CULTURA

Em busca do movimento perfeito

Keli Lynn Boop / Publicado em 23 de setembro de 2003

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Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

O Ballet Concerto comemora uma década nesse ano de 2003. Além dos tradicionais pliés, pirouettes, arabesques e développés, a flexibilidade, o senso estético, a disciplina e muita determinação têm marcado a trajetória desse grupo gaúcho. Mesmo enfrentando as costumeiras dificuldades em realizar um trabalho de qualidade no Estado, no início deste segundo semestre, a equipe do Ballet Concerto teve a ousadia de montar um espetáculo sofisticado, com 18 bailarinos, e nenhum patrocínio financeiro. Com direção geral da coreógrafa Victória Milanez e intitulado Contrastes, o espetáculo reuniu trechos dos ballets de repertório O Corsário e Chamas de Paris, além de uma coletânea contemporânea. Um dos trunfos do Grupo nas duas noites em que se apresentou no Teatro Renascença, em Porto Alegre, foi a participação especial da primeira solista do Ballet de Mainz (Alemanha), a gaúcha Marlúcia do Amaral. O Ballet de Mainz é considerado uma das melhores companhias alemãs da atualidade.

A eterna busca por patrocínio

Em férias em Porto Alegre, Marlúcia do Amaral, que já fez parte do Ballet Concerto, não economiza elogios ao Grupo e, especialmente a sua fundadora e diretora, Victória Milanez. “Além de educadora, a Victória é uma pesquisadora. Ela faz os bailarinos pensarem os movimentos. Ela é um patrimônio da dança no Rio Grande do Sul”, garante ela que já estudou com grandes nomes da dança como Fernando Alonso e Ramona de Sá, fundadores da metodologia cubana de ballet, Birgit Keil, do Stuttgart Ballet, e que atualmente tem como mestre o aclamado coreógrafo suíço Martin Schläpfer.

Fundado em 1993 a partir de uma iniciativa independente de um grupo de bailarinos com idéias em comum a respeito da dança, o Ballet Concerto é vencedor de dois Prêmios Açorianos de Melhor Espetáculo de Ballet Clássico de Repertório em 1998 e 1999. O Grupo já participou de apresentações ao lado da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre e atualmente participa, junto à Orquestra e ao Coral da PUCRS, da série de Concertos Comunitários Zaffari.

Mas, assim como num pas-de-deux, no qual, sem o auxílio do partenaire, a bailarina jamais conseguiria exibir sua graça, sua linha e seu perfeito equilíbrio, os grupos e companhias de ballet brasileiros só sobrevivem se conseguem parcerias da iniciativa privada para qualificar ainda mais a sua arte. O Ballet Concerto não foge a essa realidade e a falta de patrocínio é o que inviabiliza que o Grupo trace objetivos a longo prazo e produza, por exemplo, pelo menos dois ballets por ano. O que não é muito se comparado a companhias estrangeiras que montam em média de 50 a 70 espetáculos anuais. “Trabalhamos a curto prazo, o que não é suficiente para formar uma categoria, um público, críticos. Por enquanto, projeto a longo prazo somente o trabalho fisico do bailarino na sala de aula”, constata Victória. Para ela, a familiarização do público com a dança clássica só vai acontecer quando houver um caráter formativo e educacional. “A escola particular não é de caráter formativo, o caráter formativo pertence, sim, ao Estado. As pessoas que vão acreditar em dança são pessoas que foram educadas a ver dança e educadas a respeitar dança”.

Apesar dos parcos recursos

“Durante muito tempo se falou que o Estado tinha que ter um corpo de baile, hoje em dia não adianta mais se falar nisso; nem Estado nem empresários têm dinheiro e quando têm é mal-empregado em projetos de curto prazo. Isso não satisfaz nem à categoria dos bailarinos, nem ao espectador”, garante Alexandre Rittmann, bailarino e coreógrafo, Prêmio Açorianos Melhor Bailarino, em 94 e 97. Com passagens pelos Ballet do Teatro Castro Alves (Bahia), em 1995, e na Companhia de Dança de Minas Gerais (Belo Horizonte), em 1996. Para ele há muitos grupos fazendo trabalhos esteticamente duvidosos. “Uma ou outra montagem se salva. Um grande diferencial do Ballet Concerto é que reúne profissionias com senso estético. Quando montamos espetáculos, tentamos salvar a credibilidade da dança no meio de tanta montagem de caráter duvidoso”, afirma.

“As pessoas conhecem o ballet de fim de ano das escolas particulares que têm um perfil diferente da visão profissional”, lembra a bailarina Aline Garcia, que está no Ballet Concerto desde sua criação, em 1993. Para ela, que já trabalhou com importantes nomes da dança local como Carlota Albuquerque e Alexander Sidoroff, o público gaúcho de dança ainda está para ser formado, ainda não tem um perfil tão definido como o público de teatro ou música.

