OPINIÃO

A identidade do amor

Publicado em 5 de julho de 2005

Era um programa bonito sobre esse Dorival.
Eu almoçava vendo televisão.
Fascinada.
Aqueles versos, aquelas redes
aquele cardumes de liras,
aquela música amorosa limpa
apimentada e mágica
brotando daqueles lábios carnudos daquela boca coração dele
aquele balanço sensual de seu corpo abraçado ao violão,
como se esse fosse dele uma extensão,
Ai, aquele luxo de simplicidade me
comovia sem que eu percebesse…
Era um poeta lindo!
Um homem romântico e simples
sofisticado de tanta natureza e
gostoso aos noventa anos.
Queria casar com ele!

Às vezes, eu baixava os olhos ao prato
pra não errar a mira da escolha do garfo
a distinção do grão, a dose do alimento.
Até que num desses momentos,
voltando os olhos à tela,
dei de cara com os olhos de Caymmi!
Um close fechado dando detalhes estupendos da sua mirada
e ao mesmo tempo uma panorâmica forte daquele olhar.

Ai meu deus,
o que eram, o que são e o quanto sãos são os olhos de Caymmi?!
Aquela gigantesca meiguice de olhar era quase uma covardia comigo!
Era uma beleza flagrante demais para um coração como o meu,
que sofre de fraquezas irremediáveis por essas belezas!
Resultados:
Explodi num choro pluvial!
Aquele olhar me fez chorar.
Chorava, chorava, chorava
lágrimas prato sofá e sentia o porquê,
mas esse porquê como me cabe
explicar?

Meu deus, não era só um olhar
Era a poesia!
Não, não era só a poesia
era ela de frente com sua fronte real!
E não era só a frente e a fronte
era a fonte dela.
Mas ainda assim não era.
Não.
Aqueles olhos não eram só a
fonte dela.
Aquilo era o fundamento e a
fundação do azul!
Não…, ainda isso não era…
aqueles olhos
e aquele olhar
eram mais
aquela praia nítida que se via neles
era o mar.

Mas acontece que o mar,
na realidade, era outro:
O mar era, na verdade, um
mero reflexo,
um retrato convexo, fiel e sublime
dos morenos olhos de
Dorival Caymmi.

Comentários