CULTURA

A humanidade segundo Onetti

César Fraga / Publicado em 4 de outubro de 2005

Depois de muitos anos de desventuras e infortúnios, um homem volta à sua terra para realizar um sonho, montar o “bordel ideal” na cidade-ficção Santa Maria. O “bom-cafetão” desse romance de Juan Carlos Onetti – publicado originalmente em 1964, mas ainda atual –, Larsen, personagem que já freqüentou várias obras do autor, volta à cena para expor cruamente o moralismo e a hipocrisia como sinônimos do que comumente denominamos humanidade. O protagonista tem o apelido de Junta-Cadáveres justamente por ser uma espécie de colecionador de putas pobres, devido ao hábito de tratar mulheres “já passadas” com tolerância, paternalismo, doses de interesse e um certo sentimento de pena, desde que façam bem o seu trabalho. Ele consegue seu intento, inicialmente, graças a um acordo feito entre um senador da cidade e um médico, que acredita que com um prostíbulo as doenças tenderiam a aumentar e isso ajudaria nos negócios. Mas rapidamente se inicia uma perseguição moralista com contornos perversos. A Santa Maria, cidade imaginária de Onetti, também palco de outros textos seus, poderia ser qualquer lugar do Uruguai ou do Brasil, inclusive dos dias de hoje.

Esse apelido, Junta-Cadáveres, dá título à obra relançada dentro do projeto de republicação da bibliografia do autor para os leitores brasileiros feita pela editora Planeta. A nova versão traz prefácio de Francisco J. C. Dantas e tradução de Luis Reyes Gil.

O escritor Uruguaio Juan Carlos Onetti – Prêmio Cervantes de Literatura de 1980 –, viveu entre 1º de julho de 1909 e 30 de maio de 1994. Ele é considerado o maior escritor uruguaio do século passado e um dos maiores escritores de língua espanhola de todos os tempos. Sua mãe era de origem brasileira, e, dos seus 85 anos de vida, morou em Montevidéu, sua cidade natal, Buenos Aires (de 1939 a 1941 e de 1943 a 1955) e Madri, onde viveu exilado a partir de 1975. Sua formação foi autodidata, pois nem sequer completou o Ensino Médio. Também foi editor do célebre jornal Marcha, funcionário da agência Reuter, publicitário, diretor da Biblioteca da prefeitura da capital uruguaia e, sobretudo, escritor. Em 1939 publica El pozo, germe de toda sua produção posterior que compreende uma longa série de sofisticados contos e romances como A vida breve, também publicado pela Planeta. Junta-Cadáveres (Planeta, 317 páginas) é resultado de um escritor já maduro que utiliza uma linguagem mais acessível do que a utilizada em seus livros anteriores.

Somos medievais
Em busca da Idade Média (Civilização Brasileira, 222 páginas), do renomado historiador francês Jacques Le Goff, é uma coleção de textos, na verdade, conversas com seu colega Jean-Maurice Montremy, transformadas em ensaios pelo próprio autor após minuciosa revisão. Medievalista famoso, expõe de forma clara o quanto a civilização se moldou à cultura ocidental em qualidades e defeitos nos últimos mil anos. Estabelece os elos entre o passado e o presente ao observar o cotidiano das pessoas comuns, intelectuais, monges, guerreiros e cavaleiros que viveram na Europa durante a Idade Média. O melhor do livro é que o leitor acompanha as conclusões do autor tal e qual ele as foi concebendo, pois o livro funciona como uma espécie de diário de navegação, que revela uma epopéia intelectual, a do prórpio Le Goff, em sua descoberta sobre as ligações e similaridades entre o passado e o presente, entre o homem medieval e o contemporâneo. Vale lembrar que no período das Cruzadas o que hoje conhecemos como pensamento ocidental estava recém em formação e era longe de ser uniforme ou hegemônico.

Pedagogia e comunicação
Pedagogia do entendimento intersubjetivo (Editora Unijuí, 229 páginas), de Celso José Martinazzo, baseia-se na teoria da ação comunicativa, de Jürgen Habermas, para compreender a racionalidade atual da Pedagogia, bem como apresentar argumentos para a construção de uma outra racionalidade com vistas a uma nova identidade pedagógica centrada na razão comunicativa, numa perspectiva que o autor denomina “pedagogia do entendimento intersubjetivo”. Essa pedagogia quer ressignificar o sentido de princípios pedagógicos centrados na filosofia do sujeito, na sua forma de autonomia da razão, de processo reflexivo, de autoconsciência crítica à luz de um juízo processual, dialógico-intersubjetivo e, por isso, tem a pretensão de inscrever-se como possibilidade concreta para uma nova identidade da Pedagogia. Martinazzo é Doutor em Educação e professor titular da Unijuí. www.unijui.tche.br/editora/

Harry Potter em debate
Além da Plataforma nove e meia – Pensando o fenômeno Harry Potter (UPF Editora, 207 páginas) é uma coletânea de textos sobre a série Harry Potter, organizada por Sissa Jacoby e Miguel Rettenmaier, congregando textos tanto de especialistas da leitura e da literatura infanto-juvenil, como Nelly Novaes Coelho, Vera Aguiar, João Luís Ceccantini, Alice Martha, quanto de jovens pesquisadores, vinculados a cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado), como Ana Cláudia Pelisoli, Cris Gutkoski e Maria Lucia Vargas.

Trabalho e pensamento
O trabalho na história do pensamento ocidental (Editora Vozes, 280 páginas), organizado por Daniel Mercure e Jan Spurk, propõe uma revisitação dos grandes autores clássicos e modernos, sob as perspectivas antropológica, sociológica, filosófica, e das ciências humanas em geral, abordando suas grandes questões relacionadas ao esforço, à obra e ao trabalho.

Teoria e prática
O escritor e professor Cícero Galeano Lopes lança em simultâneo dois livros: Literatura e poder – a contribuição da literatura de dissidência (UFRGS Editora, 174 páginas) e A viagem (Editora Movimento, 95 páginas). O primeiro é composto por material organizado a partir da tese do doutoramento Reconstrução e Dissidência, defendida em 1996. O segundo é um livro de contos. Em um dos livros, o professor Cícero Galeno Lopes disseca as relações entre poder e literatura de forma crítica, apontando as dissidências ou literaturas fora-de-escola. No outro, o escritor se mostra no pleno exercício do objeto dissecado, viajando literalmente da realidade acadêmica para a ficção com sua prosa próxima a narrativa típica do contador de causos, porém com o benefício da sofisticação da escrita. Lopes divide suas tarefas de escritor com as de professor na Unilassale. www.msmidia.com/cicero/ – e-mail: cgul@cpovo.net

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