Celeiro de talentos

A história do Ballet Concerto começou no início dos anos 90, com os primeiros trabalhos de Victória Milanez e Claudia Corrêa da Silva com o Grupo “Estudos Coreográficos” formado pelas bailarinas Mayra Becker, que hoje dança no Gulbenkian, em Portugal, Silvia Wolff, Juliana Bertoletti e Tatiana da Rosa. “Daí para o Ballet Concerto em 1993 foi uma seqüencia de fatos e acontecimentos que culminaram com a compra do local onde até hoje funciona a sede do ballet”, lembra Cláudia. Com o tempo, “as pessoas foram aparecendo e nos fortalecendo, entre elas os bailarinos Alexandre Rittmann, Alexandra Zucolotto, Aline Garcia, Marlúcia do Amaral, Leslie Heylmann, atualmente solista da Sächsische Staatsoper Dresden-Semperoper (Dresden, Alemanha), Luciano Tavares, Luciana Dariano, Fernando Palau, Caroline Gaier, Silvia Rosa, Juliana Sanvicente”.

Para Cláudia, que também é realizadora e Coordenadora de Dança do Estado, o Rio Grande do Sul é um celeiro de talentos na arte da dança, mas para manter esses talentos aqui muita coisa tem que ser feita. “Há de se criar um Centro de Formação da Dança, há de se criar um Corpo de Baile da Cidade de Porto Alegre, do Estado do Rio Grande do Sul, há de se providenciar competência e esclarecimento nas Faculdades de Dança do Estado que são a Unicruz, a UERGS e a ULBRA”.

O ballet rompendo as barreiras de classe

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Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

Fundadora e diretora do Ballet Concerto, Victória Milanez em 1988 foi a única brasileira a participar de um curso para estrangeiros do Ballet Nacional de Cuba. Retornou ao país no início dos anos 90, com bolsa de estudos para estagiar como professora na Companhia de Ballet de Camaguey, com direção de Fernando Alonso.
Idealizadora e diretora do Festival Açorianos de Ballet, Victória é uma das autoras do programa “Dança: Educação e Cultura”, que estreou em 1993 e foi repetido em 94, com aprovação e apoio da Secretaria da Educação e da Cultura do Estado em parceria com a Assembléia Legislativa. O programa possibilitou espetáculos de ballet de repertório completo como o Ballet Coppélia, que foi levado a crianças da Rede Estadual. “Esses ballets eram trabalhados na aula de educação e artes. Então, quando as crianças iam assistir ao ballet, elas já tinham feito uma redação e trabalhado no teatro o tema. Isso fazia com que participassem intensamente desse processo”. O programa foi aperfeiçoado em 97 e apresentado à Rede Municipal de Ensino, incluindo os alunos do Mova e do Seja, com apoio da Secretaria Municipal de Educaçao (Smed) e da Pró-Reitoria de Extensão da Ufrgs. “Não foi adiante porque mudam as pessoas, mudam as idéias e mudam os interesses e, enfim, as coisas ficam sempre por aí”, conclui.

Passo a passo com a comunidade

A determinação e a ousadia não são qualidades exclusivas do Ballet Concerto. Um outro projeto, também na área da dança, mais especificamente na área da Arte-Educação, é marcado por essas características tão necessárias num país como o Brasil. Trata-se do Dança Criança, que, no próximo dia 12 de novembro, vai fazer a reapresentação do espetáculo Um olhar para a Vida, baseado na obra de Rubem Alves. Cerca de 200 crianças e adolescentes vão encenar e dançar no palco do Araújo Vianna, a partir das 20 horas, num espetáculo com entrada gratuita.
“ Encontramos no texto do Rubem algo em comum com o nosso projeto que é buscar a educação, através do lado bom, a beleza e a felicidade”, entusisma-se, Maria Celeste Spolaor Etges, a Leta, idealizadora e coordenadora do Dança Criança.

O projeto foi criado em 1984 e ensina as danças clássica e neoclássica a crianças e adolescentes na zona norte de Porto Alegre. É desenvolvido na Escola Municipal de Ensino Fundamental José Loureiro da Silva, no bairro da Vila Cruzeiro, e tem enfoque multidisciplinar. Aproximadamente 1 mil e 400 alunos já fizeram parte do Dança Criança desde suas criação. Atualmente freqüentam as aulas 235 alunos. O Dança Criança é respeitado por profissionais de grandes companhias nacionais e internacionais, como o bailarino americano Bill T. Jones, que, quando veio a Porto Alegre no ano passado, fez questão de ir conhecer de perto o trabalho dos alunos.

“ Desenvolvemos a técnica do ballet associada diretamente à disciplina, sistematização e adaptação ao meio em que os alunos vivem. A dança clássica é uma das mais distantes do conhecimento, mas não do desejo das classe populares”, garante Leta. Ela explica que as mães participam ativamente na confecção das roupas e adereços, e na divisão de tarefas durante os espetáculos.

O Dança Criança é dividido em Programas: Ballet Clássico, coordenado por Leta, Ginástica e Dança, coordenado e desenvolvido pela professora Kátia Domingues Souza, e Ginástica para as Mães coordenado pela professora Cleonice Berlato Pinto. Ex-alunos do Dança hoje integram grupos profissionais, outros estudam em escola particular de dança e outros cursam universidade de Educação Física, realizando estágio em dança. Em 1995 a Câmara Municipal de Porto Alegre reconheceu a importância do Projeto que também recebeu menção Especial em Dança do Prêmio Açorianos em 1977, e foi referendado na primeira condensa em 2001, além de ser instrumento para teses de mestrados em universidades gaúchas.

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