OPINIÃO

O RS em rota de colisão

Mário Maestri / Publicado em 29 de outubro de 1998

Por três vezes, os gaúchos pronunciaram-se contra as soluções propostas pelas elites nacionais. Em 1991, rejeitaram a modernidade global “collorida”. Quatro anos mais tarde, negaram seu voto ao erudito clone político do jovem alagoano.

Em outubro passado, apesar de uma lei eleitoral à medida do continuísmo, da manipulação mediática e das pressões do poder econômico, o extremo-sul do Brasil votou, quase isolado, contra a recondução de FHC. E fez mais. Deu a vitória a Olívio Dutra, candidato nascido de uma articulação de sindicalistas com a esquerda petista, modificando sensivelmente o cenário político nacional, muito favorável às forças populares.

O comportamento eleitoral gaúcho tem sido explicado como resultado de uma simples vocação oposicionista, quase atávica, ao estilo se hay gobierno, soy contra!

No passado, o RS conheceu ambiciosa reforma agrária. Milhares de imigrantes foram assentados na encosta da Serra, democratizando-se a posse da terra e desequilibrando-se as elites latifundiárias. O RS possuiu uma das melhores redes de ensino público. As desigualdades sociais gaúchas não alcançam a dimensão de outras regiões do Brasil.

A formação sócio-histórica sulina dificulta a manipulação da vontade eleitoral. Consciente ou inconscientemente, a população rejeita políticas que ameaçam comprometer ainda mais uma situação crescentemente difícil. Os gaúchos apenas expressaram a vontade de mudanças profundas reprimida no resto do Brasil.

A população sulina sinalizou, três vezes, sua oposição a projetos anti-populares. E a história deu-lhe, sucessivamente, razão. Primeiro Collor de Mello, a seguir FHC, declararam com todas as letras, que os brasileiros deveriam embarcar no bonde da globalização. Havia que abrir as fronteiras; privatizar os bens públicos; flexibilizar as relações de trabalho; transformar o Estado em criatura liliputiana.

Se o Brasil seguisse essas receitas, o futuro lhe estaria às portas. Cresceria a produção; aumentaria o emprego; os salários seriam excelentes; o privado forneceria saúde, educação, segurança e tudo mais, melhor e por um preço social menor. O Brasil chegaria finalmente, ao Primeiro Mundo!

Deu no que deu. Oito anos após a proposta modernizante, o Brasil encontra-se de joelhos, estendendo a mão aos organismos financeiros mundiais. A dívida externa e interna dispararam. O balanço comercial despencou. O desemprego explodiu. O patrimônio nacional foi vendido, a preço de amigo, para nacionais e estrangeiros, acelerando a exportação de capitais. Jamais a população esteve tão desassistida no relativo à saúde, à segurança, à educação, à esperança. O brasileiro teme até ao comprar um remédio em uma farmácia.

Jamais um presidente começou o mandato com menor consenso social. Mesmo assim, o governo federal quer transformar o Brasil em uma espécie de fazenda que produza imensas riquezas, a serem enviadas ao exterior, a fim de satisfazer compromissos contraídos à margem da vontade popular.

FHC propõe-se simplesmente aprofundar o desemprego; liquidar, a preços ainda mais amigos, o que sobrou dos bens públicos; diminuir os investimentos sociais. Propõe que o cidadão continue pagando, de todos os modos, uma nota, cada vez mais salgada, por serviços que serão prestados a terceiros! Proposta que jamais seria feita no Primeiro Mundo!

Se aprovado o atual pacote pelo Congresso Nacional, como nos velhos tempos da escravidão, governadores e prefeitos passarão, simplesmente, a feitorizar, sur place, de bacalhau na mão, populares miseráveis, em prol dos senhores absenteístas, nacionais e internacionais. E como no tempo do cativeiro, serão o primeiro objeto do ódio dos miseráveis.

Em outubro, o RS conheceu o constrangimento de uma intervenção eleitoral presidencial indevida, punida prontamente pela justiça competente. A população gaúcha levou a Frente Popular ao governo na expectativa de mudanças e melhorias reais. Elas só serão possíveis se forem vergadas, ao menos em parte, as atuais orientações federais. Certamente o respeito, na letra e no espírito, do pacto federalista será uma das principais reivindicações do governo da Frente Popular e do povo gaúcho, diante do governo federal.

* Mário Maestri, doutor em História pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica, é professor da Universidade de Passo Fundo e autor, entre outros livros, de: O escravo gaúcho: resistência e trabalho.

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