EDUCAÇÃO

SEC e MEC juntos contra os cursos caça-níqueis de pós-graduação

César Fraga / Publicado em 16 de abril de 2004

No dia 26 de março, a vinda do Ministro da Educação Tarso Genro serviu para sedimentar ainda mais a ação conjunta entre Secretaria de Estado da Educação e Ministério da Educação para coibir o avanço de cursos de pós-graduação lato sensu, chamados “caça-níqueis”. A visita se deu oficialmente para o lançamento do Fórum Internacional de Educação, na mesma data, mas gerou uma reunião extra-oficial em que o chefe de gabinete do MEC, Jairo Jorge, garantiu ao Secretário de Estado da Educação José Fortunati o empenho do ministério em ações mais enérgicas no sentido de impedir a oferta de cursos irregulares e de qualidade duvidosa. Até o final de abril, a SEC encaminhará um dossiê listando os cursos oferecidos por 17 instituições de fora do Rio Grande do Sul e que foram investigados pela SEC a partir de denúncias. Conforme o secretário Fortunati, também serão anexados ao dossiê exemplares da reportagem investigativa feita pelo Extra Classe em setembro de 2002, denunciando o esquema de funcionamento desses cursos. A mesma reportagem serviu de subsídio ao Conselho Estadual de Educação (CEED) na elaboração da Indicação 38, de 29 de janeiro de 2004, que orienta professores e SEC sobre critérios para reconhecimento dos cursos.

De acordo com o Secretário da Educação José Fortunati, o MEC solicitou mais informações sobre as denúncias ocorridas no Rio Grande do Sul. “Um dossiê será encaminhado pela SEC ao MEC no início de abril e apontará o nome de pelo menos 17 instituições, a maioria proveniente do estado de São Paulo, que oferecem cursos de pós-graduação em finais de semana e não cumprem a carga horária exigida, além de outras irregularidades. São verdadeiros caça-níqueis, pois esses cursos não possuem a observância de critérios mínimos para a formação dos professores que buscam aprimoramento, e que acabam sendo vítimas”, diz Fortunati.

Ele diz que é preciso ter critérios nacionais claros da parte do MEC e do Conselho Nacional de Educação, pois desde a Resolução nº 1 do CNE, de 3 de abril de 2001, – passou-se a tratar do assunto de forma genérica e superficial, o que deixou verdadeiras lacunas que permitiram a proliferação desse tipo de pós-graduação. O artigo sexto diz que os cursos de pós-graduação oferecidos por instituições de ensino superior, independem de autorização, reconhecimento ou renovação de reconhecimento do MEC.

Em 2003, a SEC proibiu a divulgação desses cursos nas Coordenadorias Regionais de Educação e nas escolas estaduais, mas foi a Indicação de número 38, do Conselho Estadual de Educação (CEED), que, a partir de uma série de denúncias, sugeriu critérios à SEC para a aceitação de pedidos na progressão no plano de carreira do magistério. Assim que foi anunciada pela Secretaria a adoção de critérios seguindo a orientação do CEED, mais de mil professores estaduais ingressaram com seus pedidos de progressão de nível, segundo a Secretaria, a grande maioria com certificados das instituições listadas no dossiê. Desde o dia 29 de janeiro somente são reconhecidos para esta finalidade os cursos que estiverem cadastrados na Secretaria. Como o cadastramento ainda não está concluído, estão suspensas temporariamente as progressões.

