GERAL

Dossiês demonstram a fragilidade da justiça

Publicado em 4 de abril de 2001

facsim

Fotos: Folha Imagem

Negócios e negociatas espoucam em denúncias que ficam na imprensa e jamais chegam na justiça. O caso da Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) é exemplar. José Mitchell, correspondente do Jornal no Brasil no Rio Grande do Sul, experiente repórter investigativo, espanta-se com o número de denúncias e dossiês de corrupção. “Todos esses dossiês representam a falência do judiciário. São trocas de acusações fortíssimas que levariam qualquer um à prisão. Mas de tão contínuas se tornaram comuns. Tenho trinta anos de jornalismo e, o longo desse tempo, cresci ouvindo denúncias sobre a corrupção da Sudam”. Até hoje, vinga a impunidade.

Uma impunidade ardilosamente forjada em relações promíscuas com órgãos de comunicação. Uma arte da qual ACM é mestre. Começa pela Rede Globo e espalha-se por outros veículos. Alberto Dines desnuda alguns casos. “O proprietário da Folha (de São Paulo) é amigo pessoal de ACM. A relação iniciou-se nos tempos da ditadura e consolidou-se quando ACM o informava pessoalmente sobre o agravamento do estado de saúde de Tancredo Neves, dando à Folha enorme vantagem sobre os demais jornais”. É assim também com O Estado de São Paulo, onde “freqüentemente ACM sopra insights para os editoriais do jornal”.

Dines enumera ainda a editora Abril como parte desse jogo de conveniências. “A Abril precisa da Globo para resolver problemas relacionados com a sua infeliz operação de TV. Além disso, mexer agora com ACM significa quebrar o gentleman’s agreement ora em vigor no patronato jornalístico. Significa também levantar o véu sobre o passado, sobretudo sobre as relações do senador com as pessoas que comandaram a revista por tanto tempo”.

É bom lembrar que, recentemente, a revista Veja abriu uma trincheira de defesa para Antônio Carlos Magalhães. Na edição de 7 de março de 2001, estampa a manchete : “A bala que ACM vai disparar”. Mostra o senador descansando em Miami, após a derrota para a eleição no senado para Jáder Barbalho, acusando membros do PSDB de cobrarem propinas. Veja vai mais além e questiona o teor das fitas gravadas pelo procurador Luiz Francisco em recente conversa com ACM. A revista resolve abrir fogo contra Jader Barbalho, apurando minuciosamente denúncias do desvio de R$ 10 milhões do Banco do Paraná.

Memória curta e generosa

No meio disso tudo, o cidadão brasileiro. Consumindo informações estarrecedoras sobre propinas, negociatas de milhões de dólares e a mercê de um jogo de cumplicidade entre imprensa e poder. Cumplicidade que, a princípio, parece um tênue véu de pequenos interesses. João Carlos Teixeira Gomes ironiza. “Muitos jornalistas iam para a suntuosa residência de Antonio Carlos Magalhães na praia de Itaparica”. Gomes, 65 anos, amigo pessoal de Gláuber Rocha e João Ubaldo Ribeiro, levanta dados de um passado incômodo. Transcreve cartas, reproduz diálogos, lista denúncias, fustiga em suspeitas. E, em alguns momentos, pega leve narrando as próprias viagens e a sua trajetória literária – o jornalista é autor dos livros “O Telefone dos Mortos” (contos) e “A Esfinge Contemplada”(poesias), editados pela Nova Fronteira.

A memória brasileira é curta. E generosa. Arcaicos de ontem viram os modernos de hoje. Quem sustentou o regime militar também sustenta o governo FHC, defendendo medidas “modernizadoras” como as privatizações e a globalização. Representam, em boa parte, as elites nordestinas, que sustentaram o regime militar. Como Fernando Collor, o presidente que provocou uma catarse nacional e caiu pateticamente, denunciado pelo irmão Pedro e desvendado com a ajuda de um motorista do planalto. ACM também foi o homem forte de Collor e manteve-se fiel até o fim ordenando a seus comandados no congresso que votassem contra o processo de impeachment. Isso tudo é um passado recente. Antonio Carlos Magalhães sobrevive. À luz do poder, à sombra da impunidade.

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