GERAL

Muçulmanos adotam o sul

Dóris Fialcoff / Publicado em 23 de março de 2000

Um dos povos mais antigos do mundo, descendentes dos fenícios se dedicaram ao comércio e rumaram em peso para o estado ao imigrarem para o Brasil

Saleh Baja tinha 21 anos quando deixou sua terra natal, a Palestina. Da pequena cidade de Saffa, que fica a 27 quilômetros de Jerusalém, ele saiu rumo ao Brasil, país do qual sabia um pouco da história e da geografia e que escolhera para tentar a vida. Segundo ele, isso foi em novembro de 1953, quando começou a migração dos palestinos, depois da criação do Estado de Israel. Ao chegar, instalou- se no município de Lins, em São Paulo, tentou trabalhar como agricultor, mas, “não consegui por falta de apoio do governo”, confessa Baja. Dois anos depois, resolveu vir para o Rio Grande do Sul, estado que ele acredita “ter muito do sistema dos árabes, o clima, a cultura”. Aliás, os números confirmam isso, uma vez que 60% dos muçulmanos que vieram para o Brasil estão no estado. Quanto às dificuldades com o português, ele conta que foi um pouco complicado no início, pois ele falava sua língua mãe, o árabe, e inglês. “Mas não foi muito difícil porque eu era jovem e decidido. Depois de um ano eu já falava e escrevia”, orgulha-se, sorrindo ao comentar que o sotaque, sim, esse não teve jeito, ainda o acompanha.

No estado ele passou primeiro por Dom Pedrito, Santa Cruz do Sul até finalmente chegar a Canoas, onde já vive há 35 anos. Sua principal atividade é o comércio, uma característica marcante do seu povo que, como ele mesmo diz, é descendente dos fenícios, os primeiros comerciantes do Oriente Médio. Entretanto, Baja faz questão de destacar que “não há um palestino analfabeto, a maioria fala pelo menos dois idiomas é o segundo povo na vanguarda do ensino superior”. Agora, aos 68 anos, casado e com 11 filhos, se orgulha de ser um religioso destacado do Rio Grande do Sul, sendo muitas vezes convidado para ministrar palestras sobre o islamismo para estudantes universitários e também a sociedade em geral.

Para explicar um pouco sobre sua religião, Baja ensina que o profeta Abraão foi o primeiro muçulmano da humanidade – primeiro a falar em islamismo e é no Deus dele que acreditam, Alá. Seu livro Sagrado, o Alcorão, reúne as revelações de Deus recebidas por Mohammad, por intermédio do anjo Gabriel. Segundo informações do Centro Cultural Beneficente Árabe Islâmico de Foz do Iguaçu (www. islam.com.br), tão logo Abraão começou a pregar a verdade Divina, ele e seu pequeno grupo de seguidores sofreram perseguições, que se tornaram tão violentas que no ano de 622 Deus teria lhes ordenado que emigrassem. Esse evento, a Hégira, no qual eles se mudaram de Meca para a cidade de Medina, marca o início do calendário muçulmano, que é lunar.

O islamismo é regido por cinco pilares: a fé (não há outra divindade além de Deus e Mohammad é seu mensageiro), a oração (as orações obrigatórias são praticadas cinco vezes ao dia), o interesse pelo necessitado (zakat), a autopurificação (jejum) e a peregrinação a Meca (Hajj, uma obrigação somente para aqueles que são física e financeiramente capazes).

Em relação ao jejum, todo ano, durante o mês de Ramadan (o nono mês do ano no calendário muçulmano), todos jejuam desde a alvorada até o pôr-do-sol, abstendo-se de comida, bebida e relações sexuais. De acordo com Baja, o jejum significa “saber o que é passar fome e lembrar os pobres, obediência correta a um Deus único, férias anual ao aparelho digestivo e aprender a ser forte, descobrir a própria força”.

No islamismo não há uma autoridade hierárquica nem padres; portanto as orações são coordenadas pelo Imam, alguém aceito pela comunidade pelo seu bom comportamento e que conheça bem a leitura do Alcorão. “Não acreditamos na intervenção do ser humano, que é como nós”, argumenta Baja. “Se erramos, pedimos perdão direto a Deus”.

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