Reportagem do EC compõe dossiê que aponta possíveis irregularidades

No dossiê que será encaminhado ao MEC será anexada cópia da reportagem feita pelo Extra Classe em setembro de 2002 intitulada O fast food da pós graduação em que foi feita pela primeira vez na imprensa gaúcha denúncia de cursos irregulares atuando no Rio Grande do Sul. Nosso repórter esteve sob disfarce em uma reunião realizada em Torres, na qual, uma promotora de matrículas apresenta o detalhamento dos cursos aos futuros alunos. O público preferencial: professores estaduais com aspiração à progressão de nível (3 para 6), que ambicionavam melhorar entre 20 e 25% o valor de seus salários básicos. Uma única instituição, naquele ano, chegou a atender cerca de 880 alunos por semestre, segundo dados da própria instituição. Já os pedidos de progressão de nível ficaram na média de 2 mil. Na época, a grande maioria dos professores que protocolaram seus pedidos havia feito seus cursos de pós-graduação pelas Faculdades Integradas de Amparo, que é um dos 17 estabelecimentos apontados no dossiê da SEC. Essa mesma Faculdade colecionou conceitos C e D nos Exames Nacionais de Cursos realizados nos últimos anos, e justamente nas especialidades em que oferece os cursos. Dentre outras irregularidades, a instituição também nunca possuiu credenciamento para realização de cursos fora de sua sede, além de utilizar em sua listagem de doutores e mestres professores pertencentes ao quadro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Um dos absurdos flagrados por nossa reportagem, na época, foi a promotora de matrículas das faculdades Integradas de Amparo, Maysa Anastasiadis, sugerir que já no primeiro dia de aula os alunos já levassem em seus trabalhos de conclusão ou monografia concluídos antes mesmo do início das aulas. “Como vocês sabem, não temos bibliotecas disponíveis no local das aulas, portanto seria interessante que vocês fossem adiantando essa parte para não sofrerem dificuldades”, disse na presença de nosso repórter. Depois arrematou: “Bem, vocês ficarão vários dias longe das famílias, mas não devem esquecer que têm direito a 25% de faltas. Só combinem com os professores para não utilizá-las nos dias de avaliação”. Ela incentivava claramente os futuros alunos a não cumprirem a carga horária mínima, a qual depois constatou-se também não seria cumprida.

Os cursos seriam finalizados em apenas três finais de semana, com aulas em três turnos (uma noite e duas manhãs), conforme a promotora. De acordo com a grade de aulas apresentada, em um cálculo otimista chegava-se ao máximo de 290 horas/aula e não nas 360 obrigatórias conforme exigência do MEC e anunciado nos materiais publicitários divulgados aos professores. Outro detalhe que evidencia a irregularidade é a resolução nº 3 de 5 de outubro de 1999, que fixa as condições de validade dos certificados dos cursos presenciais de especialização. O documento resolve que os cursos fora de sede devem evidenciar, entre outros requisitos, biblioteca especializada e material de apoio, incluindo os recursos disponíveis na área da informática e laboratórios. Nenhuma dessas condições era oferecida aos alunos e, ao que se sabe, continuaram não sendo. As aulas eram realizadas em escolas de Ensino Fundamental em Torres e Caxias do Sul com salas de aula locadas para esta finalidade ou em hotéis.

COMUNG – O MEC, desde agosto de 2002, já estava ciente dessas irregularidades, pois vários casos similares a esse foram denunciados pelo Conselho das Universidades Comunitárias do RS (Comung). O presidente do Comung, Luis Augusto Campis, fez um pedido de informações e de providências junto ao MEC/CNE sobre as Faculdades Integradas de Palmas, Faculdades Integradas do Vale da Ribeira e de Faculdades Integradas de Amparo. Na época, várias instituições de educação superior do estado procuraram também o CEED para que este definisse normas e padrões de qualidade. Como a regulamentação e normatização é tarefa da Conselho Nacional de Educação, coube ao CEED discutir e por fim aprovar, no início deste ano, uma indicação que propõe normas de qualidade. A Indicação nº 38/2004 orienta os profissionais de educação e a própria SEC quanto à oferta de cursos de pós-graduação lato sensu.

CEED – Todas as denúncias foram apuradas ao longo dos últimos dois anos. A relatora da Indicação, a conselheira do CEED Cecília Bujes – que representa o Sinpro/RS no Conselho –, considera o acatamento dessa orientação pela SEC um grande avanço para a qualificação dos cursos de atualização de professores no estado.

Conforme o documento, alguns critérios devem ser observados para que se considere a validade dos cursos. O primeiro deles diz respeito à oferta do curso ser na mesma área em que a instituição possui graduação reconhecida. Outro critério é que exista infra-estrutura com biblioteca e recursos pertinentes no local proposto para a realização do curso; além disso, os docentes que ministrarão as aulas devem ter formação na área e, no mínimo, grau de especialista. Quanto à carga horária, as especializações precisam possuir pelo menos um ano de duração e uma carga horária mínima de 360 horas.

