EDUCAÇÃO

Um grande negócio chamado educação

Paulo Cesar Teixeira / Publicado em 24 de dezembro de 2001

No cenário da educação superior do Rio Grande do Sul, aparece um novo personagem. É a figura do empresário que encara a educação como um negócio, sem se preocupar com os aspectos sociais do ensino ou com a formação humanista dos estudantes. Para ele, importa apenas obter o lucro. Quem o colocou em cena foi o MEC, ao facilitar ao máximo o credenciamento de faculdades isoladas, tendo como justificativa a ampliação da oferta de vagas.

De 1999 para cá, pelo menos dez novas IES (Instituições de Ensino Superior) foram autorizadas a abrir suas portas em território gaúcho (veja quadro na pg. 9) – outras sete estão na fila aguardando o sinal verde do governo federal.

Trata-se de um fenômeno recente. Até a década de 90, o avanço da educação superior privada no Estado obedeceu à outra lógica – as universidades comunitárias, já consolidadas e com tradição no ensino, encampavam instituições de menor porte. A URCAMP (Universidade da Região da Campanha), de Bagé, por exemplo, absorveu institutos de São Gabriel, Livramento, Alegrete e São Borja. Mais tarde, abriu novas frentes em Dom Pedrito e Itaqui. Outro caso é o da URI (Universidade Regional Integrada), de Santo Ângelo, que se juntou a instituições já existentes de Erechim e Frederico Westphalen e, depois, expandiu-se para Santiago, São Luís Gonzaga e Cerro Largo. A UNIJUÍ (Universidade de Ijuí), por sua vez, multiplicou sua presença no interior do Estado atuando também em Santa Rosa, Panambi e Três Passos. A UCS (Universidade de Caxias do Sul) não fugiu à regra: após encampar instituições de Bento Gonçalves e Vacaria, se fez presente em Farroupilha, Veranópolis, Guaporé e Canela, entre outros municípios. Vale lembrar ainda que a UPF (Universidade de Passo Fundo) atua hoje também em Lagoa Vermelha, Soledade e Palmeira das Missões e que a UNISC (Universidade de Santa Cruz do Sul) fincou âncora em Capão da Canoa.

Uma portaria publicada no Diário Oficial da União, no último dia 13 de novembro, ratificou a intenção do MEC de alterar o perfil do mercado da educação superior. A medida permitiu que as faculdades isoladas aumentem em até 50% o número de vagas a partir do próximo vestibular. Estima-se que, preenchidas, estas vagas renderão R$ 1 milhão aos empresários do setor. “No afã de demonstrar o crescimento da oferta, o governo torna-se permissivo. Esta atitude terá conseqüências graves no que diz respeito à qualidade do ensino e às condições de trabalho dos professores”, afirma Marcos Fuhr, diretor do Sinpro-RS e integrante do Conselho Estadual de Educação.

A legislação atual também privilegia os novos empresários do setor. Ela exige, por exemplo, que as universidades mantenham dois terços do corpo docente com horário integral, dedicando-se às atividades de pesquisa e extensão. Cobra também do mesmo percentual de professores a titulação de mestre ou doutor. No caso de centros universitários, a exigência de titulação é mantida, mas não há a obrigatoriedade da pesquisa. Para institutos e faculdades isoladas, nenhum dos itens é exigido. “Há uma concorrência predatória que conduz à antropofagia. Embora necessária, a expansão do ensino superior se dá de forma desordenada. Em alguns casos, a educação está nas mãos de aventureiros que a vêem apenas como um negócio, e não se importam com a formação integral do ser humano”, afirma o vice-reitor e pró-reitor de Ensino e Pesquisa da Unisinos, Pedro Gilberto Gomes. “A qualificação tem um preço. Preocupa a oferta de um ensino de qualidade duvidosa”, ratifica o reitor da PUC/RS, Norberto Francisco Rauch. “Algumas novas instituições não têm responsabilidade com a comunidade. Não têm um projeto para a sociedade e não consideram prioridade formar novos professores de História e Filosofia, por exemplo”, questiona a vice-reitora da UPF, Telisa Graeff.

