GERAL

Na corrida pelo poder, crimes sem criminosos e sem cúmplices

Publicado em 4 de abril de 2001
A base parlamentar atrelada a ACM, que apoiou Collor, é a mesma que serviu ao governo de Fernando Henrique Cardoso

Fotos: Divulgação Geração Editorial

A base parlamentar atrelada a ACM, que apoiou Collor, é a mesma que serviu ao governo de Fernando Henrique Cardoso

Fotos: Divulgação Geração Editorial

Naquele março de 1990, quando Fernando Collor de Mello ascendia ao Palácio do Planalto, a maioria da imprensa brasileira era um grande coro de vivas efusivos. No Jornal do Brasil, o “Caderno da Posse” exibia, na capa, um cartum de um super-herói. O texto, assinado por Roberto Pompeu de Toledo, era a apologia de um herói televisivo. A primeira frase é lapidar. “Collor é o He-man da televisão. Ele tem a força”. A força, descobriu-se depois, vinha de dinheiro da máfia e do narcotráfico, de empresários com medo do PT assumir o governo, do apoio de donos de grandes redes de comunicação, num caso que deixou de ser uma questão de política para virar caso de polícia. E boa parte da imprensa fez a parte da cavalaria americana nos filmes de faroeste: chegou depois.

A bibliografia sobre este fenômeno de estelionato político ainda é pequena. Morcegos Negros, de Lucas Figueiredo (editora Record) e Notícias do Planalto, de Mario Sérgio Conti (Companhia das Letras), são alguns desses livros que jogam luz sobre este(s) grande(s) crime(s) e seus criminosos, peixes pequenos e tubarões, gente que se vendeu por trinta dinheiros ou trinta milhões. Gente que compra e vende várias mercadorias: notícias, cocaína, carros importados, cargos, afagos, festas. Ou a sensação de ser integrante do clube de Alagoas, a corte do jagunço yuppye, como referiu-se a Collor o jornalista Lucas Mendes.

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Fotos: Reproduções

Fotos: Reproduções

Fernando Collor, O Breve, foi um presidente de República que durou apenas 932 dias no poder. Foi defenestrado por um processo de impeachment e teve os direitos políticos cassados. Mas enquanto governou, capitaneou um extenso esquema de corrupção. Foi absolvido pela justiça e seus cúmplices (mafiosos, traficantes, grandes empresários….) não só estão impunes, mas para eles não há nem processo pelo crime lesa-pátria. Só para não perder a memória: Antonio Carlos Magalhães manteve-se fiel a Collor até o último dia do governo.

Dos livros sobre o governo Collor, Morcegos Negros, de Lucas Figueiredo, é o mais investigativo. Desvenda o esquema PC, comandado pelo empresário alagoano Paulo César Farias, que faturou US$ 1 bilhão enquanto Collor esteve no poder. No livro, há o fluxograma da corrupção. Gordas contas em Genebra e Zurique(Suíça), Roterdã (Holanda), Nova Iorque, Miami, Londres (Inglaterra), Montevidéu (Uruguai) e São Paulo. Contas falsas em nome de 24 “laranjas”, e que eram um imenso guarda-chuva para a vida nababesca de Collor e sua turma, entre eles o secretário Cláudio Vieira, a ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, o jornalista Cláudio Humberto. Um dinheiro que custeava tudo – de mensalidades na academia de tênis até o suborno policiais da Interpol.

Ao desvendar ações da grande quadrilha, o inquérito da Polícia Federal é contundente. “A ação desse grupo acabou envolvendo funcionários públicos, empresários, industriais, comerciantes e particulares, num quadro de corrupção, concussão, exploração de prestígio, extorsão, usurpação de função, entre outros crimes, com total desapreço à administração pública”. Na abertura de um dos capítulos do livro, uma frase do tenente-coronel Angioto Pellegrini, chefe da Divisão Investigativa Anti-máfia da Calábria, constata: “O Brasil se tornou um santuário para os mafiosos”.

Notícias do Planalto, de Mario Sergio Conti, ex-diretor de redação da Veja, é menos policial. Trata o caso Collor e imprensa como uma relação de jogo de interesses. Fala de quem se vendeu e quem recusou. Mas presta alguns serviços à memória nacional, ao lembrar como se construiu a imagem de Collor como presidente-espetáculo. Em abril de 1987, Augusto Nunes e Ricardo Setti, da sucursal paulista do Jornal do Brasil, entrevistaram Collor, então governador de Alagoas, para produzir um dos primeiros Vivas dos grandes veículos nacionais. A matéria foi publicada com um título bombástico: “Furacão Collor”. O “He-man” de Roberto Pompeu de Toledo era ainda um mortal. Mas, na ótica de Nunes e Setti, já dispunha de superpoderes.

Eis a pérola: “Como impetuoso lutador faixa-preta de karatê que é, investe com golpes fulminantes contra vários adversários ao mesmo tempo. Só a devassa que determinou contra os inacreditáveis marajás do funcionalismo local já seria suficiente para catapultá-lo ao primeiro plano da política nacional”. Com um pouco de imaginação, seria possível ler este texto e ouvir, entre cada frase, o estourar das rolhas de champanha. Ou ainda, imaginar a anunciação de um messias. Nunes e Setti rasgavam deslumbramento, dizendo que Collor “tem pronto para detonar um plano de reforma agrária que pode servir de modelo para o país”.

Como o plano não existia, Collor preferiu detonar mesmo foi o país. O resto dessa história todos já sabem: a poupança dos brasileiros confiscada no primeiro dia de governo, a performance televisiva, a aglutinação de uma base conservadora, a aliança do vale-tudo pelo poder. Com Collor, o Brasil parece ter seguido à risca a famosa frase de Tim Maia: “Tudo é tudo e nada é nada”. Perderam-se referências até mesmo do ridículo. E nunca na história da república a imprensa levou tão a sério uma farsa. Ou melhor, um crime onde ninguém foi punido. Vale lembrar: Collor se prepara para voltar à cena. Quem serão seus cúmplices dessa vez?

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