GERAL

O Brasil na estufa

Por Roberto Villar Belmonte / Publicado em 22 de setembro de 2006

Estiagens mais prolongadas, enxurradas mais intensas, uma seca sem precedentes na Amazônia, tornados e até um furacão, fenômeno típico do Caribe, já apareceu por aqui. Com o aumento da temperatura no planeta, que pode ultrapassar a barreira dos 2ºC nas próximas décadas, esses fenômenos climáticos extremos vão fazer parte da rotina do Brasil. O Rio Grande do Sul é um dos estados mais afetados pelas mudanças climáticas, alerta o Greenpeace em relatório recém-divulgado em Brasília.

Talvez você ainda não tenha reparado, mas as noites estão mais quentes no Rio Grande do Sul. Entre 1913 e 1998, as temperaturas mínimas no Estado já subiram 1,4°C, segundo dados da Agrometeorologia da Ufrgs. Se ainda não se deu conta disso, provavelmente esteja se perguntando onde foi parar o nosso inverno, que nos últimos anos aparece com a cara dos meses de verão. Quem vive no campo com certeza percebeu, no ano passado, a pior estiagem dos últimos 50 anos. A quebra na safra da soja, do milho e do feijão foi de 8,5 milhões de toneladas, com um prejuízo nunca visto de R$ 3,64 bilhões e 451 municípios gaúchos em situação de emergência e estado de calamidade.

Em 29 de agosto de 2005, um tornado devastou o município de Muitos Capões (RS), no mesmo dia em que o furacão Katrina arrasou Nova Orleans, a capital do jazz nos Estados Unidos. Coincidência? Talvez. Também no ano passado, um aquecimento anormal observado no Atlântico Norte transformou o oeste e o sul da Amazônia, região que detém 20% da água doce do planeta, em uma espécie de sertão. Lembra das fotos na imprensa? Quando o assunto é mudanças climáticas, não precisamos ir muito longe. No final de março de 2004, um furacão, batizado de Catarina, causou pânico e destruição em Torres (RS). Fenômenos como este nunca tinham ocorrido por estas bandas.

Estudos recentes mostram que a Região Sul do Brasil é a segunda mais favorável à ocorrência de tempestades capazes de gerar tornados, considerados uma das mais violentas perturbações atmosféricas. De 1980 a 2003, ocorreram 43 episódios de tornados em Santa Catarina, causando um prejuízo de mais de R$ 16 milhões. Em 2006, a falta de chuva diminuiu o volume de água das Cataratas do Iguaçu para 300 mil litros por segundo em julho, quando o normal é 1,3 a 1,5 milhão de litros por segundo. A visitação ao Parque Nacional de Iguaçu nas férias de inverno teve uma queda considerável. No campo, os agricultores paranaenses também estão tendo prejuízos.

Estes são alguns dos dados que o Greenpeace apresentou no final de agosto em Brasília (DF) através de um filme e de um relatório sobre os impactos já observados do aquecimento global no Brasil. O estudo, chamado Mudanças do clima, mudanças de vidas, será lançado em Porto Alegre (RS) no dia 14 de setembro. Os ecologistas documentaram, através de entrevistas com as comunidades afetadas e cientistas de renome internacional, os efeitos das mudanças climáticas na Amazônia, no semi-árido nordestino, na zona costeira e na Região Sul. O objetivo da entidade ambientalista é denunciar a omissão do governo brasileiro diante do mais grave problema ecológico do século XXI.

Cientistas do mundo inteiro – reunidos no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) – não têm mais dúvidas de que as alterações climáticas que ocorrem em todo o planeta estão sendo causadas pela emissão de gases estufa – entre eles, o gás carbônico e o metano. A média da temperatura do planeta já subiu 0,6°C nos últimos cem anos, e a concentração de carbono na atmosfera saltou de 280 ppm, antes da era industrial, para 378,9 ppm em 2005 devido à queima de combustíveis fósseis e à destruição das florestas tropicais. Por isso as geleiras estão derretendo e vão aumentar o nível do mar, e os fenômenos climáticos extremos estão ficando mais intensos e freqüentes.

Mais calor significa mais energia para tempestades tropicais, furacões e outros eventos climáticos extremos. De acordo com o relatório do Greenpeace, alguns estudos mostram que a intensidade dos furacões, tufões e ciclones tropicais vem crescendo nos últimos 30 anos. O número de eventos, no entanto, manteve-se na média, na faixa de 80 a 90 por ano. A causa é atribuída ao aumento das temperaturas do Oceano Atlântico Tropical, que está 0,5°C mais quente do que há 40 anos. Para os ecologistas, estes dados mostram que já estaríamos entrando em uma era em que os extremos climáticos ou se tornariam mais intensos ou poderiam acontecer com mais freqüência.

