OPINIÃO

Dicionários pessoais

Publicado em 26 de abril de 2008

Cada escritor tem o seu cinto de utilidades na estante, proporcional às necessidades profissionais: gramáticas, dicionários, enciclopédias. Como nenhum autor é igual a outro, a variedade de obras auxiliares é extensa. Não custa imaginar uma customização retrô nas prateleiras de alguns literatos.

Na fase mais delirante da carreira, Franz Kafka rejeitou os livros normais de consulta. Se agarrou obsessivamente a um compêndio de entomologia.

Auto-suficiente, Guimarães Rosa criou o seu léxico original.

Aproveitando as tantas novelas de cavalaria conhecidas, Cervantes remonta tudo e põe um alfarrábio na algibeira de Dom Quixote, que enlouquece na leitura.

Em vez de ir a uma livraria e adquirir um precioso Webster, o genial James Joyce prefere pegar um exemplar da Odisséia e fazer um vertiginoso remix das palavras.

Com vasta cultura, Millôr Fernandes, o pai dos humoristas brasileiros, convida as palavras a fugirem das páginas solenes dos livros de referência e as leva para um recreio – o Dicionovário – em que oxigena o português.

Na sua cabeceira, Jorge Luis Borges mantinha uma pilha de incontáveis dicionários e enciclopédias que jamais foram escritos ou publicados. Para produzir seus contos fantásticos, ele os consultava às cegas.

Peso, tamanho e volume são os exageros físicos dos dicionários.

O verborrágico Paulo Leminski possuía um dos maiores, um Catatau.

Para Ambrose Bierce, o recurso foi adaptar os verbetes da Britânica à sua ótica cética e pessimista. Assim nasceu e faz sucesso até hoje o Dicionário do Diabo.

Já pro Dante Alighieri, uma única obra de referência bastou para guiar a sua monumental poesia: a Bíblia.

Vendo que palavras de sons semelhantes não eram a solução, Carlos Drummond de Andrade atirou o dicionário de rimas pela janela, que foi apanhado por um tal de J. G. de Araújo Jorge.

Certa noite de tempestade, Mary Shelley foi à biblioteca e desfolhou os exemplares de uma enciclopédia. Em seguida, costurou aleatoriamente as páginas até formar um livrão volumoso, que encadernou e por onde passou a se orientar nas dúvidas de linguagem.

Num esforço de pesquisa dos mais autênticos, Charles Bukowski compilou o seu dicionário a partir das paredes de banheiros públicos.

Mais preguiçoso, Luis Fernando Verissimo contratou um popular Gigolô das palavras como consultor particular.

Quanto ao meu próprio amansa-burro, tem só o essencial dele: as orelhas.

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