CULTURA

Esculturas que o mar não quis

O dia-a-dia do artista plástico Hamílton Coelho, 46 anos, é fazer arte, mais especificamente, esculturas. Onde? Lá na ponta sul do Brasil
César Fraga / Publicado em 3 de julho de 2001

Ele recolhe restos da maré e transforma em obras de arte. Madeira, ossadas, boias, pedaços de navios. Mas não é só isso, além do conceito, digamos ecológico, o resultado visual e tátil é impressionante.

Não pense que os objetos, depois da interferência do olhar e das mãos do escultor possuem uma aparência tosca. As formas são futuristas, lembrando cenários dos velhos gibis do Flash Gordon.

É possível, por exemplo, flagrar o escultor sentado dentro de uma de suas instalações, uma mandíbula de baleia imensa, como se estivesse na cabine de uma nave.

É justamente essa conexão com o futuro, com a modernidade em sentido amplo, que faz do seu trabalho paradoxal, mostrando o belo por meio do uso de dejetos vomitados pelo Atlântico.

Dizer que Hamilton Coelho faz arte no fim do mundo pode parecer exagero, mas é a analogia perfeita para a sensação que se tem ao penetrar em sua residência, que é um misto de ateliê, museu e lar.

Os filhos correm e brincam dentro da casa repleta de peças parte em andamento, de acabamento ou em exposição

Se ele tivesse nascido europeu talvez possuísse a mesma notoriedade de um Frans Kracjberg – artista plástico polonês que ficou mundialmente famoso por utilizar restos de árvores queimadas provenientes de florestas para suas esculturas.

Mas não, é brasileiro, nascido em Santa Vitória do Palmar e residente, por opção artística e estética, nos últimos metros de Brasil existentes antes da fronteira com o Uruguai, na Barra do Chuí. Hamilton Coelho e Kracjberg já tiveram um encontro há alguns anos, quando trocaram considerações sobre a sintonia de suas obras.

No momento está sendo estudada a possibilidade de uma exposição de ambos no Uruguai, “mas ainda são apenas projetos”, diz Hamílton.

O quartel general do artista fica a menos de cinquenta metros do marco divisório entre os dois países.

Isso mesmo, o dito cujo, fica literalmente dentro do quintal de um antigo posto policial, que no passado foi utilizado pelo regime militar para guardar a fronteira nos anos 60. Isso faz de Hamilton o último habitante do Brasil, ou o primeiro, dependendo do ponto de vista.

Porém, hoje Coelho dá ao local um significado bem mais nobre

Reformado, o lugar serve, além de casa, como um abrigo para as obras de arte. Tornou-se um museu, aberto à visitação, onde todas as peças em exposição são feitas com detritos deixados pela maré, na costa, à beira da praia.

Enormes ossos de baleia, boias e imensas carcaças de navios são a matéria prima para o trabalho extremamente original que Hamilton vem desenvolvendo há mais de 20 anos, em silêncio e sem alarde.

Embora a imprensa do centro do país tenha vendido a imagem dele como sendo uma espécie de ermitão, está longe disso. Ligado em tudo via internet, TV e jornais, esta aura que lhe foi impingida é totalmente falsa.

Quando perguntado sobre os motivos de não estar nos grandes centros culturais responde: “Minha arte é verdadeira. Não preciso e não quero estar nos grandes centros. Meu lugar é aqui. Só aqui tenho as condições ideais de realizar o meu trabalho”.

Coelho age com a certeza de estar fazendo a única coisa que poderia ser feita

Outro detalhe é que cada obra pode levar muito tempo para ficar pronta. Mas para ele não há problema nisso. A paciência e a tranquilidade fazem parte de seu método.

Pode parecer excentricidade, mas o escultor após descobrir os objetos, ossos por exemplo, é capaz de deixá-los enterrados em praias desertas durante anos até que fiquem no estado adequado para que sofram as interferências da mão do artista.

Ele se dedicou a estudar estrutura do corpo das baleias como Leonardo Da Vinci a anatomia do corpo humano.

Justamente por isso, tornou-se uma espécie de consultor das faculdades de oceanografia e biologia da região sul. Sempre que um animal morto é encontrado na costa brasileira – gaúcha e catarinense – ele é chamado para ajudar na dissecação dos grandes mamíferos do mar.

” No fundo, meu trabalho tem um significado ecológico muito grande. O fato de estar usando os restos que o mar vomitou na praia, principalmente as baleias, animais sempre em ameaça de extinção, indica uma forma de dizer para as pessoas que harmonizar com a natureza é possível. Se lixo e cadáveres de animais mortos podem virar arte e beleza, tudo é possível”, desabafa Hamilton.

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Para o sustento da família, possui uma loja de artesanatos e peças de decoração, em Santa Vitória do Palmar. O ponto forte são as velas feitas com a areia da praia.

As consultorias as universidades também lhe rendem alguns honorários. Fora isso, já fabricou móveis por encomenda, em madeira e outros “bicos”.

Tudo porque não faz questão de vender suas obras, devido ao apego que tem por elas.

No momento, coordena uma ONG voltada para a difusão das artes em geral promoção da consciência ecológica, a Ballaena Australis (ongballaena@zipmail.com.br), com sede no próprio museu.

Já com a autorização Federal para permanecer no local, estuda uma maneira de os visitantes do museu poderem contribuir financeiramente para a preservação do espaço.

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