EDUCAÇÃO

Demissões sem causa

Por Stela Rosa / Publicado em 21 de março de 2007

Sem considerar os currículos e nem a contribuição dos docentes para a excelência do ensino, as universidades inauguram uma nova fase de demissões. Em alguns casos, a alegação é a mudança nos cursos e, na maioria, nem sequer é apresentado o motivo. Segundo um levantamento realizado pelo Sinpro/RS em 2006, 1.771 docentes foram demitidos nas instituições em todo o Estado, e desde o início de 2007, já foram dispensados 168. Diante dessa realidade, cresce a preocupação com a qualidade do ensino, visto que muitos dos que foram excluídos do quadro são pesquisadores, responsáveis pelo desenvolvimento de programas de mestrado e doutorado e projetos de extensão. Exatamente as áreas que asseguram a produção do conhecimento, uma das funções das universidades prevista em lei, que determina a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Jorge Almeida Guimarães, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento Pes-soal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação (MEC), alerta que exonerar doutores e mestres pode repercutir negativamente. “É um risco para a graduação e, principalmente, para a pós-graduação. Isso pode levar à queda de conceito, e as instituições que ficam com nota três são fechadas”, informa. Jorge Almeida pondera que ter bons profissionais garante prestígio e qualidade e, por conseguinte, mais alunos. Diante disso, não seria essa a melhor alternativa para baixar custos com a folha de pagamento, razão também apontada como causa.

As recentes demissões realizadas pela PUC-RS seguem uma tendência já inaugurada há alguns anos por outras universidades com tradição e demonstram a seriedade da situação. Sem apresentar motivos, a instituição demitiu as professoras Maria da Glória Bordini e Regina Zilberman, da pós-graduação de Letras, além de outros docentes. A atuação delas tinha tal reconhecimento que provocou críticas de acadêmicos, escritores e estudantes, motivando um abaixo-assinado e a retirada do acervo literário de Erico Verissimo da instituição. Com intensa produção na área de pesquisa, elas atuavam na universidade há mais de duas décadas e eram responsáveis por iniciativas inovadoras, como o projeto pioneiro de organização de acervo literário, criado por Maria da Glória Bordini, que garantiu visibilidade à PUCRS tanto no Brasil como no exterior. O escritor Moacyr Scliar, cujas obras também integram o projeto, foi um dos que criticou o afastamento. “Maria da Glória fez, e faz, muito pela literatura no Rio Grande do Sul. Sua saída da PUC é, pois, lamentável”, frisa Scliar.

Sem critérios para demitir – Outros aspectos questionados são a falta de critérios e os métodos utilizados. Amarildo Cenci, diretor do Sinpro/RS, ressalta que há situações constrangedoras, nas quais o docente, ao ser demitido, torna-se persona non grata. “Inúmeros professores queixam-se do tratamento. A PUCRS, por exemplo, vem suprimindo automaticamente o cartão de ingresso, o e-mail e até mesmo o acesso aos arquivos. É preciso respeitar os profissionais e reconhecer o trabalho prestado”, denuncia. Cenci frisa que vem sendo pontuada pelas entidades sindicais a necessidade de constituir espaços extra-institucionais para inibir abusos. “Continuaremos lutando para que essas questões sejam evitadas e um dos caminhos é a inclusão no projeto de lei da Reforma Universitária de critérios essencialmente acadêmicos para contratação e demissão de docentes, e não de clientelismo”, pontua.

No que se refere à PUCRS, o estabelecimento de critérios para as demissões já foi debatido pela própria Universidade. O professor Assis Piccini, ex Pró-Reitor adjunto de graduação, também afastado sem razão, informou que há um projeto prevendo a criação de um conselho para discutir essas questões, mas que ficou só no papel. “Falta transparência, não são apresentadas as causas, e os professores não recebem nenhum tipo de acompanhamento”, constata. Para a advogada da assessoria Jurídica do Sinpro/RS, Luciane Lourdes Webber Toss, as demissões devem ser transparentes para evitar, inclusive, as discriminações. “Já tivemos relatos de professores que se sentiram descartados em função da faixa etária, porque foram dispensados sem motivos após os 60 anos”, ressalta.

Professores desconhecem razões

Na recente onda de demissões da PUC, a principal crítica dos docentes é a falta de respeito. Maria da Glória Bordini pontua a desvalorização do trabalho construído. “Contribuímos para o reconhecimento da PUC e somos expelidos em cinco minutos. Falta compreensão do papel da universidade e a importância de manter a qualidade”, analisa. Regina Zilberman avalia que as universidades precisam valorizar os docentes. “Os professores são um patrimônio fundamental para a excelência de ensino, o credenciamento, pois os currículos desses são essenciais no processo e importantes também para captar recursos de subvenção pública, como as bolsas de iniciação científica”, pontua.

Os abusos também fazem parte do cenário, resultando em ações judiciais. Jorge Sarriera, que era da faculdade de psicologia da PUC, passou por uma série de circunstâncias constrangedoras antes da demissão, em 2006. Em função disso, atualmente ele move processo de assédio moral. “A estratégia foi impossibilitar minha atuação, com boicote de autorizações para me ausentar e cumprir minhas responsabilidades nas sessões de avaliação de projetos no CNPq ou de participar em bancas fora do país, deixando sem resposta as minhas solicitações, entre outras situações”, relata.

Alunos são prejudicados – Wagner Coriolano de Abreu, orientando de Regina Zilberman, e Ítalo Ogliari, orientando de Maria da Glória, ficaram sem as orientadoras na etapa final dos trabalhos e nem mesmo foram comunicados pela instituição. “Essa parece ser a tendência da conjuntura atual. No ano passado, aconteceu com professores da Unisinos. Isso é grave, e as universidades devem repensar seus projetos do ponto de vista da qualidade. Não podemos banalizar o ensino superior”, pondera Coriolano. Para Ítalo Ogliari, não há uma explicação institucional. “Eram professoras de ponta”, diz.

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