OPINIÃO

Do baú 2: Jorge e Benny

Por Luis Fernando Verissimo / Publicado em 12 de agosto de 2002

Do baú Jorge e Benny

Ilustração: Ricardo Machado

Ilustração: Ricardo Machado

Do baú. Jorge Luis Borges e Benny Goodman morreram ao mesmo tempo, em junho de 1986. Há 16 anos. Na época, imaginei-os esbarrando um no outro, na chegada.

– Perdona-me.

– Sorry.

– Es por aqui?

– Não sei. Também acabei de chegar.

– Borges. Argentina.

– Goodman. Estados Unidos.

– Goodman… Goodman…

– O Rei do Swing.

– Ah!

– E você?

– Bem, eu inventei este labirinto. Modestamente.

– Como, inventou, se eu estou nele?

– É difícil explicar. Escrevi vários livros não explicando exatamente isto. Minha ideia da morte era esta: o último labirinto. Por alguma razão, encontro você aqui. Tem certeza de que eu não o inventei também?

– Pouco provável. Judeu? Brooklyn? Tocava clarinete?

– É, acho que não. Às vezes penso que eu inventei tudo. Que a vida foi só uma coisa que eu imaginei. As estrelas, o universo, eu mesmo. Tudo imaginação minha.

– Se você inventou este labirinto, como é que não sabe o caminho?

– Se fosse um caminho, não seria um labirinto. Você tem pouca imaginação, para um rei.

– Pouca imaginação? O que você me diz disto: spiriapau-bupi-pidau-cacapidau-bop!

– O que foi isso?

– Uma frase musical. Inventei na hora. Se eu tivesse o meu clarinete aqui você ia ver imaginação.

– A música sempre me pareceu a forma mais árida de retórica. A literatura é um labirinto sem saída. A música não tem nem entrada. É uma geometria inútil.

– E o tango?

– O tango não é nem literatura nem música. É o contrário.

– A música é um caminho, com começo, meio e fim. E o jazz é um atalho secreto.

– Sempre desconfiei da espontaneidade. Nossas vidas seriam mais suportáveis se as pudéssemos viver só depois da terceira revisão.

– Olha, é melhor ir cada um para um lado. Um de nós encontrará o caminho. Ou você inventará um e eu improvisarei outro.

– Mas você não vê? Não há caminhos. Este é o último labirinto, o que leva sempre ao lugar em que a gente já está. É o que eu chamo de “eternidade”.

– E eu vim cair logo na sua ideia de morte…

– Qual era a sua?

– Sei lá. Algo com o chão vitrificado, cortinas, bem anos 30. Uma banda, algumas garotas…

– Jesus.

– Onde?!

– Não, foi um comentário. Acho que só há uma saída.

– Qual?

– Eu estar imaginando tudo isto.

 

Luis Fernando Verissimo colabora mensalmente com o Extra Classe desde 1996.

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