GERAL

Telefonia e energia são as campeãs em queixas

Ricardo Pont / Publicado em 10 de agosto de 2000

Quatro anos depois da abertura para a livre iniciativa de setores estratégicos, antes

controlados pelo Estado, as primeiras pesquisas realizadas junto aos usuários revelam que o aumento nas tarifas foi tão (e até mais) notado quanto a qualidade oferecida pelas concessionárias. Lideram as queixas os altos custos praticados pela telefonia celular, aeroportos e rodovias pedagiadas, e os problemas, ainda freqüentes, nos serviços de telefonia fixa, tratamento de esgoto e energia elétrica, literalmente colocando abaixo o mito de eficiência atribuído às empresas privadas no passado

A qualidade dos serviços de utilidade pública delegados a empresas privadas, quatro anos após a abertura do estado para a livre iniciativa, divide os gaúchos entre os que preferem pagar pela redução da burocracia, típica das antigas estatais, e os que acreditam que o preço não vale o benefício. Pesquisas apontam que as operadoras de telefonia, os pólos rodoviários e as concessionárias de aeroportos são, na ordem, as prestadoras que recebem o maior número de críticas, em função das tarifas que praticam. Os mesmos levantamentos, publicados periodicamente pela Agergs (Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul), mostram que os serviços de água encanada e energia elétrica, ainda assumidos, em parte, por empresas de economia mista, alcançam os maiores índices de satisfação entre a população.

Para o coordenador do Centro de Apoio da Promotoria de Defesa do Consumidor do Ministério Público Estadual, Paulo Valério Moraes, é cedo, ainda, para que se afirme que a privatização veio em benefício ou em prejuízo do consumidor gaúcho. Segundo ele, a experiência acumulada pelo MP, nos últimos quatro anos, é de que as ações se dividem, sem predominância, entre as que apontam irregularidades nas concessionárias mistas e as que envolvem as prestadoras privadas.

Levantamentos iniciais na área de telefonia, obtidos e divulgados em julho pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), concluem que nenhuma das 38 operadoras que atuam no País teria cumprido, em 18 meses de adaptação, as 80 metas de qualidade estabelecidas pela agência, apesar de terem instalado, em dois anos e meio, o equivalente, em número de linhas, a 12 anos e meio de Sistema Telebrás.

Em entrevista publicada em julho pela imprensa paulista, a consultora do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), Maria Inês Daolci, reconhece que houve melhora, a partir da privatização, pelo menos no que se refere ao acesso à telefonia. Ela adverte, porém, que os problemas persistem e já colocam o consumidor em dúvida sobre a validade real da proporção custo-benefício.

Procon: orgão fiscalizador omitiu-se de opinar sobre o assunto

Foto:René Cabrales

Foto:René Cabrales

Procon: orgão fiscalizador omitiu-se de opinar sobre o assunto

Procurado sem sucesso, ao longo de cinco dias úteis, pelo Extra Classe, o coordenador do Procon gaúcho, Bem-Hur Rava, não quis comentar o assunto. Conforme a assessoria de imprensa do órgão, o diretor teria alegado não ter “conhecimento suficiente” para avaliar a situação dos serviços delegados no estado. Em enquete de rua organizada pela reportagem, o Procon, ligado à Secretaria do Trabalho e Ação Social, é citado pela população como a principal referência para quem pretende encaminhar denúncias sobre serviços supostamente mal-prestados.

Na visão de analistas de mercado, as concessionárias privadas, principalmente as das áreas de energia e telefonia, se encaminham para o chamado “quarto ciclo” da privatização: o do agrupamento de consórcios em grandes blocos, pressionadas pela suposta livre iniciativa, que a partir de metas e indicadores definidos, elege as prestadoras mais eficientes e expõe as menos competentes às vontades do mercado de capitais. As holdings de energia já começam a se agregar. No setor de telecomunicações, o mercado espera que a Anatel antecipe para 2000 as permissões de fusão, previstas para 2003.

