OPINIÃO

A mão invisível do mercado e da guerra

Marco Aurélio Weissheimer / Publicado em 26 de abril de 2008

ilustra_marco

Ilustração: Rodrigo Vizzotto

Ilustração: Rodrigo Vizzotto

O ex-presidente do banco central norte-americano, Alan Greenspan, admitiu em artigo publicado no jornal Financial Times que a famosa “mão invisível do mercado” (uma das premissas básicas dos ideólogos da desregulamentação da economia e do sistema financeiro) tem um pequeno problema: não funciona. Greenspan disse que é impossível saber quantos meses demorará a atual crise financeira nos Estados Unidos e que os modelos econômicos com os quais o sistema financeiro mundial trabalha “são insuficientes para determinar os rumos da economia, diante do volume e da complexidade das variáveis existentes”. “Nunca seremos capazes de prever as descontinuidades do mercado financeiro. Elas são necessariamente uma surpresa”, admitiu. Ele definiu o atual momento como uma alternância de fases de euforia com momentos de retração.

A crise financeira que os EUA vivem hoje é a mais grave desde a Segunda Guerra, alertou. “A atual crise financeira dos Estados Unidos será verdadeiramente julgada como a mais grave desde o fim da Segunda Guerra Mundial”. Ela só chegará ao fim, acrescentou, quando o preço dos bens imobiliários se estabilizar. Até lá deixará numerosas vítimas. “O sistema de avaliação dos riscos atualmente em vigor será particularmente tocado”, admitiu Greenspan, que teme ainda pela sobrevivência da “auto-regulamentação financeira como mecanismo fundamental de equilíbrio do setor financeiro mundial”. Em seu artigo, o ex-presidente do Federal Reserve não fez qualquer autocrítica sobre sua gestão. Ele é apontado como um dos principais responsáveis por alimentar a bolha imobiliária nos EUA, ao reduzir continuamente as taxas de juros, como forma de manter a aceleração econômica mesmo em fases desfavoráveis.

Um dos mais recentes capítulos da crise foi o anúncio da grave situação do banco Bear Stearns, o que fez com que as bolsas despencassem no mundo inteiro. O banco de investimentos concedia financiamentos de longo prazo e fazia aplicações de curto prazo, especialmente no mercado de crédito imobiliário de alto risco. A crise desse setor atingiu o banco em cheio. Após uma “injeção de liquidez” do Federal Reserve (o Banco Central dos EUA), o Bear Stearns acabou sendo vendido para o JP Morgan por 10% do valor que tinha na Bolsa de Valores de Nova York. É neste cenário que o dólar segue derretendo e, no mês de março, atingiu um patamar considerado impossível há bem pouco tempo: para comprar um euro era preciso desembolsar 1,59 dólares. A partir desses dados, cresce entre a maioria dos analistas o temor de uma profunda recessão econômica nos EUA.

A guerra dos 3 trilhões de dólares

O impacto da crise é ainda maior quando vemos os gastos dos EUA com a invasão do Iraque, cinco anos após o início da guerra. Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, e Linda Bilmes, professora de Harvard, calcularam os custos do conflito e chegaram a um número impressionante. A administração Bush afirmou que a guerra custaria cerca de 50 bilhões de dólares. No entanto, hoje, os EUA gastam no Iraque exatamente essa quantia a cada três meses. Em seu livro A guerra dos três trilhões de dólares: os verdadeiros custos do conflito do Iraque, Stiglitz e Bilmes calcularam que, no mínimo, o custo econômico da guerra para os EUA será de 3 trilhões de dólares, e outros 3 trilhões para o resto do mundo, ou seja, muito mais do que foi estimado pelo governo Bush antes da invasão. Bush não apenas enganou o mundo quanto aos custos da guerra, mas também ocultou essa informação enquanto o conflito se desenvolvia, denunciam.

Isso não chega a ser motivo de surpresa, acrescenta Stiglitz, uma vez que o governo Bush mentiu sobre todo o resto, desde as armas de destruição massiva de Saddam Hussein até a suposta vinculação do iraquiano com a Al Qaeda. De fato, destaca ainda, somente depois da invasão liderada pelos EUA foi que o Iraque se transformou em caldo de cultivo para terroristas. Além do custo político e militar, a guerra também provoca impacto na economia norte-americana. Stiglitz contextualizou esse impacto. Por um sexto do custo da guerra, os EUA poderiam estabilizar seu sistema de seguridade social durante mais de meio século, sem precisar cortar benefícios nem buscar novas contribuições. O governo Bush reduziu os impostos dos ricos quando foi para a guerra, elevando ainda mais o já elevado déficit orçamentário do país.

Essa escolha obrigou Washington a enfrentar os crescentes gastos públicos com a guerra com mais déficit fiscal. “Esta é a primeira guerra na história dos EUA que não exigiu algum sacrifício dos cidadãos; na verdade, todo o custo é transferido para as gerações futuras”, resume Stiglitz. Por fim, há o custo humano da guerra. Segundo dados oficiais, na véspera do quinto aniversário da invasão, 3.983 militares norte-americanos já tinham sido mortos. O número de feridos é 15 vezes maior, chegando perto dos 52 mil. Os EUA terão que conceder indenizações por invalidez a cerca de 40% dos 1,65 milhão de soldados que já foram mobilizados. No lado iraquiano, a tragédia é imensamente maior. Diferentes estudos indicam que o número de mortes varia de 800 mil a 1 milhão de inocentes desde o início da guerra. Esse custo é impagável.

Comentários