EDUCAÇÃO

Uma dívida histórica

Ana Esteves / Publicado em 13 de abril de 2002
José Jorge Carvalho é um dos grandes defensores da reserva de vagas para afro-brasileiros

Foto: René Cabrales

José Jorge Carvalho é um dos grandes defensores da reserva de vagas para afro-brasileiros

Foto: René Cabrales

Uma proposta criada pelo professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB), José Jorge Carvalho, destina 20% das vagas do vestibular para negros e pardos. Se aprovada, pelo Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão da Universidade, a medida já valerá para o vestibular 2002. Defensor do sistema de cotas, o professor falou sobre o tema ao EC.

Extra Classe – Porque o senhor decidiu criar uma proposta de cotas para os negros no vestibular da Universidade de Brasília?
José Jorge Carvalho – Este projeto surge em razão de uma dívida histórica do Brasil para com o negro, que só tem acesso a certos cursos como Artes, Letras, Serviço Social. Nos cursos considerados mais nobres, como Medicina, Direito, Administração e Odontologia dificilmente encontramos negros. O médico no Brasil é branco, o juiz também. Visa reparar a exclusão do meio universitário.

EC – O projeto já foi aprovado?
Carvalho – Está nas mãos do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, órgão máximo da Universidade. Se aprovado, já poderemos aplicar as novas normas no vestibular deste ano, que atrasou em função da greve de 2001.

EC – Isso não funcionaria como um paliativo, já que se verifica problemas desde o ensino básico?
Carvalho – As cotas por si só não resolvem, é preciso melhorar também o ensino básico senão elas serão inúteis. Mas uma coisa não impede a outra, ao contrário, se complementam. É pontual e emergencial que tenhamos uma elite negra capaz de contribuir na formulação de novas políticas públicas que visem eliminar definitivamente o problema da desigualdade e da exclusão racial no Brasil.

EC – Muitas pessoas consideram as cotas racistas. Qual a sua opinião?
Carvalho – Não é uma medida de segregação e nem racista. Segregação é você entrar num shopping e não encontrar um negro, e depois esbarrar com um trabalhando no estacionamento do mesmo local. O branco tem todos os privilégios. O brasileiro aparenta uma cordialidade, mas na verdade é muito racista.

EC – Além de diminuir as diferenças que outras vantagens iriam ter as cotas?
Carvalho – Os negros professores trabalharão com uma outra percepção do país. Veremos mudanças nos conteúdos de História, Literatura, Sociologia, Antropologia hoje muito eurocêntricas. Muitos aspectos até então silenciados terão voz. A universidade ganha, a escola secundária ganha.

Desigualdade Racial no Brasil
Evolução nas Condições de Vida na Década de 90

– 45% da população brasileira (76,5 milhões) é composta de negros (5% de pretos e 40% de pardos)

– 22 milhões de brasileiros humanos no Brasil vivem abaixo da linha de pobreza – aqueles que não consomem o nível mínimo de calorias recomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Desses 22 milhões, 70% são negros.
– 53 milhões de brasileiros vivem na pobreza (um mínimo de 120 reais por mês); desses, 63% são negros

– 20% dos negros com mais de 15 anos são analfabetos

– 26,4% dos brancos adultos são analfabetos funcionais

– 46,9% dos negros adultos são analfabetos funcionais

– 70% dos negros não terminaram o ciclo básico. De cada 10 negros, apenas 3 completaram a quarta série primária

– 84% dos jovens negros de 18 a 23 anos não completaram o ensino secundário

– Dos 191.000 estudantes avaliados em 2.888 faculdades, 80% são brancos, 13,5% são pardos (lembremos que eles representam 40% da população) e apenas 2,2% são pretos (que são 5,7% da população)

Dados da pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

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