, tudo foi conseqüência: nasceu a campanha Vida Urgente, e com ela, a Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, em Porto Alegre.

Diza dimensiona a gravidade do assunto: “as estatísticas dizem que a primeira causa de morte de jovens do sexo masculino é o trânsito, que eles morrem a menos de 30 quilômetros de casa e, normalmente, nas madrugadas de sexta-feira para sábado, e de sábado para domingo”. Para assinalar ainda mais a seriedade do quadro, ela conta o que um médico lhe disse, quando participavam de um congresso de Medicina: “a morte dos jovens por doença é tão pequena que não entra em estatística”.

Diza Gonzaga, como presidente da Fundação, é muito solicitada para palestras em escolas. Só no ano passado foram 70. A maioria, a pedido dos próprios alunos. “Eu cheguei à conclusão que a campanha Vida Urgente está conseguindo, de uma certa maneira, atingir os jovens, porque ela fala uma linguagem diferente da campanha de trânsito que está aí, dos governos ou institucional”, opina. Ela acredita que isso acontece por que “tem o lado emoção, verdade, afinal é o depoimento de uma mãe”. Ela relata que quando está, às vezes falando para mil jovens, todos ficam em um silêncio absoluto. “Talvez eles se identifiquem: poderia ser a minha mãe, o Thiago poderia ser meu amigo”, analisa, explicando que o trabalho que quer fazer é o de desmitificar a figura do herói. Há outra frase de Diza que esclarece bem o que quer a Fundação Thiago Gonzaga: “ser babaca, não é dizer para o amigo: cara, vai mais devagar; você bebeu, deixa o fulano dirigir; ou então vamos de táxi porque você passou na bebida. Ser babaca é morrer com 18 anos!”

Para Luciano, um dos voluntários, o trabalho que a Fundação realiza junto às escolas é ainda mais eficaz do que na Madrugada Viva. “Nelas, a Fundação chega antes do adolescente tirar carteira”, opina. “No Madrugada Viva, temos que tentar reverter uma mentalidade já instituída”.

ÁLCOOL – “A campanha não é contra bebida, isso eu deixo bem claro. É a favor da vida. Agora, têm coisas que não combinam, como bebida e direção”, esclarece Diza. Segundo ela, a recomendação nesses casos, aproveitando a característica da garotada de andar em turmas, é a de que para quem vai dirigir, só refrigerante. “Isso, de sair em cinco e um não beber, é comum nos Estados Unidos, é a cultura deles”, ilustra. “A nossa cultura é mentirosa, e eu digo para eles: vocês estão caindo como uns patinhos, uma cultura que não foram vocês que inventaram, foi a minha geração, até antes”.

Diza avalia positivamente o fato de que, com o novo Código Nacional de Trânsito, a primeira habilitação não será definitiva. Segundo ela, a partir de informações do Detran e da SMT, 80% dos que fazem a primeira habilitação têm entre 18 e 24 anos. “Era muito mal feita a carteira, aliás, sem hipocrisia, era uma marmelada. Era subir uma lomba, parar no meio, quando não se comprava a carteira, que a gente sabe que era praxe. Eu coloquei no livro um bilhete do Thiago para a Zero Hora, denunciando que ele esteve junto aos despachantes do Detran e que a carteira custava de R$ 80,00 a R$ 120,00”. Por isso, ela acredita que a implantação dos Centros de Habilitação será uma boa medida. Mas salienta que o novo código, por mais rígido que seja, sozinho não vai mudar a realidade: “eu acho que os problemas de trânsito não são para uma Secretaria de Segurança, Secretaria dos Transportes. É uma questão de educação”.

Mas preocupa-se com a possibilidade das escolas fazerem da educação para o trânsito uma coisa chata. Ela recomen-da criatividade e revela que a Fundação está trabalhando em um projeto para oferecer às escolas, gratuitamente, sugestões de como levar o assunto. “Não precisa ensinar que no sinal amarelo tem que parar, porque cada um sabe, isso aí é o de menos. O que precisa é mudar essa cultura, ensinar as regras de comportamento seguro no trânsito”. Luciano, ao detalhar o trabalho dos voluntários no Madrugada Viva, comenta que a receptividade é muito boa, alguns perguntam coisas e outros contam experiências suas ou de familiares e conhecidos. “Só uma vez uma guria olhou para mim e disse para eu não ir com aquele papinho”, lembra.

Não são poucas as escolas que já fizeram alguma atividade em parceria com a Fundação. O diretor do Colégio Protásio Alves – escola estadual de 2º grau, Wilson Bandeira, conhece a Fundação desde o seu início, há dois anos. Desenvolveram ações em parceria, como distribuição panfletos aos motoristas, em frente à escola, que se localiza na Avenida Ipiranga, local de muito tráfego. “Nós consideramos o seu trabalho muito importante, chega no jovem”, opina Wilson, acrescentando que para todo trabalho que realizam com os alunos, na prevenção ao uso de drogas, e à Aids, por exemplo, sempre procuram “alguém que tem essa linguagem jovem, como a da Fundação”.

Provavelmente a Fundação Thiago Gonzaga é a única instituição não governamental dedicada a essa causa no Brasil. Diza Gonzaga acha que não devem existir mais porque o problema de trânsito sempre foi visto como do governo e Secretaria de Segurança. Ela atribui a isso o fato da Fundação estar sendo divulgada na Quatro Rodas, na Folha de São Paulo, Fantástico, Jornal da Bandeirantes, Faustão, e em tantos outros espaços da mídia.

A Fundação vive do recurso da venda do livro, e tem acontecido muito de ser adotado em escolas. As ações da entidade recebem apoio de várias empresas, sempre em material ou serviço, nunca monetário. Diza conta, emocionada, mostrando um envelope cheio de provas para adesivos, que a criação e a arte final dos adesivos é feita pelos próprios jovens voluntários. Várias cidades do Rio Grande do Sul já deram um jeito de levar a campanha para sua gente. A Fundação Thiago Gonzaga fica na av. Venâncio Aires, 162/603, em Porto Alegre, CEP 90040-191. Telefone: (051) 221.6899. Além do livro, também estão à venda camisetas e moletons com o slogan da campanha. Contatos pelos endereços na internet www.sispronet.com.br/vida e vida@sispronet.com.br

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