OPINIÃO

Não saia de casa

Publicado em 28 de abril de 1999

O admirável Carlos Heitor Cony, que já andou certa vez pelas páginas deste jornal dando seus palpites sobre a selva de pedra que é o Brasil, não nos deixou esquecer uma tirada de mestre de outro notável cronista, o Leon Eliachar. Sob o título de “Como Sobreviver a um Assalto”, Eliachar – que nem brasileiro era, nasceu na egípcia Cairo – enumera dez maneiras práticas para se safar do constrangimento de encarar um larápio. Ei-las:

“1)Não sair de casa; 2)não ficar em casa; 3)se sair, não sair sozinho, nem acompanhado; 4)se sair sozinho ou acompanhado, não sair a pé nem de carro; 5)se sair a pé, não andar devagar, nem depressa, nem parar; 6)se sair de carro, não parar nas esquinas, nem no meio da rua, nem nas calçadas, nem nos sinais. Melhor deixar o carro na garagem e pegar uma condução; 7)se pegar uma condução, não pegar ônibus, nem táxi, nem trem, nem carona; 8)se decidir ficar em casa, não ficar sozinho nem acompanhado; 9)se ficar sozinho ou acompanhado, não deixar a porta aberta, nem fechada; 10) como não adianta mudar de cidade ou de país, o único jeito é ficar no ar. Mas não num avião”.

Cony acrescenta um décimo primeiro item ao espanto escrachado de Eliachar com a incontrolável violência urbana, isso que o segundo escrevia ainda na romântica (mas nem por isso inocente) década de 70: “11)não amar a mulher do próximo, nem a própria”. É como se tivéssemos de abdicar da própria vida para evitar a violência que, em outras palavras, está no meio de nós.
Longe de querer transformar esse tema em matéria sensacional, o Extra Classe procura, nesta edição, desvendar os caminhos que fazem as pessoas abdicarem de uma vida dedicada ao prazer e à diversão para exercitarem o lado mais brutal da humanidade. Alguns enxergam prazer na violência, é verdade, e para que comportamentos desse tipo prosperem todos – sem exceções – colaboram. Mas há também verdadeiros pedidos de socorro nas manifestações de vandalismo e estupidez, como mostra a reportagem de Luiz Carlos Barbosa e Stella Máris Valenzuela. Os jovens, em resumo, querem e têm direito ao carinho e atenção dos pais, que pode se resumir não apenas no afeto diário, mas também em orientações sobre o que pode e o que não pode ser feito na vida.

Na violência urbana, por sinal, o jovem é a parte mais fraca da cadeia. É por ele que essa manifestação mais se concretiza, é nele que o peso do caos também desaba. As estatísticas revelam que mais de 2 mil jovens perdem a vida de modo violento a cada ano no Rio Grande do Sul, o que dá a absurda marca de cinco mortes por dia. Nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo esse número é ainda maior. O que nos permitiria, acompanhando a ironia de Eliachar e Cony, acrescentar um décimo segundo mandamento ao manual de sobrevivência: 12)não tenha filhos; se os tiver, não permita que se tornem adultos”.

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