EDUCAÇÃO

Igualdade em preto e branco

Ana Esteves / Publicado em 18 de abril de 2002

Apenas 2,2% dos brasileiros que estão concluindo cursos universitários, públicos ou privados são negros. O dado surpreende principalmente num país onde quase 50% da população é negra. Para tentar diminuir essa diferença, foi sancionada em março no Rio de Janeiro uma Lei que estabelece que 40% das vagas das universidades estaduais sejam destinadas a negros e pardos. A medida dividiu opiniões, foi taxada de racista a igualitária e está longe de ser consenso. Muitos negros, inclusive, são contra. Mas, independente do juízo de valor, especialistas atestam a sua inconstitucionalidade.

A polêmica está lançada: um projeto de lei sancionado no
início de março, pelo Governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (PSB), determina que 40% das vagas dos cursos de graduação das universidades estaduais cariocas sejam destinadas a negros e pardos provenientes de escolas públicas. Desde o momento em que foi aprovada, a nova lei, criada pelo deputado estadual José Amorim (PPB/RJ), vem causando grande alvoroço em diversos segmentos da sociedade. Há quem acredite se tratar do mote que faltava para acelerar o processo da igualdade e de inclusão social da comunidade negra, outros afirmam que a medida é inconstitucional, suscita o racismo e pode ter efeito contrário, aumentando a segregação. O Ministério da Educação é radicalmente contra: “não será possível resolver o problema da exclusão do negro na universidade sem primeiro resolver o problema de acesso ao ensino médio. A adoção do sistema de cotas deveria ser a solução final”, afirma a Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC), Maria Helena Guimarães de Castro.

O fato é que a nova lei – nº3.708 de 09 de novembro de 2001 – já valerá a partir do próximo vestibular das Universidades Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, marcado para 2003.

“Trata-se de uma reserva para os que, no momento, mais precisam de incentivos para ingressar na Universidade, em função principalmente das suas condições financeiras”, argumenta Amorim. De acordo com ele, a lei surgiu baseada nas propostas do relatório que a delegação brasileira levou à Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo, realizada nos meses de agosto e setembro de 2001, em Durban, na África do Sul. “Também me inspirei no livro “O Negro no Império” que conta casos reais de castigos contra a comunidade negra durante a escravidão”, revela. A lei está respaldada ainda por um levantamento divulgado pelo Ministério da Educação, que demostra que só 2,2% dos brasileiros que estão concluindo cursos universitários públicos ou privados são negros.

Segundo a nova Lei, a identificação dos alunos negros e pardos se fará através da declaração firmada pelo próprio candidato na hora da inscrição para o vestibular. O deputado explica ainda que, no momento em que os 60% das vagas destinadas aos brancos forem preenchidos, os negros, mesmo que tenham a média final menor que a dos outros candidatos, serão automaticamente classificados, dentro das cotas de 40%.

E é justamente neste ponto que se instala a polêmica. O jurista gaúcho José Francisco Oliosi da Silveira é contundente ao afirmar: “por se tratar de um concurso, a lei é absolutamente inconstitucional. Ela fere o artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece que todos são iguais perante a lei”.

Ele explica que a constitucionalidade da lei não se faria nem com a criação de emendas, uma vez que se trata de uma cláusula pétrea. “A igualdade de todos perante a lei é rígida, imutável, e não pode ser alterada nem com emenda constitucional”, diz.

Oliosi afirma ser justo que existam leis que estabeleçam cotas de funcionários negros em estabelecimentos comerciais ou na administração pública, ou um percentual mínimo de mulheres candidatas a cargos eletivos. “Não depende de concurso, mas, se depender de um valor pessoal, que não apenas a cor da pele, aí, não há dúvida que a lei se torna inconstitucional”.

O advogado relembra que há cerca de seis anos foi criada aqui no Estado a Lei do Boi, determinando que faculdades como agronomia e veterinária, destinassem cotas para filhos de agricultores e pecuaristas. “Se um candidato tinha uma nota maior, mas era o último das vagas dos concursandos normais, perdia a vaga para o filho do pecuarista mesmo que este tivesse médias inferiores, o que é um absurdo, pois fere a igualdade perante a lei, já que a disputa é intelectual. Aí é que está a discriminação, tanto que esta lei caiu”. De acordo com ele, no futuro, a lei do deputado Amorim também poderá cair: “Se alguém fizer o concurso e for prejudicado, pode ingressar imediatamente com um mandato de segurança e com certeza terá sucesso. Este caso também se aplica à Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que pode ser ajuizada inclusive pelo Ministério Público. Aliás, é muito provável que o Ministério Público do Rio de Janeiro não aceite o fato e ingresse com a Adin”.

Para Oliosi, a lei sancionada pelo governador carioca contém ainda forte conotação política. “Num ano eleitoral costumo ficar meio desconfiado quando aparecem estas leis meio diferentes, porque nós notamos que esta pode ser uma das tantas manifestações do presidenciável Garotinho, principalmente por se tratar de uma decisão muito simpática, para a massa de negros no Rio de Janeiro, que é considerável”, polemiza.

Além de tudo, o advogado acredita haver um certo exagero no que tange o combate à discriminação, que não pode ser remediada com medidas pouco razoáveis como a lei das cotas, considerada por muitos como uma atitude segregacionista. “Se nós publicarmos um edital no jornal falando na associação dos negros tudo bem, mas se falarmos em associação dos brancos imediatamente recolhem quem assinou este edital”.

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