Criadas a partir de 97, com o objetivo de assegurar a prestação rápida, de qualidade e dentro do prazo dos serviços públicos concedidos, as agências reguladoras, nesse contexto, correm o risco de se tornar, mesmo que indiretamente, as maiores incentivadoras do nascimento de cartéis e monopólios privados. Isso porque, no objetivo de cumprir as metas traçadas pelos governos no controle de qualidade dos serviços, as autarquias estabelecem padrões, promovem a competição, checam os níveis de custo-benefício e até estipulam tarifas. As pesadas multas emitidas pelas federais Anatel e Aneel (que fiscalizam, respectivamente, telefonia e energia elétrica) podem chegar a cassar contratos e a transformar, aos poucos, a concorrência saudável em uma guerra de titãs.

Conforme o promotor do MP gaúcho Paulo Valério Moraes, o desconhecimento que o consumidor tem das transações de mercado é mais um dos agravantes que contribuem para a injusta queda de braço entre empresas e usuários. Ele explica, com base em tese já publicada em livro, que os consumidores comuns são multiplamente vulneráveis aos prestadores de serviço: não sabem e sequer recebem informações sobre como os benefícios são operados e taxados, não conhecem as leis que regulam a prestação de serviços públicos, não costumam reclamar – já que, geralmente, trabalham em dois turnos – e não sabem fazer valer os próprios direitos ou a quem recorrer caso não sejam bem atendidos.

O MP tem utilizado como base a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor para examinar, predominantemente, denúncias que tenham procedência comprovada e constituam origem comum de dano. O órgão também age de ofício, abrindo inquérito sempre que detecta irregularidades, ainda que sem reclamação. As ações, segundo Moraes, costumam ser rápidas e se valem de liminares até o julgamento do mérito final. Telefonia e saneamento respondem, no MP, pela maior parte das denúncias.

Metas deverão ser cumpridas até 2003

Diferente do Ministério, que recebe também as reclamações de usuários que não foram buscar esclarecimentos junto às prestadoras de serviço, a Ouvidoria da Agergs evita investigar casos em que o reclamante não apresente, antes, um protocolo de atendimento. Na agência, telefonia e energia elétrica lideram os balanços de reclamações. Cada denúncia que rende processo é relatada e examinada pelo Conselho Superior do órgão, que decide o procedimento a ser tomado.

Os primeiros parâmetros de desempenho, definidos pela Agergs para vigorar durante os próximos quatro anos, buscam aperfeiçoar a Lei 11.075, de 98, que institui o Código Estadual de Qualidade nos Serviços Públicos. Os indicadores, que balizarão a fixação de metas em dez setores da economia, foram definidos em 99 por técnicos terceirizados, com base em cálculos estatísticos e modelos pré-existentes, moldados à realidade do estado.

Cinco dos dez setores – energia elétrica, rodovias pedagiadas, estações rodoviárias, portos e hidrovias e irrigação – já têm definidas as metas a serem cumpridas pelas empresas, de maneira escalonada, até 2003 (veja quadro na página 7). Uma segunda leva de indicadores, prevista para o ano que vem, deverá normatizar as concessões de aeroportos, transporte intermunicipal de passageiros, saneamento e inspeção veicular. As exigências já estabelecidas foram aprovadas pela maior parte dos 2,6 mil gaúchos voluntários que auxiliam a Agergs na detecção de irregularidades. As normas serão agora debatidas e aperfeiçoadas por entidades da sociedade civil.

Conforme o conselheiro-presidente Romildo Bolzan, a falta de regulamentação da Lei de Multas, que permanece em discussão na Procuradoria Geral do Estado, impede, ainda hoje, que as vistorias regulatórias feitas pela Agergs rendam punição efetiva. A regulamentação terá de ser definida em forma de decreto, assinado pelo governador

Olívio Dutra. As multas, nesse caso, passariam a incidir também sobre os serviços da Corsan e da CEEE, que são concessionárias, respectivamente, de prefeituras gaúchas e da Aneel. Bolzan presume, porém, que a divulgação prévia de indicadores já contribui para fortalecer a pressão fiscal da população sobre a atuação das prestadoras de serviços.

Resultados comparados de duas pesquisas sobre custo-benefício, aplicadas pela Agergs nos meses de janeiro e setembro de 99, acusam o aumento da insatisfação do consumidor gaúcho em relação às tarifas cobradas pela telefonia e pedágios (80%), energia (77%) e ônibus intermunicipais (51%), apesar do suposto ganho de qualidade no serviço oferecido.