Ensino não é prioridade

A Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, que reúne mais de 150 mil pessoas, entre alunos, professores e funcionários, poderá desembarcar em Novo Hamburgo, segundo rumores que circulam no mercado. A instituição carioca não confirma, mas não desmente a informação. Limita-se a afirmar que a expansão para outras unidades da federação é assunto de sigilo absoluto. A instituição já alugou um prédio na rua Caçador, 211, no centro da cidade. Em entrevista ao jornal Folha Dirigida, do Rio de Janeiro, o fundador da Estácio de Sá, João Uchôa Cavalcanti Netto, expôs conceitos que causaram perplexidade. Formado em Direito, ele explicou a razão de ter transferido seu campo de interesse da Justiça para a Educação: “Eu não me interessei pela educação e nem acho que eu seja uma pessoa muito interessada em educação. Eu sou interessado na Estácio de Sá, isso é que é importante. Estou interessado no Brasil? Não. Na cidadania? Também não. Na solidariedade? Também não.”

Em outro trecho da entrevista, Uchôa opina que as pesquisas científicas não são importantes. “A gente olha todo mundo fazendo tese, mas não tem nenhuma sendo aproveitada, é uma perda de tempo federal. Aquilo ali vai dar um monte de título para o cara, ele vai arrumar um emprego bom e vai trocar cartãozinho com outro que pesquisa também. As faculdades privadas não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora.” Uchôa vai mais longe: “É um mito que todo mundo precise estudar. Isto não é verdade. A pessoa pode ser analfabeta e ser muito expressiva, inteligente, muito bem-sucedida. E pode ser um pós-graduado e ser uma besta completa. Eu não acho que seja necessário esse estudo todo.”

Quando os cursinhos viram faculdades

O discurso dos empresários que, de forma comprovada, estão desembarcando no novo nicho do mercado gaúcho é diferente. Eles asseguram ser possível manter a qualidade do ensino, mesmo reduzindo custos e cobrando mensalidades inferiores às das universidades. Alguns deles mantinham cursos supletivos ou de pré-vestibular que, na década passada, passaram a oferecer ensino de nível médio. Agora, tentam dar o salto para a Educação Superior. É o caso do Equipe, de Sapucaia do Sul, na Grande Porto Alegre. Em 1989, surgiu como supletivo. Há cinco anos, iniciou cursos técnicos de Administração e Turismo. Em 2002, pretende implantar cursos de nível superior como Bacharelado em Administração de Empresas e Licenciatura em Letras. Não faz muito, alunos e professores do Equipe dividiam o pavilhão onde funciona a escola com uma oficina de automóveis, que também era inquilina do imóvel. Para esta nova fase, o Equipe contou com assessoria e orientação de professores ligados a Ulbra.

Parte dos novos universitários terá aulas à noite, no prédio do supletivo. Outra ocupará salas de uma escola municipal, cedidas sem ônus pelo período de dez anos pela prefeitura. O Equipe planeja abandonar as salas emprestadas pelo município em dois anos, transferindo a faculdade para uma nova sede, a ser construída numa área de 79 mil metros quadrados. “Vamos cobrar a menor taxa de matrícula da região metropolitana”, promete o diretor do Equipe, Joaquim Müller de Paula. Qual será a fórmula mágica para realizar a façanha de erguer um prédio novo em folha cobrando mensalidades baratas? “O segredo é dar as costas aos bancos. As grandes universidades gostam de construir prédios de mármore com dinheiro emprestado. Vamos crescer utilizando apenas nossas receitas”, alfineta.

Müller de Paula: “Utilizarermos espaço físico de escola municipal por dois anos”

Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

Müller de Paula: “Utilizarermos espaço físico de escola municipal por dois anos”

O Equipe está perto de receber o sinal verde do MEC, que já foi dado à Faculdade Luterana São Marcos, de Alvorada – pertencente à Comunidade Evangélica Luterana São Marcos, do pastor Ari Pfluck. Há um ano, ele implantou o curso superior de Administração de Empresas, com duas turmas de 100 alunos. Agora, a São Marcos reivindica junto ao MEC mais um curso de Administração, com habilitação em Recursos Humanos, já para 2002. “Pensamos também em Informática”, diz a assessora de expansão universitária, Alice Polacchini. A mensalidade custa entre 30% e 40% menos em relação às cobradas por universidades de maior porte. “Elas não têm do que se queixar. A PUC tem redução de 15% de custos por ser considerada filantrópica. No ano passado, com a nova lei que regula as entidades de filantropia, perdeu esta condição, mas depois deu um jeitinho para recuperá-la”, afirma Polacchini.

