GERAL

Transformações Tamanho Família

Ana Esteves e Fabiana Mendonça / Publicado em 17 de junho de 2002

As constantes transformações econômicas, culturais e sociais que resultaram, através dos tempos, em profundas modificações na estrutura familiar fizeram com que sempre, em algum momento da história, se pensasse a família. A primeira vez em que foi utilizado, por volta de 1337, o termo, derivado do latim famulus, serviu para designar, na Roma Antiga, escravos que viviam sob o mesmo teto. Séculos depois, Engels afirmava que a propriedade privada convertia o homem em proprietário da mulher. Claude Levy Strauss definiu a família como “um grupo social com origem no casamento, constituído pelo marido, esposa e filhos”. Já Simone de Beauvoir vislumbrava o matrimônio baseado na liberdade, com a emancipação da mulher, sem que essa tivesse o casamento como “única carreira e a justificação exclusiva de sua existência”.

Hoje, como nunca, o interesse em abordar as várias nuances relativas à família se multiplica. A partir de 2004 estará funcionando, em Caxias do Sul, a primeira Universidade da Família (Unifam), enquanto outra universidade, a Católica de Salvador (UCSal), criou um curso de mestrado específico sobre o tema. As pesquisas também se avolumam: em Porto Alegre, uma psicóloga se dedica à compreensão dos novos arranjos familiares, ao mesmo tempo que uma psicanalista paulista avalia de que forma fenômenos sociais, como o desemprego, interferem nas relações familiares. As leis referentes à família também têm sido questionadas, principalmente no que se refere às uniões homossexuais. As próprias famílias têm repensado suas relações e comparecem cada vez mais aos terapeutas.

O sociólogo e diretor do Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e Família, João Carlos Petrini, diz que as mudanças ocorrem em toda a sociedade e refletem diretamente na família. “O Brasil dos últimos 40 anos passou de um modelo agrícola para industrial, do meio rural para o urbano. Houve interferência religiosa, com o crescimento de seitas, que interferiram no cotidiano das famílias”, argumenta. A família rural tradicional, que chegava na cidade grande, sofria, segundo ele, os efeitos dos meios de comunicação, da escola. “Era outra realidade. O comportamento entrava em flutuação”, afirma.

Para ele, a emancipação da mulher e o diálogo cada vez mais recorrente entre pais e filhos também fazem parte das mudanças. “Hoje não tem mais a imagem do homem que bate o punho na mesa e toma todas as decisões. A elevação do grau de igualdade entre homens e mulheres também colaborou. Se verifica maior respeito pelos filhos”.

O sociólogo Marco Antônio Fetter, idealizador da Universidade da Família, acredita que a necessidade de pensar a instituição surge em função de um momento de crise. “Se fala que a família está passando por uma crise, mas quem está em crise é o homem”. Segundo ele, os pais não estão sabendo desempenhar suas funções. “Talvez seja emoção demais e razão de menos. Parece que nós não estamos sendo aptos para termos projetos conjuntos de vida. Na década de 70, se ouvia na França uma história, que hoje se repete: eu e tu, mas você sozinho; tu e eu, mas eu sozinho; nós dois juntos, mas cada um por si”, relembra Fetter.

João Carlos Petrini acredita que o individualismo de deve a mudanças culturais, como a exaltação da liberdade individual em detrimento do comunitário. “A mentalidade se tornou dominante com o welfare state (estado de bem-estar social), que elegia o indivíduo como portador de direitos e centro das políticas sociais, e não mais sujeitos coletivos”.

Segundo ele, isso é resultado do sistema econômico que conduz à colonização do mercado. “O mercado coloniza nossos valores, e nossos modelos de comportamento são regidos por ele. Hoje se fala: investi tanto na relação, ou investi nos filhos. Quanto maior o mercado, menor a gratuidade das relações. É muito difícil se pensar em sacrifícios pessoais para o bem do outro, mesmo dentro das famílias”, avalia.

Mas, segundo o professor de Teologia Moral e Comunicação da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Estef), Frei Hildo Conte, o panorama não é tão negativo assim. “Pela primeira vez na história, a civilização criou uma consciência que permite o amor de fato. A mulher se tomou nas mãos e deixou de ser propriedade do homem. Antes predominavam os chefes de família, estabelecendo uma relação de poder, não de amor”.

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