Em pesquisa específica sobre as rodovias pedagiadas, divulgada em abril deste ano pela agência, 94,3% dos usuários entrevistados dizem considerar o preço do pedágio alto demais, apesar de aprovarem, em maioria, as condições de tráfego, limpeza e sinalização das estradas. O valor da taxa, para 28,2% dos usuários, é o que mais incomoda nos pólos privatizados, seguido da falta de acostamento lateral e da estreiteza da pista.

Na área de saneamento, as denúncias que mais chegam à Agergs e ao Ministério Público também dizem respeito à alta das tarifas. Outra reclamação freqüente aponta a cobrança de taxa de esgoto em localidades não-servidas pela rede cloacal.

De acordo com o ouvidor da Agergs, Pedro Chaves, é nos setores de energia e telefonia que as denúncias mais se avolumam. Só em 99, a agência estadual teria repassado à Aneel 220 reclamações procedentes sobre o fornecimento de luz elétrica, a maior parte delas relatando oscilação e queda de energia. No país, foram 400 mil denúncias.
Grande parte das reclamações são encaminhadas à Agergs
Foto; René Cabrales
Em telefonia, as ações da Anatel em território nacional começam a produzir multas, que podem chegar a R$ 50 milhões. Conforme Romildo Bolzan, a lei que rege o funcionamento da agência federal proíbe o estabelecimento de convênios operacionais, semelhante ao que a Agergs mantém com a Aneel.

A ouvidoria estadual, até agora, tem se limitado a remeter a Brasília as queixas que envolvem a CRT, a Telet e a Telefônica. São mais freqüentes as reclamações sobre erros em conta e a demora na concessão de linhas.

Pelos primeiros índices de qualidade divulgados pela Anatel, a ex-estatal gaúcha é a que teve o melhor desempenho, em todo o País, tendo cumprido 67% das metas estabelecidas. A Embratel deverá ser a menos multada. Dos 1.457 procedimentos abertos pela agência pelo não-cumprimento das metas, 20 atingem a CRT. O total ainda poderá aumentar: cinco consultores foram contratados para checar se as informações, prestadas mensalmente pelas operadoras, estão corretas. Entre outros itens, a Anatel fiscaliza o tempo usado no reparo das linhas, contas com erro, cidades servidas, empregos gerados – e em que nível de produtividade, total instalado de orelhões e tempo gasto pelo usuário para completar as ligações.

Com 400 mil novos clientes conquistados só em junho, a CRT, conforme a Anatel, está à frente das demais operadoras no grau de digitalização da planta, na rapidez do atendimento em telefones de serviço e no número de reclamações, reduzido em relação ao resto do País.

Apesar da boa colocação, a companhia gaúcha já contabiliza três derrotas em ações protocoladas pelo Ministério Público. A mais recente delas prevê que os usuários terão que ser notificados sempre que o serviço 102, de consulta à lista, for tarifado. A medida, que começa a valer em agosto, também exige que a CRT revele o preço que cobrará pela informação. Em decisões anteriores, o consórcio foi obrigado a bloquear as linhas 0900 e a depositar em juízo o valor referente às ações prometidas a usuários, em anúncios publicitários, na compra de linhas telefônicas.

O balanço da telefonia contrasta com a quantidade de linhas instaladas. Ainda que estejam longe de cumprir as metas federais, as operadoras continuam crescendo. O incremento nas redes, nos últimos dois anos, foi de 59,9%. Na telefonia celular, a expansão foi ainda maior, de 80%. O total de postos de trabalho gerado pela expansão no setor também já é 81,3% superior, em relação a 98.

O Brasil tem, hoje, uma rede instalada de 32,5 milhões de telefones fixos e de 18,5 milhões de aparelhos celulares. Até o fim de 2000, o Rio Grande do Sul abrigará 4 milhões de linhas, metade delas móveis.

No País, o serviço pré-pago de telefonia móvel – que institui a moda dos celulares “de cartão” – já detém mais de metade do mercado, apesar de aplicar tarifas mais elevadas. Foi a estratégia escolhida pela indústria para popularizar o produto a baixo custo para recuperar os ganhos perdidos começando a oferecer, já em 2001, o minuto falado como “parte de um pacote de serviços”. Haja salário.

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