OPINIÃO

Milênio

Nei Lisboa / Publicado em 19 de novembro de 1999

O pior de toda essa euforia com o reveillon do milênio não é nem o desrespeito com o calendário, nem o descompasso com a situação do país. O pior mesmo são os preços que vai enfrentar quem quiser participar da festinha. Já falaram dos oitocentos reais por uma mesinha de plástico bamba no Pão-de-Açúcar, mas esse tipo de coisa sempre foi para poucos e muito loucos. Nós, os terráqueos, sonhamos é com um bom descanso em uma pousada de Florianópolis, não é mesmo?

Pois bem, fiz um test-drive do verão na Lagoinha, gentileza da “La Caracola”: dez metros de janela frente ao mar, tamanho paraíso que na verdade não tem preço. Se tivesse que pagar, em janeiro? Cento e vinte dólares a diária. Está barato, muito barato. Ali ao lado, noutra pousada, um quarto y baño aguarda a metade da Argentina que vem sambar aqui pela bagatela de cento e cinqüenta bucks. Trezentos reais por dia, que tal? Se já não estivesse lotada para todo o verão, você poderia pensar no assunto. Ouvi falar que o jogo de frescobol com o Guga vem incluído no preço. Eu já me antecipei e fiz reserva: vou seqüestrar alguém na sessão de autógrafos da Feira e exigir o resgate em livros, antes de buscar refúgio em uma pensão de Igrejinha até o milênio passar.

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E a Feira é a Feira do Livro do milênio, como todo o resto (incluindo o Finados do Milênio, bom nome pra bloco deeuforia milênio o descompasso O que participar falaram uma no tipo poucos terráqueos, um pousada é drive gentileza metros tamanho verdade tivesse e barato, lado, y Argentina aqui cinqüenta reais estivesse verão, no jogo vem reserva: alguém da livros, refúgio Igrejinha Livro resto Milênio, de sujo). Não dá pra perder. Já estou compensando a leitura atrasada algumas décadas com dois presentaços de trabalho que o birô recebeu da Sulina: o relançamento de “O Escravismo Brasileiro”, do patrono Décio Freitas, uma vasta aula de História, tão coloquial e agradável que entre um capítulo e outro a gente pede licença ao livro para ir ao banheiro – e volta correndinho; e “Teses por uma Esquerda Humanista e outros textos”, belos textos, do Marcos Rolim, leitura para a militância petista entrar a meia-noite comendo lentilhas e resoluções, do qual surrupiei um trecho para o EC: “O socialismo para a esquerda brasileira é (…) um sentimento vivido como realidade, com o qual se encobre a ausência de um projeto real com algum sentido.” Outro: “O PT não é uma catedral; é uma casa para seres humanos, feita de virtudes e vícios, exposta a chuvas e trovoadas e povoada por lutadores dos mais variados sonhos e pesadelos.”

Pois é. O Aleph Editorial entra em recesso até março ou abril, que este seu criado tipógrafo vai preparar um novo disco, e nada melhor que sair de cena editorando uma dupla de peso dessas. Até o mascote da casa, meu pastor alemão emergente, anda abanando o rabo com uma certa soberba. Se a força da raça, tal como nos homens, não costumasse transformar rapidinho elegância em genocídio, eu levava o Luther pra desfilar nessa Feira.

*Nei Lisboa é cantor e compositor

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