Para João Paulo Agostini, coordenador da Faculdade de Administração do Planalto (Faplan), de Passo Fundo, credenciada este ano, a concorrência caiu como bênção para as universidades tradicionais. “Elas dominaram o mercado por 20 anos. Agora têm que agradecer a oportunidade de se reciclarem. O objetivo do MEC era dar uma sacudida no setor.” A Faplan deriva do curso pré-vestibular Garra, criado em 1989. Em 1998, passou a oferecer ensino médio e de idiomas. O primeiro vestibular foi realizado em setembro deste ano, dando vagas a 50 alunos de Administração. No início de 2002, abrigará mais 60. A opção de abrir a faculdade com o curso de Administração obedece a uma estratégia de mercado. “É a maior demanda na região. A mantenedora quer resultados. Hoje, o ensino também é um produto”, enfatiza Agostini.

Governo favorece o setor privado

As facilidades concedidas ao setor privado contrastam com a palidez anêmica dos recursos aplicados na rede pública. Na década de 90, o número de instituições estatais de ensino superior criadas no país beirou o zero, da mesma forma que o investimento na ampliação das áreas já implantadas. “A solução é aumentar a capacidade da rede federal e continuar a expansão do setor privado, ampliando o aporte de recursos públicos para o aluno carente através do FIES (Financiamento Estudantil), que substitui o antigo Crédito Educativo”, afirma o sociólogo Paulo Roberto Corbucci, do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas).

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Foto: René Cabrales

A meta é colocar 20% dos jovens entre 18 e 24 anos na educação superior até 2010

Foto: René Cabrales

Professor da Universidade Católica de Brasília, ele participou, em novembro, do Seminário Sobre Educação Superior, promovido pelo Sinpro-RS.
O Plano Nacional de Educação fixou como meta colocar 30% dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior até 2010. É improvável que o país alcance o patamar desejado. Atualmente, apenas 12% dos brasileiros nesta faixa etária conseguem se matricular em algum curso universitário, de acordo com as estatísticas oficiais. É uma marca constrangedora, inferior à de países latino-americanos como o Chile e a Venezuela, que superam 20%. Na ótica do MEC, o incentivo aos novos empresários do setor é a fórmula correta para expandir a oferta. A julgar pelo andar da carruagem, a educação superior no país corre o risco de se transformar em produto descartável, igual a qualquer outro exposto em prateleira de supermercado.

Encerram eleições nas comunitárias

A eleição para reitor da Unicruz, em Cruz Alta, culminou com a recondução da professora Lúcia Maria Baiochi do Amaral ao cargo, com 72% dos votos. A eleição foi realizada no dia 19 de novembro, com participação das duas chapas inicialmente inscritas depois de terem sido impugnadas, a de oposição pelo Conselho Universitário, e a de situação, por decisão judicial. A chapa de oposição, encabeçada pelo professor Rui Luft, havia sido impugnada devido ao fato de seu principal candidato não ser efetivo da universidade há pelo menos dois anos.

A existência de dois estatutos da universidade, discordantes entre si, sendo que, em um deles, ficava expressa a impossibilidade de se eleger o mesmo reitor para um terceiro mandato, foi levantada pela oposição para questionar a legitimidade da chapa de situação. A denúncia de adulterações em uma ata da universidade foi a gota final no processo de enfrentamento que acabou na Justiça.

Em Santa Cruz do Sul, em eleição com chapa única encabeçada pelo atual reitor Luís Augusto Campis, o clima foi bem mais tranqüilo e teve a participação da comunidade. Cerca de seis mil pessoas, entre alunos, professores, funcionários e integrantes de uma assembléia comunitária, formada por representantes de 72 entidades do município, participaram das eleições realizadas na Unisc nos dias 11, 12 e 13 de novembro. Campis foi reconduzido ao cargo com aprovação de 91,82% dos votantes. A participação ficou aquém da esperada pelo próprio reitor, que previa 11 mil eleitores (apenas 52,3% do universo total de eleitores participaram). Para Luís Augusto Campis, o processo eleitoral da Unisc sedimenta ainda mais o processo democrático que vem se desenvolvendo na universidade.

Na Unijuí, a reitora Eronita Barcelos foi reconduzida ao cargo, com um total de 1.579 votos, dos 1.990 que votaram – um número pequeno de eleitores, se considerarmos que estão aptos para votar cerca de 6.000 pessoas, entre docentes, funcionários, alunos e a comunidade. A eleição, que ocorreu no dia 30 de outubro, teve chapa única com Eronita como reitora, Terezinha Heck Weiller, como vice-reitora de graduação, Gilmar Antônio Bedin, vice de pós-graduação, pesquisa e extensão, e Dílson Trennephol, como vice de administração.

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