A principal bronca dos ativistas do Greenpeace, que no final de março aportaram um de seus navios – o Artic Sunrise – na capital gaúcha, é com a destruição da maior floresta tropical do planeta. A derrubada das árvores e as queimadas na Amazônia, apesar dos esforços do Ministério do Meio Ambiente, fazem do Brasil o quarto maior emissor de gás carbônico do planeta, e também alteram o clima na Região Sul. Isso cria um círculo vicioso, pois o lançamento deste CO2 – estimado em 200 a 300 milhões de toneladas ao ano na região amazônica – aumenta o efeito estufa e o aquecimento global que, por sua vez, facilita a proliferação do fogo florestal e de novas emissões.

Aquecimento global

Durante bilhões de anos, a presença de vapor d’água, do dióxido de carbono (CO2), do metano (CH4) e de outros gases na atmosfera, deu origem ao efeito estufa, um fenômeno natural que criou as condições necessárias para o surgimento da vida na Terra como nós a conhecemos. Sem este efeito estufa, a temperatura ficaria abaixo dos -17°C e toda a superfície do planeta estaria coberta de gelo. A atmosfera terrestre, através desses gases de efeito estufa, aprisiona parte da energia do Sol refletida pela superfície do planeta. O calor desta energia que não volta ao espaço é redistribuído através das circulações atmosféricas e oceânicas, e uma parte desta energia é naturalmente irradiada novamente ao espaço. Quando aumentamos o efeito estufa, lançando cada vez mais carbono na atmosfera, o resultado é um planeta mais quente.

O que você pode fazer
– Apóie e participe de iniciativas, atividades e ações que promovam o combate ao desmatamento da Amazônia. Compre móveis de madeira certificada.

– Pressione os governos e as empresas a substituírem a energia negativa (petróleo, nuclear e grandes hidrelétricas) por energia positiva (solar, eólica e pequenas hidrelétricas).

– Economize energia. Compre aparelhos mais eficientes (classificação A) e troque as lâmpadas incandescentes por lâmpadas fluorescentes. Apague luzes desnecessárias.

– Utilize o transporte coletivo e a bicicleta quando possível. Revise o seu carro periodicamente e use combustíveis de transição como o álcool e o biodiesel.

– Evite o desperdício de água. Em áreas sujeitas a secas prolongadas, armazene água. O uso de cisternas é uma solução importante para as comunidades.

– Exija da sua prefeitura sistemas eficientes de drenagem urbana, de coleta e tratamento de esgotos, além do aproveitamento do metano emitido pelos aterros sanitários.

– Informe-se sobre as habitações que aproveitam a água da chuva, geram a própria energia elétrica, utilizam o aquecimento solar e a climatização natural.

– Não plante monoculturas. Faça o reflorestamento da mata ciliar, na beira dos rios e nas nascentes, com espécies nativas. Utilize sistemas de irrigação eficientes.
Fonte: Greenpeace

Como enfrentar as mudanças climáticas

O Brasil pode e deve assumir um papel de vanguarda nesta luta, segundo o Greenpeace. Além de reduzir as emissões do país, impedindo a destruição da Amazônia, investir em eficiência energética e em fontes modernas e limpas de energia, precisa elaborar uma política para integrar as ações isoladas que hoje são implementadas por instituições de pesquisa, universidades e pela sociedade civil. Até agora, esse assunto só é prioridade após os desastres. Um exemplo é o Rio Grande do Sul. O Estado ainda não implantou o Centro Estadual de Meteorologia Aplicada, em parceria com universidades e empresas públicas, apesar do projeto se arrastar há vários anos.

“Como o Brasil tem 45% da sua matriz energética baseada em combustíveis renováveis, o nosso governo não assume nas negociações internacionais a responsabilidade de quarto maior emissor de gases de efeito estufa do planeta. E tem dado prioridade às oportunidades de lucro com o problema incentivando o mercado de carbono. Além disso, apesar de ser obrigação do país, ainda não temos uma Política Nacional de Mudanças Climáticas para mitigar e prevenir os efeitos dessas alterações nas comunidades mais afetadas, e nem um estudo de vulnerabilidade mostrando as regiões mais sensíveis”, denuncia Carlos Rittl, coordenador do relatório Mudanças do clima, mudanças de vidas.

De acordo com o Greenpeace, práticas agrícolas sustentáveis também precisam ser disseminadas entre os agricultores, que já estão sofrendo as anomalias climáticas, principalmente na Região Sul. Novos estudos precisam ser feitos para possíveis adaptações ao zoneamento agrícola e redução de riscos no campo. A expansão da agricultura, alertam os ecologistas, deve ocorrer através da recuperação de áreas já desmatadas, sem destruir florestas. Além disso, destaca o relatório, o sistema de saúde precisa levar em conta a tendência de aumento e redistribuição geográfica de doenças infecciosas, como a malária e a dengue. O Brasil já está na estufa.

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