MOVIMENTO

A guerra dos números

Gilson Camargo / Publicado em 24 de outubro de 1999

Disputa na aprovação do Orçamento 2000 trouxe de volta as brigas de campanha e as discussões sobre participação popular

A definição da proposta do orçamento para o estado no ano 2000 reacendeu o clima de disputa eleitoral no Rio Grande do Sul, com direito a mobiliza-ções, discursos inflamados e denúncias entre deputados de oposição e a bancada governis-ta na Assembléia.

A proposta inicial, elaborada através do Orçamento Participativo, foi entregue ao Legislativo em 15 de setembro. De 13 a 26 de outubro, o orçamento será submetido às audiências públicas da Comissão de Finanças e Planejamento da Assembléia. Num cronograma paralelo, de 1 a 25 de outubro, o orçamento passa pela avaliação das assembléias populares municipais promovidas pelo Fórum dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes). Depois disso, o OP deverá ser votado em plenário, até o final de novembro, e devolvido ao Executivo. “O orçamento é uma peça de ficção no que diz respeito ao incremento da receita com aumento da arrecadação de impostos, além de não especificar as prioridades eleitas pela população”, ataca o líder da bancada do PMDB, deputado Mário Bernd, que aposta no “Fórum Democrático” como instrumento de oposição ao Orçamento Participativo. A nova consulta, avisa o parlamentar, vai inserir emendas ao projeto do Executivo.

A elaboração da proposta orçamentária mobilizou 190 mil pessoas em 644 assembléias do Orçamento Participativo, realizadas nos 467 municípios do Estado ao longo de cinco meses – de março a julho. Entregue no dia 15 de setembro pelo governador Olívio Dutra ao presidente da Assembléia Legislativa, deputado Paulo Odone, o processo – de quase duas mil páginas – apresenta contornos de ineditismo por ter sido elaborado, pela primeira vez na história, com a participação direta da população nas assembléias do Orçamento Participativo. E prevê dotações orçamentárias para áreas como Educação e Saúde de acordo com os percentuais previstos na Constituição. Totaliza R$ 8,8 bilhões, dos quais R$ 751 milhões se destinam a investimentos.

Os principais gastos, incluindo serviços, projetos e investimentos, elegem a Educação como prioridade absoluta no próximo exercício, com uma dotação orçamentária de R$ 1,913 bilhão (valor que corresponde a 35% da receita líquida de impostos, percentual estabelecido pela Constituição Estadual); a Agricultura, com R$ 222,6 milhões (apresenta um crescimento real de 50,5% sobre o orçamento para o setor em 1998); e a Saúde: R$ 416 milhões ou 10% da receita tributária líquida, também conforme o preceito constitucional. Bernd não vê novidades no orçamento e argumenta que esses percentuais são definidos pela Constituição, embora nunca tenham sido cumpridos pelos governos anteriores.

“Esta proposta vem embebida, encharcada e fecundada pela participação popular. Contém a esperança e o sonho de participação de milhares de pessoas. Esperamos que não seja transfigurada pela Assembléia Legislativa, que é um poder legítimo e insubstituível. É a melhor proposta de orçamento que o Estado já teve em sua história, mas ainda não é perfeita”, advertiu o governador Olívio Dutra ao entregar a Odone o documento recém finalizado pelo Conselho Estadual do OP.

O repasse do orçamento para a Assembléia mobilizou militantes dos partidos da coligação em um ato público misto de comemoração e receio de que as decisões do Orçamento Participativo viessem a ser descaracterizadas por emendas dos parlamentares. “A oposição não entende que, nesse primeiro ano, tivemos que administrar com um orçamento antidemocrático”, argumentou o deputado Vieira da Cunha (PDT) de cima do carro de som estacionado em meio à multidão, em frente ao Piratini.

Na fachada do prédio da Assembléia, assessores de deputados de oposição estenderam uma enorme bandeira do PMDB na janela e receberam vaias. Capaz de interromper o ato por alguns minutos, a provocação confirmava a disposição do PMDB e das demais bancadas de oposição, de combater o Orçamento Participativo através do Fórum Democrático Permanente, instalado no dia 02 de agosto durante um encontro entre deputados estaduais e federais e o ex-governador Antônio Britto. A partir daquela data, o Fórum passaria a ser o cavalo- de-batalha da oposição na tentativa de descaracterizar a proposta orçamentária como resultado do Orçamento Participativo.

A assessoria técnica do PT na Assembléia e o deputado Ronaldo Zulke cobram transparência da Casa em relação às despesas geradas pelo Fórum depois que um documento com o timbre do PMDB de Sapucaia do Sul circulou com uma declaração atribuída ao prefeito Valmir Martins, de que “o Fórum Democrático é uma bandeira de luta do PMDB em contraponto ao Orçamento Participativo, aparelho partidário do atual governo”. A resposta da bancada governista veio na forma de um pedido de informações à Mesa sobre as despesas geradas pelo Fórum. “Uma análise dos gastos da Assembléia no sistema de administração financeira do Estado revela que foram gastos no primeiro semestre deste ano R$ 1,63 milhão em publicidade, a maior parte para a veiculação das propagandas do Fórum Democrático; e R$ 3,25 milhões em outros serviços de comunicação, rubrica na qual estão incluídas as contratações de rádio e demais serviços de comunicação”, denunciou Zulke. Além dos mais de R$ 4,8 milhões gastos em publicidade e contratações de emissoras de rádio sem licitação para cobrir as reuniões, segundo o governo, cada Corede teria solicitado R$ 10 mil (são 22 Coredes ao todo) para a realização das audiências públicas. “As despesas da Assembléia são divulgadas on line no computador de cada deputado e as despesas com os Coredes são uma resolução da Mesa. Se tiver que dar R$ 10 mil e depender da minha vontade, vamos dar, porque esse orçamento vai ser o mais autêntico e mais participativo”, argumenta o deputado Paulo Odone.

Os deputados de oposição, questionam a ausência de detalhamento das obras no projeto e a expectativa de receita com base no aumento da arrecadação de impostos, entre outras fontes. O governo investe na redução do déficit (despesa maior que a receita) de R$ 1,2 milhão herdados do governo anterior para R$ 387,8 milhões. As receitas, de R$ 8,424 bilhões da administração direta, mais transferências de R$ 388 bilhões para a administração indireta, totalizam o orçamento de R$ 8,8 bilhões para o ano 2000. A previsão é de que a diferença entre receita e despesa seja coberta pelo aumento de 9,5% na arrecadação de ICMS, conforme projeções da Secretaria da Fazenda e do Trabalho. E prevê a redução de 13% para 5% no comprometimento da receita líquida com pagamentos da dívida pública.

Bernd também acusou o governo de “omitir” do orçamento as prioridades definidas pelo OP. Segundo ele, uma escola técnica reivindicada pela população em Dom Pedrito não constaria no documento. O peemedebista lança mão da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para cobrar do governo a lista de prioridades definidas pela população no orçamento e acredita que haveria uma manobra por parte do governo. Para Décio Favaretto, coordenador do Conselho Estadual do Orçamento Participativo (COP) o orçamento do Estado deve ficar acima da disputa entre governo e oposição. “A elaboração do orçamento é uma questão que envolve a sociedade e vamos cobrar isso do governo.

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