GERAL

CASO ULBRA: Dinheiro desviado pode ter sido levado ao Uruguai

Empresa de táxi-aéreo de executivo ligado a Cesar Arrieta fazia rota ao país vizinho com frequência
Por Naira Hofmeister / Publicado em 17 de abril de 2010
Prisão de César Arrieta em 2007 pela Polícia Federal, em Curitiba

Foto: Thiago

Prisão de César Arrieta em 2007 pela Polícia Federal, em Curitiba

Foto: Thiago

Um dos maiores estelionatários que atuou no Brasil, responsável por um rombo nos cofres públicos que alcança R$ 9 bilhões, o argentino Cesar Arrieta teve uma passagem pela Ulbra entre os anos de 2000 e 2001. Foi um ano antes de iniciar a Operação Tango da Polícia Federal, que investigou crimes que Arrieta praticou também dentro da Universidade.

Em Canoas, o argentino recebeu a tarefa de diminuir a dívida com a Receita Federal, que já naquela época preocupava os gestores da Ulbra. Obteve uma certidão negativa de débitos falsificada e vendeu créditos do Banco Santos para abater o passivo público da Universidade, crimes documentados pela Polícia Federal na época.

Pelos serviços prestados por Arrieta, mais de R$ 21 milhões foram repassados dos caixas da Ulbra para as empresas de sua mulher, Sônia Soder. A Universidade ainda teve que arcar com uma multa de R$ 244 milhões, aplicada pela Receita Federal, que desaprovou as tentativas de renegociação de dívidas feitas pelo argentino. “A auditoria levantou algumas operações dele (Arrieta). São justamente elas que geraram as multas de até 150% que hoje complicam a saúde financeira da Universidade”, admitiu o reitor Marcos Fernando Ziemer em entrevista exclusiva ao Extra Classe em janeiro de 2010.

Indiciado pela Operação Tango, Arrieta teve a prisão decretada, mas conseguiu uma série de habeas-corpus que o mantiveram longe da cadeia. Em 2009, o juiz federal Daniel Marchionatti Barbosa absolveu os envolvidos do crime denunciado pela Operação Tango. Quando resolveu deixar a Ulbra, o argentino colocou em seu lugar um executivo gaúcho chamado Paulo Zanchi, um homem que pode ser considerado um dos pivôs do escândalo na Ulbra.

A frequente rota que os aviões de sua empresa de táxi-aéreo faziam para o Uruguai alertou a Polícia Federal sobre um possível desvio de dinheiro para o país vizinho. “Temos pessoal atuando fora do Brasil, principalmente no Uruguai, para descobrir onde foi parar o dinheiro”, explicou o superintendente da PF, Ildo Gasparetto, no dia em que a Operação Kollektor foi deflagrada.

A investigação da Polícia Federal não conseguiu estender-se até o Uruguai, mas as suspeitas permanecem. Especialmente porque entre o extenso patrimônio da Ulbra está uma pequena escola em Montevidéu chamada Colegio y Liceo San Pablo, o que poderia “justificar” as frequentes visitas ao território uruguaio. A atual diretoria duvida que o dinheiro tenha ido para lá.

A unidade havia chamado a atenção do procurador da Fazenda Nacional Christian Frau Obrador Chaves, que questionou o ex-vice reitor Leandro Becker durante seu depoimento. “A escola é autossuficiente e hoje está em 640 alunos. O dinheiro das mensalidades é todo investido lá”, explicou o antigo gestor, um dos responsáveis judicialmente pela dívida bilionária da Ulbra.

Zanchi ajudou a montar a Resul
A Transul Táxi Aéreo tem como sócios Paulo Zanchi e Tirso Clodoaldo Friedrich, os mesmos representantes das empresas CPZ e Sulsoja, que entre julho de 2007 e abril de 2008 receberam da Ulbra 15 repasses financeiros idênticos em datas e valores, que somam quase R$ 20 milhões. O serviço descrito nas notas fiscais, “prestação de serviços de consultoria conforme contrato”, não foi comprovado pela auditoria.

Em seus depoimentos à Justiça Federal, o ex-vice reitor Leandro Becker e o ex-contador da Ulbra Aérnio Dilkin Penteado Junior especificaram o trabalho. Segundo eles, a CPZ estruturou e colocou no mercado as cédulas de crédito bancário (CCBs) da Resul, uma empresa criada para capitalizar a Universidade através do mercado financeiro. Os R$ 140 milhões advindos dessa operação seriam totalmente destinados à manutenção dos hospitais da Ulbra. Mas R$ 30 milhões pagaram empresas terceirizadas de consultoria, entre elas a CPZ, que recebeu cerca de R$ 4 milhões.

