OPINIÃO

Lucrécia e Beatriz

Barbosa Lessa / Publicado em 4 de maio de 2001

Depois de um período de digressão versando sobre conceitos da Sociedade e Cultura, volto hoje à temática que me foi inicialmente proposta: Imagens do Passado. E faço-o recuando três séculos, chegando a um tempo em que ainda não havia o Rio Grande do Sul. Havia apenas esparsas tribos de carijós – pescando à beira-mar –, guaranis – plantando mandioca e milho – e minuanos – caçando bois espraiados das estâncias dos jesuítas das Missões. Pelo oceano não podiam arribar navios ibéricos, por causa da saída da Lagoa dos Patos ainda atulhada de areias movediças e com fama de “barra diabólica”. Marcos históricos daquela época foram o Tratado de Saragoça – tentando definir limites entre as possessões de Espanha e Portugal –, e a criação do Bispado do Rio de Janeiro e – em território hoje uruguaio, defronte à cidadela hispânica de Buenos Aires – a fundação da lusitana Colônia do Sacramento.

Então, obedecendo a ordens da Corte de Lisboa, o governador da Capitania de São Paulo estabeleceu no desabitado litoral catarinense, uma aldeia que valeria como posto avançado na desejada conquista das terras do Sul: Santo Antônio dos Anjos de Laguna. De São Vicente, Paranaguá, Guaratinguetá e outras vilas da Capitania descem para ali os primeiros povoadores, logo acrescidos de emigrados da Madeira e outras ilhas lusitanas. Homens e mulheres atirados ao isolamento de um verdadeiro fim-de-mundo, mas com a chama da esperança a lhes animar o coração..

Dentre tais pioneiros, uma senhora de Guaratinguetá, pertencente à linhagem dos Lemes paulistas: Dona Lucrécia Leme Barbosa. Casada com o madeirense Jerônimo de Ornellas e mãe de três pequerruchas: Fabiana, Rita e Antônia. Em Laguna, ela dá à luz uma quarta menina: Maria. E vê chegar, para lhe fazer valiosa companhia, sua irmã mais moça, Dona Beatriz, há pouco tempo casada com o jovem português Dionísio Mendes e, por enquanto, ainda sem cria nenhuma.

De Laguna parte uma temerária expedição, da qual faz parte Dionísio, e consegue abrir uma primeira rota – sob o comando de João de Magalhães – até a Colônia de Sacramento. Ele volta contando maravilhas acerca das verdes planícies, sem fim, que seus olhos haviam contemplado durante a longa jornada.

Mas o interesse do Rei vai além desse mero palmilhar de desertos: ele quer ver gente estanciando, estacionando, plantando casa, fincando raízes, criando famílias e riquezas. Quem efetivamente comprovar ter tomado posse da terra, povoando-a, então receberá por recompensa o respectivo título de propriedade ou “carta de sesmaria”.

Então Jerônimo de Ornellas, mais o concunhdo Dionísio Mendes e um companheiro de nome Sebastião Chaves, partem para o Sul, com suas famílias, e terminam assentando casa e fazenda à bonita beira do Guaíba. Um acidente geográfico ficou para sempre lembrando o nome do marido de Beatriz: Ponta do Dionísio. E o ancoradouro que por ali se fez foi inicialmente chamado de Porto do Dornelles – corruptela de D’Ornellas – até ser denominado Porto de Viamão e, por fim, Porto Alegre.

Nenhum topônimo, porém, para recordar Lucrécia ou Beatriz. Admiráveis mães, admiráveis esposas, admiráveis donas-de-casa. Heroínas da solidão. Guardiãs da indefinida fronteira. Daí a pouco, inabaláveis companheiras das filhas e netas na expansão do território lusitano e na formação do Continente do Rio Grande. Na próxima crônica vamos acompanhar seus passos e logo entenderemos porque mereceriam ser lembradas e louvadas como estampas da Coragem, da Perseverança e do Amor.

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