CULTURA

As lembranças de um século

Dóris Fialcoff / Publicado em 23 de dezembro de 1999

Com 102 anos de idade, o jornalista Barbosa Lima Sobrinho narra as inacreditáveis memórias de um mundo em transformação

Barbosa Lima Sobrinho. Um século de vida, um século de coragem profissional e política, um século de contribuição na história do país. Advogado, historiador, jornalista, escritor, ensaísta, professor e político: o brasileiro do século 20.

Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho nasceu em Recife, Pernambuco, em 22 de janeiro de 1897, mesmo ano em que foi fundada a Academia Brasileira de Letras, sob a batuta de Machado de Assis. Filho de Francisco e Joana, herdou o nome de um tio materno, que fora governador de Pernambuco entre 1892 e 1896, que acabou sendo seu primeiro mestre nas lições de patriotismo.

A princípio, Barbosa queria ser advogado e nem pensava em jornalismo. Colou grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais em 1917 – no mesmo ano que foi adjunto de promotor do Recife – e queria prestar concurso para obter uma cátedra na Faculdade de Direito. Entretanto, sua veia jornalística era latente. Logo passou a colaborar na imprensa pernambucana, no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, no Correio do Povo, de Porto Alegre, e na Gazeta, de São Paulo. Já em 1921, quando se muda para o Rio, de cara foi trabalhar no Jornal do Brasil. Foi noticiarista, mais tarde redator político e, a partir de 1924, redator principal. Hoje, 78 anos depois, ele continua escrevendo para esse mesmo veículo onde iniciou sua carreira jornalística. “Só houve uma fase pequena em que tive de interromper, justamente quando o Ulisses Guimarães e eu fomos candidatos de protesto – por não concordar com o Regime Militar instaurado em 1964 – à presidência e vice-presidência da República, em 1973”, conta, orgulhoso.

Porém, sua carreira política começou bem antes, em 1945, quando foi Constituinte. Também foi deputado federal, cargo do qual abriu mão em 1948 para assumir o governo do Estado de Pernambuco. “Fui eleito pelo povo”, afirma Barbosa, comentando que houve, na verdade, uma grande batalha, pois seu diploma foi contestado. Mesmo assim, admite, foi vitorioso com uma pequena margem de votos em relação ao seu adversário. Sua vida de homem público também iniciou bem cedo. Aos 29 anos já foi eleito, pela primeira vez, para a presidência da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), tornando-se assim o mais jovem a assumir o posto na entidade. A partir de 1978, a presidência da ABI, sucessivamente, a cada dois anos, tem estado novamente nas mãos do centenário jornalista.

Nacionalista assumido aos quatro ventos, não se cansa de bater contra o neoliberalismo, anunciando sem pudores que Fernando Henrique Cardoso está muito mais preocupado em seguir as orientações da moda intenacional do que em tratar dos verdadeiros interesses nacionais. Em 1992, Barbosa foi o primeiro a assinar publicamente o processo de impedimento do ex-presidente Fernando Collor de Mello. “Fiz isso porque achei que o Collor tinha começado uma política entreguista. E não há dúvidas que se fizessem um protesto contra o Fernando Henrique eu não teria condições de recusar”, confessa.

Em relação ao jornalismo brasileiro, considera-o vítima: “recorre aos artigos para poder manter o seu quadro e pagar os seus redatores. Aí está a explicação porque todos os jornais, de certa maneira, defendem os interesses desses financiadores”,avalia o presidente da ABI. “O meu jornal de todos os dias é a Tribuna da Imprensa”- um jornal de resistência à ditadura militar -, de Hélio Fernandes (irmão de Millôr Fernandes), com todos os aspectos que ele assumiu. Eu leio todos os dias o JB porque tenho que acompanhar, mas não perco os artigos de Hélio Fernandes”.

Barbosa Lima Sobrinho, na sabedoria dos seus 102 anos, diz ter impressão de que o público é o real código de ética da imprensa, “porque quem compra o jornal o faz por afinidade com suas idéias, de modo que não adiantaria nada um código de ética para pessoas que tivessem um pensamento diferente. Não há melhor código de ética do que o comprador do jornal”, radicaliza. E a sua opinião não é muito diferente quanto à Lei de Imprensa. Se diz combativo a todas elas, uma vez que as acha inúteis. “O próprio Código Penal admite a punição de certos crimes. Mas, quantas pessoas recorrem apoiadas no CP?”, questiona, ironizando: “Inclusive, quando alguém propõe uma determinada ação, isso faz com que o jornal fique mais hostil com o proponente. Essa reação dos próprios jornais acaba com a possibilidade dos processos com a Lei de Imprensa”.

Escritor eleito em 28 de abril de 1937 para a Cadeira número 6 da Academia Brasileira de Letras, na sucessão de Goulart de Andrade, escreve de contos a ensaios, sempre em uma velha máquina de escrever, envolto pelos mais de 40 mil livros de sua biblioteca. Mas, há alguns anos dedica-se a livros de economia política, “fundamentais para a saúde de qualquer nação”.

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