“Pagamos a quem auxiliou na montagem, tramitação e colocação no mercado, mas não sei quem foram os responsáveis”, revelou Ruben Becker em seu depoimento. Só a constituição da Resul já está repleta de irregularidades. A empresa foi criada em abril de 2007 e seu endereço oficial é uma avenida em São Paulo. Mas ela nunca funcionou na cidade paulista, como admitiram os antigos gestores da Ulbra em depoimento. No endereço que consta em seu contrato funciona a agência de viagens Maxitravel (que tinha filiais nos campus da Ulbra), propriedade de Juliano Rubens Ribeiro dos Santos – também investigado pela Polícia Federal por sua relação com o desvio de dinheiro da Ulbra.

Apesar de negarem que tenham auferido lucros da empresa, oficialmente a Resul estava no nome de Leandro e Ruben Becker, o que levou o juiz federal que coordena as execuções fiscais contra a Ulbra a chamá-la de “empresa de fachada”.

Polícia deve concluir inquérito em abril
Deflagrada em dezembro de 2009, a Operação Kollektor deve começar ainda este mês os indiciamentos pelo desvio de R$ 63 milhões da Ulbra. A Polícia Federal está concluindo a fase dos depoimentos, mas os integrantes da antiga Reitoria ainda não foram ouvidos. Além de estarem sendo investigados pela Polícia Federal, seis integrantes da gestão anterior respondem pela dívida da Universidade com a Receita Federal que já chega a R$ 3 bilhões. São eles o ex-reitor, Ruben Eugen Becker, seu filho e ex-vice, Leandro Becker, o ex-presidente da Celsp, Delmar Sthanke e os contadores Aérnio Dilkin Penteado, Aérnio Dil-kin Penteado Júnior e Graziela Graciolli de Lima Maria. O valor é cobrado em mais de 40 execuções fiscais que correm na Vara Federal de Canoas.

Fazenda do reitor estava no nome do executivo

Entrada de acesso para a Transul no aeroporto

Foto: Claudio Fachel

Entrada de acesso para a Transul no aeroporto

Foto: Claudio Fachel

Durante o depoimento de Ruben Becker, o juiz federal Guilherme Pinho Machado citou um documento no qual estava descrita a compra de uma área rural em Pantano Grande, “identificada como fazenda Montana Reitor”.

O e-mail encontrado dentro dos computadores da Universidade revelaria que a fazenda foi adquirida por R$ 2,608 milhões em janeiro de 2008 e que pouco mais de um mês depois “um valor no exato montante teria sido pago através da empresa Resul à CPZ”.

Ruben Becker negou ao juiz que tivesse uma fazenda com esse nome. “Tenho apenas um sítio em Montenegro”, disse ele, ao passo que seu advogado alertava sobre a possibilidade de que “o e-mail pudesse ter sido fabricado”. Mas em maio desse mesmo ano, Ruben Becker assinou um contrato de arrendamento da Fazenda Montana para uso de sua empresa, a RME Administração de Sociedades. A negociação foi feita com a Terra Santa Agronegócios, da qual, coincidentemente, Zanchi é sócio.

O arrendamento foi encerrado em julho de 2009, um mês antes da venda da fazenda, registrada no 10º tabelionato de notas de Porto Alegre. Na certidão, a Terra Santa Agronegócios se desfaz do imóvel rural mediante o pagamento de R$ 2 milhões, valor que será quitado só na metade de 2010.

Becker e empresário tinham advogados em comum
Outra coincidência que une as histórias do ex-reitor da Ulbra Ruben Becker e o empresário Paulo Zanchi são seus representantes diante da Justiça. Eles compartilharam pelo menos dois advogados nos últimos três anos. Durante o período em que acompanhou os depoimentos de Ruben e Leandro Becker, o bacharel Geraldo Moreira também defendia as empresas Sulsoja e CPZ. Na ocasião, ele afirmou à reportagem do Extra Classe que não representaria os proprietários da empresas caso eles fossem citados nos processos contra a Ulbra. “São meus clientes há uns dez anos. Fiquei sabendo que tinham negócios com a Universidade uns 15 ou 20 dias antes das audiências”, disse Moreira.

O advogado gaúcho herdou a defesa do ex-reitor da Ulbra de um colega, cujo escritório fica em Brasília. Reginaldo Bacci não apenas auxiliava o antigo gestor da Universidade como prestava assessoria jurídica à instituição nos processos judiciais e administrativos da Celsp. Ele foi contratado em abril de 2008, quando já trabalhava pelo menos há um ano para Paulo Zanchi. Ao que tudo indica foi o empresário que levou Bacci para a Ulbra.

Durante o depoimento tomado de Ruben Becker em outubro de 2009, o juiz federal Guilherme Pinho Machado tentou elucidar as relações entre Cesar Arrieta e a Ulbra, relatadas por Reginaldo Bacci à instituição. Geraldo Moreira pediu que a intervenção não fosse considerada porque não confiava em Bacci. “Ele tinha relações com Arrieta e responde a processo por isso”, emendou.

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