OPINIÃO

O preço da música

Por Ana Paola de Oliveira / Publicado em 29 de abril de 2006

precomusica

Arte: Rodrigo Vizzotto

Arte: Rodrigo Vizzotto

Além da dimensão econômica, o jabá reafirma padrões estéticos, determina a oferta, e influencia o gosto do consumidor, impedindo o livre acesso à diversidade musical.

No mercado da música industrializada, a mídia, de forma particular a televisão e o rádio, desempenha um papel especial como espaço de divulgação e praticamente ponto-de-venda. No cumprimento dessa função, os meios de comunicação contam com total liberdade para midiatizar, que, no caso, é definir o que deve ou não se tornar público enquanto expressão contemporânea da criatividade artística e musical.

Os processos midiáticos, como estratégias e ações da mídia, são planejados e processados por lógicas mercadológicas. Nota-se a incapacidade do Estado, frente ao domínio do privado sobre o público, quando poderia criar normas de regulamentação, impedindo assim que se dilua a cultura popular nacional, como já acontece, materializando-se no discurso hegemônico do mercado. Em meio a isto, o sucesso musical é decidido através de acordos dos grandes grupos empresariais corporativistas e viabilizados por meio de projetos de marketing (o tradicional jabá).

O uso do jabá, no Brasil, aparece no início da década de 40, com a execução das marchinhas de carnaval. A atuação deste esquema de manipulação nos meios de comunicação, que inclui pagar suborno para ganhar vantagens editoriais, se manifesta através de “pagamento em dinheiro, brindes, trocas de favores (viagens, compra de equipamentos para a empresa de comunicação) ou processos associados entre empresas numa forma de sinergia”1 . No início do século XXI, nota-se claramente que o jabá tornou-se um esquema entre firmas oligopolistas que buscam monopolizar a informação musical. Criam-se canais empresariais que priorizam seus produtos dentro dos meios de comunicação, que também são controlados.

Um bom exemplo disso pode ser analisado no canal MTV Brasil, que faz parte do grupo Abril – 50% das ações pertencem ao grupo brasileiro e os outros 50% são da matriz Viacom americana2. Essas duas empresas possuem alianças entre grupos de comunicação e entretenimento. A Viacom tem como parceiros a Time Warner, a Universal, Sony e a Polygram. Já a Abril apresenta alianças com a Warner e a Universal. Com isso, nota-se que a MTV foi um canal construído com a intenção de tornar-se a principal vitrine da indústria fonográfica à população jovem de todo mundo. Essas alianças são estratégicas, com interesses midiáticos e mercantilistas, pois buscam a divulgação e a venda dos produtos musicais, que passam pela TV, por uma revista mensal e por projetos artísticos como produção de especiais, vendidos na forma de CD ou DVD, sendo o caso do Acústico MTV.
No quadro 1 (vide tabela na página seguinte), aparecem os grupos que foram escolhidos pela audiência no Disk MTV em 6 de fevereiro de 2004, onde se identifica claramente a prevalência dos artistas ligados às majors da indústria musical.

cd

Arte: Rodrigo Vizzotto

Arte: Rodrigo Vizzotto

É importante lembrar que a música gravada é o mercado cultural com maior concentração mundial. As quatro maiores gravadoras globais são Universal (28%), Sony BMG (20%)3, WEA (18%) e EMI (15%). As vendas chegam entre 80% a 90% do mercado global. Na medida que estas instituições controlam o espaço de difusão da música, nota-se uma hiperconcentração no comércio internacional de bens simbólicos, que tem início na década de 80 do século XX. Além da dimensão econômica, o jabá reafirma padrões estéticos, pois, ao determinar a oferta, constrói imagens e tenta influenciar o gosto do consumidor com referências construídas, impedindo o livre acesso à diversidade musical.

A produção musical, para se tornar um fenômeno, precisa fazer parte de um agendamento. E é assim que se constrói a música que toca repetidamente nos meios de comunicação. Segundo Calabrese, os fenômenos já não falam por si só e pela evidência: “É preciso provocá-los, o que equivale a dizer que é preciso construí-los”4. Nesse sentido, as formas mais variadas de fazer jabá aparecem dentro de uma estrutura ligada a interesses industriais para produzir lucro às empresas afins.

A indústria cultural americana

Este movimento tende a envolver a produção simbólica em geral, atingindo inclusive as formas ditas alternativas. Harvey identifica na indústria da música dos Estados Unidos que “até a música politicamente explícita que fala da longa história de opressão (como algumas formas de rap e de reggae) se mercantiliza e circula amplamente por todo o mundo”5.

O novo, no início do século XXI, se estrutura sobre referências preexistentes, e a cultura local só se faz importante quando interage e fortalece o movimento global. A novidade se funda no controle das contradições. É possível afirmar que esses traços variáveis apontam para uma diferenciação de estilos de vida e demarcam relações sociais. Mas esses traços se formam dentro de um pluralismo regulado, cujos estilos se parecem. Os valores estéticos se estruturam sobre variações de uma mesma variável. O mercado necessita do discurso da diversidade, mas ele resulta, apenas, na grande circulação de informação e nos modelos de consumo. Cria-se a idéia de igualdade, mas ao mesmo tempo são reforçadas as desigualdades sociais. Aparecem as tribos e os vários estilos musicais.

Fala-se aqui de padrões legitimados, a estética por ela mesma, sem contradições nem questionamentos. Esse processo incide na construção de bens simbólicos que ocupa um lugar nos discursos, no consumo e no campo da educação da população. Afinal, você é o que consome. Nota-se uma produção regulada, dentro de uma sociedade que tem seu entretenimento e sua cultura administrados, em nome de uma segmentação homogeneizada.
A cultura expressa nos meios de comunicação comerciais funciona dentro deste processo de generalizações e apropriações múltiplas. O espaço de difusão supercontrolado é a principal estratégia de monitoração de mercado da indústria do entretenimento global, no qual objetiva a circulação de capital. Essa relação que se estabelece serve ao debate, e é uma forma de analisar a expansão do campo econômico sobre o cultural. A concentração nos processos de comunicação midiática objetiva à maximização do lucro. Isso gera desigualdades sociais a uma grande parcela da produção cultural que busca novos meios de difundir sua arte. É a resistência cultural do meio alternativo, mas isso é outro artigo.

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