EDUCAÇÃO

Conexão Ruanda – Porto Alegre

Se ainda há quem veja com desconfiança a parceria entre Educação e internet, há quem já esteja festejando seus frutos. O destino ao alcance de um ‘clic’ não é uma frase de efeito para filmes de matinê. É,
Por Caren Mello / Publicado em 13 de setembro de 2009

Programas antes restritos a escolas particulares oportunizam a crianças de comunidades carentes o contato com as mais sofisticadas das tecnologias. Um projeto piloto teve espaço na Escola Estadual Luciana de Abreu, em Porto Alegre, há cerca de dez anos. A partir de um convênio com o governo federal, que havia lançado o programa Um Computador por Aluno (UCA), juntamente com a Ufrgs, hardwares e ferramentas como a internet foram levadas para dentro da sala de aula.

A experiência na escola motivou a professora Silvia Kist a romper fronteiras. Depois de defender a dissertação de Mestrado sobre aquela vivência, Silvia rumou para Ruanda, na África, integrando a ONG norte-americana One Laptop Per Child (OLPC). A ONG, que leva a países pobres computadores desenvolvidos pelo Massachussets Institute of Tecnology (MIT), acredita no uso da tecnologia para o desenvolvimento cognitivo nas regiões menos favorecidas.

A pedagoga está há um ano em Kigali, capital do país, ajudando na formação de jovens, uma vez que o genocídio ocorrido há 15 anos destruiu o país. No extermínio, grande parte dos profissionais das mais diversas áreas foram perdidos, deixando a região carente de médicos, professores e cientistas. Para a reconstrução da nação, o governo investe num projeto denominado Visão 2020. “Para a formação de novos adultos e profissionais capacitados, a introdução de tecnologias na Educação é uma peça chave”, conta Silvia. A ideia é dar um laptop para cada uma dos 2 milhões de crianças das escolas públicas. Há ainda outras metas como prover energia e internet para a população. Apenas 6% das escolas têm luz.

Ruanda recebeu uma doação de 10 mil laptops de baixo custo e comprou outros 100 mil providos de editor de texto, browser, câmera para foto, vídeo e áudio e softwares para crianças criarem histórias animadas, programas e jogos. Aos poucos os resultados começam a aparecer. “Em uma comunidade sem acesso à informação, sem TV, jornais e revistas, e onde os livros da biblioteca não saem da escola, imagina a felicidade deles quando descobriram o Google”, conta Silvia. A possibilidade de levar os laptop para casa estende os benefícios à família. “Eles ensinam os pais a ler e escrever; ensinam amigos e irmãos; tiram fotos; fazem vídeos”.

Os laptop têm ajudado, inclusive, na formação dos professores. Desde o início do ano, a língua oficial é o inglês. No entanto, a maioria dos professores só fala o francês, mas precisa ensinar o novo idioma. A internet entra aí como um diferencial fundamental.

Silvia, o marido, o cientista da Computação Juliano Bittencourt, e os demais integrantes da equipe desenvolvem com as crianças atividades que envolvem jornalismo, motivando os alunos a escreverem sobre suas histórias, seus sonhos e problemas da comunidade, e programação de jogos. Há ainda o trabalho de investigação de curiosidades. Os alunos falam sobre suas curiosidades e depois pesquisam na internet, documentando o processo com textos, vídeos e fotos. Uma das questões levantadas, conta a educadora, foi “Onde está o sol quando é noite?”, e o modelo criado foi uma simulação do sistema solar com os movimentos da Terra.

“Ainda que só com esses 100 mil laptop, que representa que 10% dos alunos realmente possam usá-los para aprender, criar e se expressar, daqui a alguns anos eles terão uma massa de adolescentes capazes. E isso é o que eles precisam! E criar oportunidades para essas crianças é o nosso sonho”, conta entusiasmada.

O protótipo dos laptop foi desenvolvido pelo MIT. Um dos seus mentores, o diretor do laboratório de multimídia do Instituto, Nicholas Negroponte, autor da célebre frase “computação não se relaciona mais a computadores; relaciona-se a viver”, propôs com o projeto reverter a lógica de que computadores são privilégios da elite. Sua postura de afronta à grande indústria de tecnologia lhe rendeu grandes embates com os chairman de empresas como a Microsoft e a Intel.

Da Lomba do Pinheiro para o mundo

A familiaridade com o ambiente virtual proporcionou um encontro inusitado para outro grupo de alunos da escola municipal Afonso Guerreiro Lima, da Lomba do Pinheiro, na capital. No final de julho, eles participaram em pé de igualdade com crianças de todos os pontos do planeta, na 9ª Conferência Mundial de Computadores na Educação, em Bento Gonçalves. A apresentação de projetos, como de protótipos em robótica, foi apenas uma das várias experiências vivenciadas. As crianças conversaram em inglês com seus pares internacionais e, na volta, usaram o Google Earth para localizar os endereços dos novos amigos. Dali, uma série de conteúdos foram desenvolvidos nas áreas de Cultura, Geografia e Ambiente. O meio eletrônico virtual, portanto, apresentou-se apenas como uma forma de atrair o aluno para desenvolver o saber.

Para Daniela, ainda não é possível traçar um perfil dos adultos e das relações que surgirão no futuro a partir dessas capacidades. Mas, suscita a educadora, é possível traçar um paralelo com o passado. “Lembra que na tua sala tinha um ou dois colegas com pendores especiais? Aquele geniozinho que costumava ler dicionário ou desmanchar e reconstruir rádios? Pois hoje todos têm esse perfil. É isso que produz o ambiente virtual”, aponta.

Aulas mais interessantes

A adoção das novas tecnologias tem promovido pequenas revoluções também em Porto Alegre, onde a rede pública, já de longo tempo, investe em tecnologia na Educação, aliando-se a celulares, computares e sites de relacionamento para manter o interesse do alunado nas aulas. Conforme relata a coordenadora da equipe de Inclusão Digital da Secretaria Municipal de Educação, Daniela Bortolon, com acesso em casa e entre os amigos, o alunado não se contentou mais com cartilhas, quadro negro e giz. Para seduzí-los, computadores de última geração, softwares para a criação de robôs e outros tantos hardwares, como scanners e câmeras, tornaram-se peça obrigatória na engrenagem do aprendizado. Os professores vêm desenvolvendo projetos de robótica, de produção de rádio pela internet e até de alfabetização.

De acordo com Daniela, não se trata apenas de colocar as escolas da periferia em contato com o ambiente digital. O reflexo na auto-estima é um dos componentes que mais os tem motivado. A coordenadora exemplifica com o caso de uma jovem de 17 anos da comunidade que transferiu-se com a família para o Rio de Janeiro. A experiência com na webradio da escola encorajou a menina a procurar emprego em uma emissora carioca. “Ela sabia que tinha capacidade, e o novo chefe se surpreendeu com a aptidão superior a de muitos recémformados”.

Ao lado da auto-estima, outro reflexo citado é a disposição que a criança tem de rever posturas. Se antes o aluno tinha receio, o contato com o ambiente virtual o deixou infinitamente mais corajoso. “Eles não têm medo de experimentar. O aluno acostumado ao ambiente virtual é destemido, vai em frente. Essa postura ele vai levar para toda sua vida”.

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