As instituições de fora do RS investigadas pela SEC que constam no dossiê que será enviado ao MEC em abril

• Faculdade de São Francisco de Barreira (Bahia) – cursos: Especialização em Psicomotricidade – atuação: Vacaria

• Faculdades Integradas e Católicas de Palmas – Facipal (Paraná) – cursos: Psicologia Gestora, Psicopedagogia, Educação Física, Metodologia do Ensino de Línguas, Educação Especial, Educação Ambiental, Interdisciplinaridade, Ciências Sociais, Turismo, Pedagogia Empresarial – atuação: Ronda Alta, Encruzilhada do Sul, São Luiz Gonzaga, São Paulo das Missões, Santo Cristo, Santa Rosa, Giruá e Três de Maio.

• Faculdades Integradas de Lages – Univest (Santa Catarina) – cursos: Práticas Pedagógicas Interdisciplinares, Gestão com ênfase em Adm. Supervisão e Orientação Educacional – atuação: Carazinho, Canguçu, Pelotas, Santana da Boa Vista, Passo Fundo e Fontoura Xavier.

• Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão de Curitiba (Paraná) – cursos: Psicopedagogia Clínica Institucional I – atuação: Sarandi

• Universidade Norte do Paraná – Unopar (Paraná) – cursos: Gestão e Organização da Escola, Educação Infantil, Administração Hospitalar, Treinamento Desportivo, Gestão de Negócios – atuação: São Luiz Gonzaga, Santa Cruz do Sul e Passo Fundo.

• Faculdades Integradas de Amparo (São Paulo) – cursos: Administração e Supervisão Escolar, Orientação Educacional, Metodologia do Ensino, Psicopedagogia, Arte e Educação – atuação: Candelária, Pelotas e Passo Fundo.

• Fundação Getúlio Vargas – FGV (Rio de Janeiro) – cursos: Gestão Empresarial, Marketing, Logística, Comércio Exterior e Negócios Internacionais – atuação: Caxias do Sul e Porto Alegre.

• Universidade Castelo Branco – UCB (Rio de Janeiro) – cursos: Psicopedagogia, Gestão Escolar, Educação Infantil – atuação: Arroio Grande, Pelotas, Vacaria, Porto Alegre (Curso Mauá), Santa Maria e Santiago.

• Faculdade de Educação de Joinville (Santa Catarina) – cursos: Psicopedagogia e Pedagogia Gestora – atuação: Jaguarão e Pedro Osório

• Faculdades de Ciências Sociais Aplicadas – FACISA (Santa Catarina) – cursos: Psicopedagogia Institucional, Metodologia Interdisciplinar – atuação: São Lourenço do Sul.

• Universidade da Região de Joinville – Univille (Santa Catarina) – cursos: Interdisciplinariedade, Psicopedagogia, Desenvolvimento Urbano – Gestão Ambiental, Vitivinicultura, Administração de Recursos Humanos, Gestão de Competências – atuação: São Lourenço do Sul, Flores da Cunha, Bento Gonçalves, Tucunduva, Três de Maio, Tuparendi e Santo Ângelo.

• Ativo Cursos (Santa Catarina) – curso: Gestão Escolar – atuação: Agudo

• Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão da Faculdade Internacional de Curitiba – Ibpex (Paraná) – cursos: Psicopedagogia, EJA, Saúde Pública, Gestão em Finanças, Educação Infantil, Educação Ambiental. Obs.: São no total, 38 cursos – atuação: Santa Maria e Três Passos

• Universidade Metodista (São Paulo) – cursos: Educação Infantil, Supervisão Escolar – atuação: Passo Fundo.

• Universidade Federal de Lavras – Ufla (Minas Gerais) – curso: totaliza 46 cursos de Ensino a Distância – atuação: Porto Alegre.

• Associação Catarinense de Ensino – Aupex (Santa Catarina) – curso: Educação Infantil, Pedagogia Gestora, Supervisão e Administração Escolar, Práticas Pedagógicas Inovadoras no Ensino Básico e Médio – atuação: Bento Gonçalves.

• Instituto de Ensino Superior do Acre – curso: Educação Ambiental e Psicopedagogia – atuação: Alecrim e Santo Cristo.

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