OPINIÃO

O significado do déficit zero: uma experiência tardia de Estado mínimo no RS

Publicado em 17 de abril de 2010

Colunista: Weissheimer

Ilustração: Rodrigo Vizzotto

Ilustração: Rodrigo Vizzotto

No dia 15 de abril de 2009, durante um seminário com prefeitos de todo o país, em Brasília, a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), fez o seguinte resumo de sua crença em matéria de economia e de gestão pública: “Temos de nos preparar para um mundo diferente do que era e, portanto, não podemos gastar em custeio. Mas temos que gastar em investimentos”.

Fiel a essa diretriz, logo que assumiu, em 2007, Yeda determinou um corte linear de 30% nos gastos de custeio de todas as secretarias. Uma medida com impacto negativo direto na qualidade dos serviços públicos oferecidos à população. Na época, a governadora não explicou como é possível ampliar e melhorar a qualidade dos serviços públicos cortando gastos de custeio, uma das medidas fundamentais da chamada política de déficit zero.

Mas o que são gastos de custeio afinal? Eles representam algo que pode ser cortado assim, sem maiores justificativas, como uma medida contábil rotineira? A definição é da própria Secretaria da Fazenda do RS: “Esses gastos são definidos por cotas anuais previstas para cada órgão no orçamento do Estado e servem, por exemplo, para o pagamento de energia, água, material de expediente, vacinas, medicamentos e todas as despesas relativas à manutenção da estrutura administrativa e prestação de serviços públicos”.

Os professores da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), que entraram em greve no final de março, conhecem bem o significado de tais medidas. Afinal de contas, se os governantes “não podem gastar em custeio”, como defende a governadora, quem vai garantir a prestação de serviços públicos essenciais à população?

Essas ideias estão na base das políticas do déficit zero e da ideologia que está por trás delas. Ideologias, sim. Não se trata de uma mera prática contábil e tampouco de algo novo, inserindo-se na lógica das teorias do Estado mínimo que tiveram seu momento de glória nas últimas décadas a partir dos governos de Ronald Reagan, nos EUA, e de Margaret Thatcher, na Inglaterra.

Em defesa do déficit público
Um dos mais ferrenhos críticos dessas ideias nos dias de hoje é o economista norte-americano James T. Galbraith, professor na Universidade do Texas. Filho de John K. Galbraith, James foi um dos primeiros a prever a crise econômica de 2008, ainda em 2004, e é autor do livro The Predator State: How Conservatives Abandoned the Free Market and Why Liberals Should Too (O Estado Predador: como os conservadores abandonaram o livre mercado e por que os liberais também deveriam fazê-lo).

Neste livro e nos artigos que escreve para jornais dos EUA, Galbraith trata de algumas afirmações apresentadas como senso comum que são, na verdade, parte de uma grande campanha de desinformação. Afirmações estas bastante ouvidas pela população gaúcha nos últimos anos. No artigo Em defesa do déficit”(*) ele lista algumas delas:

O fardo da dívida pública vai “se impor sobre nossos netos”, ou algo como “dívidas sem fim” estão supostamente diante de nós. Tudo isso faz parte de uma das maiores campanhas de desinformação de todos os tempos. A desinformação está enraizada no que muitos consideram o senso comum mais elementar. Pode ser visto como sabedoria caseira, especialmente, dizer que “assim como a família, o governo não pode viver além de suas possibilidades”. Mas governo não é como família. O economista lembra que há basicamente duas maneiras de se obter o que chamamos de crescimento econômico:

Uma maneira é o governo gastar. A outra, os bancos emprestarem. Deixando de lado os ajustes de curto prazo, como o aumento das exportações líquidas ou da inovação financeira, basicamente é disso que se trata. Governos e bancos são duas entidades com poder de criar algo do nada. Para as pessoas comuns, déficits orçamentários públicos, a despeito de sua má reputação, são muito melhores do que empréstimos privados. As pessoas comuns se beneficiam, mas não há aí nada para os bancos.

E é isso, sustenta Galbraith, o que explica a fobia de Wall Street, da mídia corporativa, dos políticos conservadores e dos economistas de direita em relação aos gastos dos governos. Os servidores públicos, que lidam diretamente com a população, são os primeiros a vivenciarem o impacto dessas políticas. E a população do Rio Grande do Sul, como um todo, vem sendo cobaia dessa experiência tardia de Estado mínimo no momento em que ela perde força no mundo.

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